Terminadas as audiências em Belém, o que vai agora fazer Cavaco Silva?
Fará a única coisa que precisa de fazer: convidar Passos Coelho, na qualidade de líder do maior partido da coligação vencedora das eleições legislativas, a formar governo, rapidamente, para que o mesmo seja empossado, elabore o programa de governo na Assembleia da República e se submeta a um novo cenário parlamentar em que a direita perdeu a maioria absoluta.
A primeira dificuldade da dupla Passos-Portas residirá neste processo, na previsível dificuldade (sim ou não?) em convencerem pessoas - salvo se integrarem as estruturas partidárias - a aceitarem uma indigitação ministerial que pode durar semanas! Imaginemos contudo que essa contrariedade é contornada pela coligação.
E depois?
Depois das duas uma: ou a coligação resiste à prometidas moções de censura do PCP e do Bloco, que em caso de falta de acordo destes partidos com o PS podem não ser aceites - Costa recusa ser oposição negativa por oposição negativa - o quer coloca um problema (e uma pressão) adicional sobre comunistas e bloquistas que parecem apostados em aproveitar a ânsia de poder do PS e de Costa para subirem a parada negocial e incluírem mais exigências do que as inicialmente enumeradas.
E vai o PS ceder? Ou estarão os socialistas apostados em não deixarem que o seu programa, em termos de linhas essenciais, seja distorcido ou alterado por causa de cedências que sejam obrigados a fazer para serem uma alternativa?
E que topo de acordo político, que itens foram acordados pelos três partidos, vai garantir a Costa que derrube o governo da coligação, votando a moção de censura do PCP e do Bloco e anuncie a Cavaco uma alternativa governamental credível e assente em que itens? Mais. Que tipo de acordo vai assinar o PS de Costa? Um acordo meramente de incidência parlamentar? Para um ano ou para os 4 anos de Legislatura embora pessoalmente não acredite que a coligação de esquerda a ser liderada pelo PS garante estabilidade política prolongada. Vai o PS formar governo sozinho com o PC e o Bloco as constituírem na Assembleia da República uma espécie de "guarda pretoriana" em defesa da sua "dama"? Será que o que anima e une estes partidos não é propriamente a alternativa, o futuro do país, mas a ânsia de derrubar a coligação, de impedir que PSD e CDS cheguem ao poder, mesmo que o seu governo seja empossado nos termos constitucionais?
E se esse governo de esquerda for empossado - Cavaco pouco pode fazer para o impedir, sobretudo depois de um governo do PSD-CDS ser derrubado - o que vai acontecer com o orçamento para 2016? A União Europeia e mesmo as instituições da troika, nomeadamente o esfomeado e crítico FMI, que nos mantêm sob vigilância, vão aceitar a proposta orçamental desse governo de esquerda, que irremediavelmente vai contemplar aumento da despesa? E se não for aceite e entrarmos numa conjuntura de instabilidade orçamental cruzada com uma crise política e institucional no eixo Lisboa-Bruxelas? O que fará o próximo Presidente da República, já que um dos problemas que hoje se colocam nesta conjuntura é que Cavaco Silva é passado, "já foi"? E como vão gerir PS, PCP e Bloco o facto de cada um deles ter um candidato presidencial - ou não, no caso do PS que parece incapaz de tomar uma posição política clara? E se o candidato da direita conseguir mobilizar os votos do eleitorado tradicional do PSD e do CDS e ganhar Belém logo à primeira volta? Como cai o PCP gerir o mediatismo intervencionista dos seus "cavalos de batalha" particularmente da Intersindical num contexto de previsível instabilidade social? Vai impedir uma CGTP na rua como ela fez estes quatro anos? Que tipo de entendimento vai o PCP manter com um PS no poder quando é sabido que os comunistas garantem uma representação eleitoral estabilizada à custa do aproveitamento da instabilidade social e do impacto que o papel dos sindicatos, controlados por membros do PCP na sua maioria? E quererá o Bloco de Esquerda ficar isolado, entre um PS que quer poder e governar e um PCP que, desconfiado como sempre, sabe que a co-responsabilidade pelo poder liderado pelos socialistas, pode diminuir o seu espaço de manobra, reduzir o espaço político próprio e colocar em causa a sua capacidade de convencimento dos trabalhadores. Julgo quer o PCP, por tudo isto, não quer integrar o governo, não quer acordos para 4 anos, não quer ficar refém do PS e de Costa.
