sábado, maio 25, 2013

Opinião: "pós-troika?"



Parece que deu a louca a esta gente. São reuniões de Conselho de Ministros durante horas, pela noite dentro, aos fins-de-semana quando se trata de criar a ideia de que o governo vai cair. Tudo para quê? Para nos lixar a todos.
Sucede que a moda parece que pegou, provavelmente porque Cavaco foi envolvido na polémica entre PSD e CDS e na possibilidade, que esteve pelos vistos bem perto, de acordo com vários testemunhos, de uma crise política e da queda deste governo de coligação em queda livre. E digo que pegou porque tivemos esta semana uma reunião do Conselho de Estado, durante sete horas, para que depois dela fosse divulgado um comunicado insonso que nada esclarece e que serve para tudo, menos para informar os cidadãos sobre o que realmente esteve em cima da mesa, que propostas foram feitas, que consenso foi construído, que pontes começaram a ser edificadas, tudo isto a pensar no futuro, que medidas concretas foram discutidas e equacionadas, a pensar no presente mais imediato das pessoas, das famílias e das empresas, etc.
Tivemos, por assim, dizer, um Conselho de Estado desnecessário, quiçá para tentar branquear alguma cosia, segundo insinuação do constitucionalista Jorge Miranda, um Conselho longe dos cidadãos, bem distante da realidade do pais, a pensar mais no pós-troika, mas sem saber sequer se o país e os cidadãos conseguem resistir até essa data emblemática, Junho de 2014, marcada pela anunciada saída da troika de Portugal mas não, desiludam-se os que pensam o contrário, o fim da continuidade do envolvimento chantagista e mafioso da banca e do capitalismo europeus, das pressões dos países mais influentes da União e da austeridade, sobretudo da austeridade que vai marcar o quotidiano dos portugueses até pelo menos, dizem os especialistas, 2030!
Lembro que um grupo de reflexão sediado em, Bruxelas reconheceu recentemente que vão continuar as dificuldades quando terminar o plano de resgate e que para que tenhamos o acesso ao financiamento será determinante e decisivo o papel dos parceiros europeus e do BCE, o que indicia a continuidade da dependência do nosso país face aos nossos parceiros. Ou seja, estamos a assistir a uma vergonhosa demagogia da propaganda oficial lisboeta e a uma manipulação descarada e atrevida da realidade, à qual não escapa o próprio Presidente da República, o que não deixa de ser lamentável.
Teórica e tecnicamente sabe-se que Portugal está a um ano de terminar formalmente o programa de resgate financeiro, faltando ainda até lá cinco exames regulares da troika, mais cortes na despesa, mais reformas a negociar com os credores, cerca de 15 mil milhões de euros que ainda temos a receber da fatia total de 81 mil milhões de euros emprestados a que se junta uma enorme incerteza quanto à evolução da nossa economia e consequente criação de emprego capaz de reduzir rapidamente o desemprego que atinge em Portugal o escandaloso número de 1,5 milhões de pessoas, com uma fatia muito grande de licenciados mas sobretudo de jovens, muitos deles, milhares deles, obrigados a emigrar.
Apesar das tentativas do Presidente da República mas nos pôr a dar uma "voltinha ao bilhar grande", tentando ignorar ou minimizar as reais preocupações da sociedade portuguesa - que podem não ser as preocupações presidenciais mas isso não dá o direito delas serem escamoteadas ou desvalorizadas, seja por quem for – a realidade é a que é, aliás confirmada pelo grupo de reflexão Bruegel, sediado em Bruxelas, que deixou um alerta muitos dias antes da reunião do Conselho de Estado que não sabemos se teve isso em consideração: Portugal não está livre de precisar de um programa de assistência cautelar em caso de dificuldade depois de terminar o actual resgate negociado com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Esta foi a conclusão de uma análise sobre Portugal, a Grécia e a Irlanda, acreditando os economistas autores do documento que Portugal vai terminar o plano da troika no tempo previsto (Maio de 2014), que a zona euro vai apoiar o país no regresso aos mercados financeiros, mas que o caminho é cinzento pois a conclusão do Memorando de Entendimento não significa "o fim dos problemas". É isto que os portugueses precisam de ter presente e não se deixarem enrolar – para não usar outra terminologia mais radical… - por discursos políticos ou reuniões de organismos estatais que valem o que valem numa encenação que visa, não resolver os problemas dos cidadãos, mas branquear realidades incómodas e, sobretudo, tentar afastar a ameaça de uma crise política na coligação que daqui para a frente estará sempre presente.
Estamos a falar de um pós-troika incerto – e nem discuto o estado em que lá chegaremos se tudo se mantiver assim até Junho de 2014, o que duvido – no qual não deixaremos de continuar a ser um país sob intervenção e que pode envolver a inevitabilidade de um programa de assistência financeira preventiva via Mecanismo Europeu de Estabilidade, o chamado fundo de socorro dos países em dificuldades, condição essencial para que Portugal "aceda ao programa de compra ilimitada de dívida do Banco Central Europeu, desenhado para baixar as taxas de juro da dívida dos países sob pressão dos especuladores no mercado secundário. Mas, para ser accionado, obriga os países em causa a uma série de condicionalidades, entre elas o recurso ao MEE".
Segundo os autores daquele documento, a questão essencial reside em saber em que condições se processará o desejado regresso progressivo do nosso país ao mercado primário de dívida - questão que se coloca também para a Irlanda – numa altura em que o próprio cobrador de impostos e funcionário da banca europeia, Gaspar, já reconheceu que as necessidades de financiamento do Tesouro português estão asseguradas para 2013 embora faltem cerca de 20 mil milhões de euros para 2014.
Porque não há volta a dar: Portugal vai continuar com défices orçamentais superiores a 1% do PIB devido sobretudo aos juros da dívida pública que terão que ser pagos nos próximos anos. É sabido que as novas metas do défice orçamental acordadas com a tróica para 2013 são de -5,5%, enquanto que em 2014 as previsões apontam para -4% e 2015 para -2,5%. Nos três a quatro anos seguintes, a projecção do FMI continua a prever um défice orçamental superior a 1%: em 2016 o défice orçamental previsto é de 1,9%, em 2017 de 1,6% e em 2018 de 1,2%. Sustenta o FMI que o saldo primário (resultado das contas públicas excluindo os juros) deve ficar positivo em 2015 atingindo os 1,5%, subindo para 2,2% em 2016, os 2,6% em 2017 e os 2,9% em 2018 o que, a confirmar-se, não deixa de ser positivo.
É verdade que continuamos a ser um país pitoresco. Apesar dos protestos e da indignação generalizada, não deixa de ser curioso que, entre os países com programas de assistência financeira na União Europeia, Portugal tenha sido o único cujas vendas de carros subiram, ainda que ligeiramente, desde Janeiro até hoje comparando com o mesmo período de 2012. Anunciou recentemente a Associação de Construtores Europeus de Automóveis que as vendas no nosso país cresceram 0,9% nos primeiros quatro meses do ano contra as quedas de 44,4% do Chipre, 13,3% da Irlanda e 9,8% da Grécia. A Espanha, que não está formalmente em resgate, mas cuja banca foi resgatada em mais de 60 mil milhões de euros, também viu as vendas de carros caírem 6,7%. Sintomático… (LFM-JM)