Parece
que deu a louca a esta gente. São
reuniões de Conselho de Ministros durante horas, pela noite dentro, aos
fins-de-semana quando se trata de criar a ideia de que o governo vai cair. Tudo
para quê? Para nos lixar a todos.
Sucede
que a moda parece que pegou,
provavelmente porque Cavaco foi envolvido na polémica entre PSD e CDS e na
possibilidade, que esteve pelos vistos bem perto, de acordo com vários
testemunhos, de uma crise política e da queda deste governo de coligação em
queda livre. E digo que pegou porque tivemos esta semana uma reunião do
Conselho de Estado, durante sete horas, para que depois dela fosse divulgado um
comunicado insonso que nada esclarece e que serve para tudo, menos para
informar os cidadãos sobre o que realmente esteve em cima da mesa, que
propostas foram feitas, que consenso foi construído, que pontes começaram a ser
edificadas, tudo isto a pensar no futuro, que medidas concretas foram discutidas
e equacionadas, a pensar no presente mais imediato das pessoas, das famílias e
das empresas, etc.
Tivemos,
por assim, dizer, um Conselho de Estado desnecessário, quiçá para tentar
branquear alguma cosia, segundo insinuação do constitucionalista Jorge Miranda,
um Conselho longe dos cidadãos, bem distante da realidade do pais, a pensar
mais no pós-troika, mas sem saber sequer se o país e os cidadãos conseguem
resistir até essa data emblemática, Junho de 2014, marcada pela anunciada saída
da troika de Portugal mas não, desiludam-se os que pensam o contrário, o fim da
continuidade do envolvimento chantagista e mafioso da banca e do capitalismo
europeus, das pressões dos países mais influentes da União e da austeridade,
sobretudo da austeridade que vai marcar o quotidiano dos portugueses até pelo
menos, dizem os especialistas, 2030!
Lembro que um grupo de reflexão sediado em, Bruxelas
reconheceu recentemente que vão continuar as dificuldades quando
terminar o plano de resgate e que para que tenhamos o acesso ao financiamento
será determinante e decisivo o papel dos parceiros europeus e do BCE, o que
indicia a continuidade da dependência do nosso país face aos nossos parceiros.
Ou seja, estamos a assistir a uma vergonhosa demagogia da propaganda oficial
lisboeta e a uma manipulação descarada e atrevida da realidade, à qual não escapa
o próprio Presidente da República, o que não deixa de ser lamentável.
Teórica e tecnicamente
sabe-se que Portugal está a um ano de terminar formalmente o programa de
resgate financeiro, faltando ainda até lá cinco exames regulares da troika,
mais cortes na despesa, mais reformas a negociar com os credores, cerca de 15
mil milhões de euros que ainda temos a receber da fatia total de 81 mil milhões
de euros emprestados a que se junta uma enorme incerteza quanto à evolução da
nossa economia e consequente criação de emprego capaz de reduzir rapidamente o
desemprego que atinge em Portugal o escandaloso número de 1,5 milhões de
pessoas, com uma fatia muito grande de licenciados mas sobretudo de jovens,
muitos deles, milhares deles, obrigados a emigrar.
Apesar das tentativas do
Presidente da República mas nos pôr a dar uma "voltinha ao bilhar grande", tentando ignorar ou minimizar as
reais preocupações da sociedade portuguesa - que podem não ser as preocupações
presidenciais mas isso não dá o direito delas serem escamoteadas ou
desvalorizadas, seja por quem for – a realidade é a que é, aliás confirmada
pelo grupo de reflexão Bruegel, sediado em Bruxelas, que deixou um alerta
muitos dias antes da reunião do Conselho de Estado que não sabemos se teve isso
em consideração: Portugal não está livre de precisar de um programa de
assistência cautelar em caso de dificuldade depois de terminar o actual resgate
negociado com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Esta foi a
conclusão de uma análise sobre Portugal, a Grécia e a Irlanda, acreditando os
economistas autores do documento que Portugal vai terminar o plano da troika
no tempo previsto (Maio de 2014), que a zona euro vai apoiar o país no regresso
aos mercados financeiros, mas que o caminho é cinzento pois a conclusão do Memorando
de Entendimento não significa "o fim dos problemas". É isto que
os portugueses precisam de ter presente e não se deixarem enrolar – para não
usar outra terminologia mais radical… - por discursos políticos ou reuniões de
organismos estatais que valem o que valem numa encenação que visa, não resolver
os problemas dos cidadãos, mas branquear realidades incómodas e, sobretudo,
tentar afastar a ameaça de uma crise política na coligação que daqui para a
frente estará sempre presente.
Estamos a falar de um
pós-troika incerto – e nem discuto o estado em que lá chegaremos se tudo se
mantiver assim até Junho de 2014, o que duvido – no qual não deixaremos de
continuar a ser um país sob intervenção e que pode envolver a inevitabilidade
de um programa de assistência financeira preventiva via Mecanismo Europeu de
Estabilidade, o chamado fundo de socorro dos países em dificuldades, condição essencial
para que Portugal "aceda ao programa de
compra ilimitada de dívida do Banco Central Europeu, desenhado para baixar as
taxas de juro da dívida dos países sob pressão dos especuladores no mercado
secundário. Mas, para ser accionado, obriga os países em causa a uma série de
condicionalidades, entre elas o recurso ao MEE".
Segundo os autores daquele documento,
a questão essencial reside em saber em que condições se processará o desejado regresso
progressivo do nosso país ao mercado primário de dívida - questão que se coloca
também para a Irlanda – numa altura em que o próprio cobrador de impostos e
funcionário da banca europeia, Gaspar, já reconheceu que as necessidades de
financiamento do Tesouro português estão asseguradas para 2013 embora faltem
cerca de 20 mil milhões de euros para 2014.
Porque não há volta a dar: Portugal vai
continuar com défices orçamentais superiores a 1% do PIB devido sobretudo aos
juros da dívida pública que terão que ser pagos nos próximos anos. É sabido que
as novas metas do défice orçamental acordadas com a tróica para 2013 são de
-5,5%, enquanto que em 2014 as previsões apontam para -4% e 2015 para -2,5%. Nos
três a quatro anos seguintes, a projecção do FMI continua a prever um défice
orçamental superior a 1%: em 2016 o défice orçamental previsto é de 1,9%, em 2017 de 1,6%
e em 2018 de 1,2%. Sustenta o FMI que o saldo primário (resultado das contas
públicas excluindo os juros) deve ficar positivo em 2015 atingindo os 1,5%,
subindo para 2,2% em 2016, os 2,6% em 2017 e os 2,9% em 2018 o que, a
confirmar-se, não deixa de ser positivo.
É verdade
que continuamos a ser um país pitoresco. Apesar dos protestos e da indignação
generalizada, não deixa de ser curioso que, entre os países com programas de
assistência financeira na União Europeia, Portugal tenha sido o único cujas
vendas de carros subiram, ainda que ligeiramente, desde Janeiro até hoje
comparando com o mesmo período de 2012. Anunciou recentemente a Associação de
Construtores Europeus de Automóveis que as vendas no nosso país cresceram 0,9%
nos primeiros quatro meses do ano contra as quedas de 44,4% do Chipre, 13,3% da
Irlanda e 9,8% da Grécia. A Espanha, que não está formalmente em resgate, mas
cuja banca foi resgatada em mais de 60 mil milhões de euros, também viu as
vendas de carros caírem 6,7%. Sintomático… (LFM-JM)