E o Bloco? Julgo que os bloquistas sabem os riscos que correm. Penso que vão recusar envolver-se directamente num governo socialista liderado por Costa, optando pelo apoio parlamentar negociado talvez apenas por um ou dois anos. O Bloco, no fundo tal como o PC e o PS, sabe que se esta aliança inesperada não resultar, se a pressão externa sobre o país ameaçar a recuperação e anunciar mais austeridade, se os mercados e as agências de rating pressionarem o país, julgo que o futuro Presidente da República, por exemplo se for Marcelo Rebelo de Sousa, vai tomar uma atitude semelhante à que Sampaio tomou quando dissolveu a Assembleia da República em 2015 e demitiu o governo, apesar deste ter uma base parlamentar de maioria absoluta.
E o Bloco? Julgo que os bloquistas sabem os riscos que correm. Penso que vão recusar envolver-se directamente num governo socialista liderado por Costa, optando pelo apoio parlamentar negociado talvez apenas por um ou dois anos. O Bloco, no fundo tal como o PC e o PS, sabe que se esta aliança inesperada não resultar, se a pressão externa sobre o país ameaçar a recuperação e anunciar mais austeridade, se os mercados e as agências de rating pressionarem o país, julgo que o futuro Presidente da República, por exemplo se for Marcelo Rebelo de Sousa, vai tomar uma atitude semelhante à que Sampaio tomou quando dissolveu a Assembleia da República em 2015 e demitiu o governo, apesar deste ter uma base parlamentar de maioria absoluta.
E o PS? E os "seguristas"?
Esse é o problema. PCP e Bloco temem que Costa, a negociar um entendimento à esquerda depois de ter perdido as eleições - e ficado fragilizado - não consiga convencer o partido e possa mesmo ser destituído ou obrigado a isso. Por isso o PS está a ceder tudo, fê-lo ao PCP, fez mais recentemente ao Bloco, até mais do que tinha sido pedido, porque Costa quer pressionar os dois partidos, obrigando-os a colocar-se numa posição parlamentar e política de "satélites do PS". Costa não quer chegar ao debate do programa de governo e votação da moção ou moções de censura, sem um entendimento com PC e Bloco, cuja divulgação pode-lhe causar problemas adicionais.
De facto Costa terá no futuro grupo parlamentar um grupo de São 15 os apoiantes de Seguro contra Costa que foram eleitos para o Parlamento - é uma espécie de sexto grupo parlamentar que, se desalinhado com a direcção, pode ser 'namorado' pelo PSD/CDS, como escrevi há dias um jornal. Falamos de nomes como Eurico Brilhante Dias, Rosa Albernaz, Pedro do Carmo, Pedro Coimbra, Jamila Madeira, António Sales, João Soares, Joaquim Raposo, José Luís Carneiro, João Paulo Correia, Ricardo Bexiga, António Gameiro, José Manuel Carpinteira, Francisco Rocha, António Borges. Julgo que a coligação PSD-CDS fará tudo o que lhe for possível para tentar da parte destes deputados, muitos deles, a maioria, estão contra a estratégia de Costa de negociações à esquerda - para não falar do "ajuste de contas" que continua presente em cima da mesa... - alguma tolerância no apoio ao governo em momentos decisivos. Resta sabes e terão sucesso, se os seguristas trocam o apoio ao PSD-CDS - que lhes seria fatal - em detrimento de uma aproximação pensada e calculista a Costa.
Costa, o Congresso e a sobrevivência política
Costa, o Congresso e a sobrevivência política
Claro que António Costa sabe que se chegar ao próximo Congresso do PS fragilizado e sem oferecer nada aos militantes do partido a não ser uma derrota que o envergonha, será o seu fim. Dificilmente deixarão de exigir a sua demissão e não terá condições para se recandidatar. Mas se Costa chegar ao Congresso como primeiro-ministro, por exemplo, graças a um acordo com PCP e Bloco, deverá ter a reeleição garantida e apesar de ser passível de fortes críticas internas, o Congresso acabará por dar-lhe luz verde impedindo uma crise política no partido ou qualquer atitude mais radicalizada que fragilize Costa.
Entre o seu fim político - e ele sabe disso - e a tentativa de sobrevivência custe o que custar, que serve a nomenclatura que com ele chegou ao poder no partido, admito perfeitamente que o derrotado Costa esteja a ser pressionado a continuar por esta via. Admito mesmo que tenha sido influenciado a não se demitir na noite de 4 de Outubro pelos seus parceiros de direcção que trocam a coerência que aparentemente o PS teria pela conquista do poder pelo poder.
Quer isto dizer que Costa jogará tudo por tudo e que provavelmente nunca dará apoio a um governo PSD-CDS em grade medida por causa da radicalização havida nestes 4 anos de austeridade e de confronto e conflitualidade política quase permanente que gerou uma bipolarização que aproximou a esquerda antes desavinda.
Versão II da Câmara de Lisboa
Recordo que Costa adquiriu experiência na gestão de maiorias de esquerda na sua passagem pela Câmara de Lisboa (nas intercalares de 2007 o PS elegeu apenas 6 mandatos contra 11 da oposição; em 2009 obteve a maioria absoluta com 9 mandatos contra 8 da oposição; em 2013 dá uma banhada elegendo 11 mandatos contra 6 da oposição, nova maioria absoluta) onde no primeiro dos seus mandatos, bem como na Assembleia Municipal, precisou desse entendimento. Costa transpôs para esta conjuntura essa sua capacidade de diálogo à esquerda, já que depois de quatro anteriores situações - nas quais a esquerda junta tinha a maioria dos deputados na AR - pela primeira vez vimos PS sentado em negociações com PCP e Bloco de Esquerda.
Os grandes problemas de Costa
Costa chegou a estas eleições fortemente pressionado, em grande medida devido à forma desastrada como geriu o PS na oposição sob a liderança de Seguro. E percebe-se.
Nas autárquicas de 2013 o PS de Seguro somou 36,3% com 1,8 milhões de votos e 923 eleitos para as Câmaras Municipais, contra 835 mil votos do PSD, 16,7% e 531 eleitos, 380 mil votos de coligações PSD-CDS com 154 eleitos e 8% e 152 mil votos do CDS, 3% e 47 eleitos. Acrescem ainda pouco mais de 300 mil votos, 60 eleitos e 6% de coligações envolvendo o PSD, CDS, PPM e MPT. Ou seja somando isto tudo a diferença entre PS e da coligação não foi tão acentuada, cerca de 1 milhões de votos, como parecia mas continuou a ser folgada.
Menos de um ano depois, Seguro ganhou as europeias de 2014 com 31,5%, pouco mais de 1 milhão de votos, elegeu 8 deputados contra 7 da coligação PSD-CDS que se ficou pelos 27,7% e cerca de 910 mil votos. Costa não gostou. Acusou Seguro de ter ganho por poucos e de não dar garantias de vitória nas legislativas de 2015 que se realizariam depois de um período de violenta austeridade. Ou seja para Costa, tanto o PSD como o CDS já tinham perdido, restava saber apenas por quantos. Por isso tratou de despachar Seguro de uma forma que provavelmente hoje haverá quem no PS continue a não lhe perdoar e que o eleitorado de uma maneira geral não subscreveu. Costa sabia disso, sabia que não tinha o PS unido consigo e que corria riscos pelo seu envolvimento governativo nos tempos de Sócrates para além da falta de perfil, da ausência de um discurso mobilizador com que alguns acusavam.
