segunda-feira, outubro 19, 2015

Mania de escrever: Cavaco quer Representantes da República a recuperarem o que lhes foi tirado (e bem) em 2005!

Cavaco Silva surpreendeu, uma vez mais, ao avançar com uma proposta de revisão constitucional - ele que nunca contribuiu no seu mandato para que o texto constitucional fosse efectivamente revisto desde 2005 até hoje - que não deixou de incluir as regiões autónomas. O retrocesso foi de tal modo surpreendente e patético que ainda cheguei a suspeitar que o homem, que falava no início do novo Ano Judicial, acabaria por propor na sua lucubração a retoma da anterior designação de Ministros da República, quem sabe se reforçando os poderes que lhes foram retirados em anteriores revisões constitucionais.
De facto, Cavaco à falta de melhor tema, decidiu perorar sobre o futuro dos Representantes da  República recomendado que em próximo processo de revisão constitucional venham a ter de novo lugar no Conselho de Ministros, que perderam quando a sua designação foi alterada, os seus poderes e competências diminuídas e foram institucionalmente colocados na dependência do PR. Ou seja uma proposta que é um retrocesso, um regresso ao passado.
Declarações
Recordo algumas das declarações de Cavaco proferidas na Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial, 8 de Outubro):
" (...) Quando tomei posse, no início dos meus dois mandatos, jurei cumprir e fazer cumprir a Lei Fundamental. Penso ter agora o imperativo de transmitir aos legisladores e aos aplicadores do Direito o produto da minha reflexão sobre a arquitectura constitucional dos poderes do Estado e, em particular, sobre o alcance e o sentido que a função presidencial adquire nesse contexto. Considerei ser este o momento certo para que tal análise seja percepcionada de forma serena e responsável, enquanto registo e inventário de uma experiência da qual os responsáveis pela revisão da Constituição farão o uso que livremente entenderem.
(...)
Concluída a eleição dos deputados à Assembleia da República, e não estando em curso qualquer processo de alteração da Lei Fundamental, a circunstância de me encontrar perante este auditório tão qualificado pareceu-me especialmente oportuna para que uma reflexão dirigida à «comunidade dos intérpretes da Constituição» seja encarada sem quaisquer equívocos. Não se pretende condicionar futuras revisões constitucionais. Trata-se de um testemunho para memória futura, passível de contribuir para eventuais revisões da Constituição, que terão ou não lugar de acordo com a vontade soberana dos Deputados e no momento que estes entendam ser adequado.
(...)
Entendo, aliás, que as traves-mestras da distribuição de competências que a Constituição define são ajustadas ao necessário equilíbrio das funções do Estado e ao respeito pelo princípio da separação e interdependência de poderes entre os diversos órgãos de soberania" (...)
E mais concretamente:
"(...) Num domínio que não se relaciona directamente com o Presidente da República, mas que, por opção constitucional, acaba por ter incidência no exercício das suas funções, importaria igualmente ter em conta a experiência política dos últimos anos. Refiro-me, neste particular, à figura dos Representantes da República para as Regiões Autónomas. O desenho institucional deste cargo, a par das competências que é chamado a exercer, tornam de todo em todo desaconselhável a consagração de um só representante da República para ambas as regiões, tal como já chegou a ser sugerido.
Na verdade, e até para a defesa dos interesses próprios de cada uma das regiões insulares no quadro de um Estado unitário, a existência de dois representantes da República é a solução que inequivocamente se afigura mais adequada. Pelo contrário, a existir apenas um representante da República para ambas as regiões, este perderá a sua relação de proximidade e de conhecimento das especificidades políticas, económicas e sociais de cada uma. Ora, esse conhecimento é essencial, designadamente, para o exercício da competência de assinatura, veto e iniciativa de fiscalização da constitucionalidade dos diplomas regionais – competência que deve ser mantida. Sendo que, noutros casos, a existência de um só Representante da República para ambas as regiões impossibilitaria mesmo o desempenho das suas funções; por exemplo, no âmbito dos processos eleitorais ou na gestão de situações de emergência. Aquilo que fundamenta a opção histórica de 1976, que levou à consagração das autonomias regionais dos Açores e da Madeira, é também o motivo que justifica a existência de um representante da República para cada região autónoma.
Ainda no que se refere à acção dos Representantes da República, creio que se deveria reequacionar o modelo em que se previa a sua presença no Conselho de Ministros. O que posso concluir, da minha experiência pessoal, é que a ausência dos representantes da República das reuniões do Conselho de Ministros dificulta, de forma muito gravosa quer para as regiões autónomas, quer para o Governo da República, uma comunicação ágil e eficiente entre o poder central e os órgãos regionais.
Os Representantes da República, no âmbito das suas competências próprias, poderiam actuar na intermediação entre ambos os poderes, evitando preventivamente o surgimento de potenciais conflitos e transmitindo de forma expedita as pretensões dos órgãos regionais ao poder central. Estou certo de que desse modo se aprofundaria a autonomia regional e a defesa dos interesses das populações insulares e, em simultâneo, se garantiria o necessário respeito pelo princípio constitucional da unidade do Estado.