Costa deslumbrou-se e a maioria absoluta esmagadora que alcançou nas autárquicas de 2013 foram entendidas por ele como um trampolim para a liderança à força do PS e para uma vitória esmagadora, pelo menos convincente, nas legislativas nacionais de 2015. Esqueceu-se que faltava ainda muito tempo, que o programa de ajustamento terminaria em 2014 e que o governo PSD-CDS apesar de todas as limitações, não deixaria de ensaiar algumas posições eleitoralistas e demagógicas de pura caça ao voto. As coisas são o que são.
Os erros e os méritos da coligação
A arrogância da maioria no poder desde 2011 radicalizou o debate. Nunca se registou uma aproximação efectiva salvo quando o governo de Passos pretendeu aprovar medidas que terão sido impostas pela troika, o que implicou um arrastamento não assumido do PS a reboque das propostas governamentais. O IRC foi exemplo disso.
A verdade é que, quer queiramos quer não, houve uma derrota de um modelo de governação que gerou muita austeridade, aumentou significativamente a pobreza, mas nunca deixou de ter mais de 10 mil milhões de euros para espatifar nos bancos, tapar incompetência e corrupção de colarinho branco, numa autêntica provocação num país socialmente dilacerado.
A coligação PSD-CDS foi a mais votada, não por mérito, mas porque a estratégia arriscada do discurso do medo, assente na "presença" de Sócrates e da falência do país às mãos dos socialistas, deu frutos, lançando junto dos eleitores a suspeição do que lhes reservaria Costa, que foi membro de um dos governos socialistas de Sócrates. Além disso a coligação beneficiou de facto as fragilidade do PS, das contradições, das barracadas da campanha socialista - logo nos primeiros dias - da falta de dinâmica de Costa, da sua incapacidade de mobilizar os eleitores e transmitir-lhes uma mensagem de alternativa credível.
Obviamente que a coligação, não só por causa das medidas adoptadas em 2015 - e não vamos falar da influência do Tribunal Constitucional para que isso tivesse acontecido - mas também devido ao anúncio de mais medidas na mesma linha de recuperação, previstas para 2016, tirou proveito eleitoral dessa ideia de inversão de uma austeridade que todos sabemos vai continuar e deverá ser agravada, dada a degradação da realidade de um país que tem a 3ª dívida mais alta da União Europeia e continua sob várias ameaças.
Julgo que já depois das eleições, e conhecedora da nova realidade parlamentar, a coligação cometeu um erro político imperdoável: apesar de precisar do PS, de ter que negociar com os socialistas algumas cedências de ambas as partes, Passos aceitou ir a Belém, convocado por Cavaco - que meteu muita água neste processo todo - de onde saiu trazendo recados que veiculou através da comunicação social: tentar obter entendimentos que garantissem, ao governo PSD-CDS estabilidade parlamentar! Onde já se viu isto?! Pior do que isso foi o facto de que, apressadamente, e com muita hipocrisia provocatória à mistura, PSD e CDS terem assinado entre si um acordo de governação, sabendo de antemão que o governo da coligação aparentemente parecia destinado ao fracasso. Esta dispensável e despropositada auto-suficiência arrogante da coligação, mais do que constituir um erro político ou uma provocação ao PS, que ela precisava de chamar a negociações, mostrou também uma indesmentível sede de poder por parte de Passos e Portas que deste modo deram sinais de que não estavam dispostos a perder a governação. Não acreditaram na possibilidade, que esteve sempre em cima da mesa, de uma solução governativa negociada à esquerda e liderada pelo PS. Desvalorizaram e nunca contaram, porque nunca admitiram essa realidade, como plausível o desespero de Costa e do PS por ele liderado. Quando se trata da sobrevivência política pessoal, vale tudo para alguns protagonistas.
Outra péssima gestão pública deste processo tem a ver com a postura e o discurso da coligação aos olhos dos cidadãos. Penso que os portugueses concluíram que apesar das promessas de cedências da