Uma parcela significativa das tensões e problemas que no passado se fizeram sentir entre os órgãos de governo próprio das regiões e o poder central, conforme tive oportunidade de testemunhar, seria substancialmente reduzida através de uma interacção mais próxima, a ser exercida pelos Representantes da República para os Açores e para a Madeira".
Historial
Recordo que a Constituição da República Portuguesa  foi aprovada a 2 de Abril de 1976, tendo dotado  a Assembleia da República de poderes de revisão constitucional, exercidos pela primeira vez num longo (entre Abril de 1981 e 30 de Setembro de 1982) processo de revisão do seu articulado inicial, "o qual reflectia  opções políticas e ideológicas decorrentes do período revolucionário que se seguiu à ruptura contra o anterior regime autoritário, consagrando a transição para o socialismo, assente na nacionalização dos principais meios de produção e mantendo a participação do Movimento das Forças Armadas no exercício do poder político, através do Conselho da Revolução".
A revisão constitucional de 1982 "procurou diminuir a carga ideológica da Constituição, flexibilizar o sistema económico e redefinir as estruturas do exercício do poder político, sendo extinto o Conselho da Revolução e criado o Tribunal Constitucional".
Seguiu-se em 1989 a 2.ª Revisão Constitucional "que deu maior abertura ao sistema económico, nomeadamente pondo termo ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações directamente efectuadas após o 25 de Abril de 1974".
As revisões que se seguiram, em 1992 e 1997, "vieram adaptar o texto constitucional aos princípios dos Tratados da União Europeia, Maastricht e Amesterdão, consagrando ainda outras alterações referentes, designadamente, à capacidade eleitoral de cidadãos estrangeiros, à possibilidade de criação de círculos uninominais, ao direito de iniciativa legislativa aos cidadãos, reforçando também os poderes legislativos exclusivos da Assembleia da República".
Em 2001 a Constituição foi de novo revista, "para permitir a ratificação, por Portugal, da Convenção que cria o Tribunal Penal Internacional, alterando as regras de extradição".
A 6.ª Revisão Constitucional, aprovada em 2004, aprofundou a autonomia político-administrativa das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, designadamente aumentando os poderes das respetivas Assembleias Legislativas e eliminando o cargo de “Ministro da República”, criando o de “Representante da República”, refere o site da Assembleia da República a quem compete em exclusivo alterar a Constituição com uma maioria de 2/3 dos deputados eleitos.
"Foram também alteradas e clarificadas normas referentes às relações internacionais e ao direito internacional, como, por exemplo, a relativa à vigência na ordem jurídica interna dos tratados e normas da União Europeia. Foi ainda aprofundado o princípio da limitação dos mandatos, designadamente dos titulares de cargos políticos executivos, bem como reforçado o princípio da não discriminação, nomeadamente em função da orientação sexual"
Em 2005 foi aprovada a 7.ª Revisão Constitucional "que através do aditamento de um novo artigo, permitiu a realização de referendo sobre a aprovação de tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia".
Lembra a Assembleia da República que em 16 de Setembro de 2010, a apresentação de um projecto de Revisão Constitucional por um conjunto de Deputados do Grupo Parlamentar do PSD deu início ao processo da 8.ª Revisão Constitucional. Cinco anos após a última revisão da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), a Assembleia da República é chamada a exercer a sua competência exclusiva de aprovação de alterações à Constituição.        
Concluída a fase de apresentação de outros projectos de Revisão Constitucional – que decorreu até 18 de Outubro de 2010, nos termos do n.º 2 do artigo 285.º da Constituição -, o procedimento teve entretanto sequência com a constituição de uma Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, de acordo com a Deliberação n.º 2 -PL /2010, adoptada pelo Plenário da Assembleia da República, em 22 de Outubro de 2010.
A Comissão integra, em representação proporcional, Deputados de todos os Grupos Parlamentares, a quem incumbe a análise e discussão dos projectos admitidos, procedendo, no final dos seus trabalhos, à respectiva votação, a submeter a Plenário para aprovação por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções (artigo 286.º, n.º 1 da C.R.P.).
A Comissão iniciou os seus trabalhos no dia 29 de Outubro de 2010, com a primeira leitura dos vários Projectos de Revisão Constitucional, actualmente em curso e que se traduz na sua apresentação pelos respectivos proponentes e na discussão dos vários Grupos Parlamentares sobre as alterações propostas.
Recordo que este processo de Revisão Constitucional veio a caducar em 19 de Junho de 2011, devido à dissolução da Assembleia da República.
Em 2004 os deputados do PSD da Madeira tentaram forçar a discussão sobre uma proposta de revisão constitucional na AR que entre outras propostas acabava com o Tribunal Constitucional e proponha um mandato de dez anos para o Presidente. Este processo foi inviabilizado porque a direcção do PSD nacional anunciou que não ia fazer qualquer proposta de revisão constitucional tendo a proposta do PSD/Madeira sido catalogada de "extemporânea" e impossível de concretizar devido à crise no PS".

Sem comentários: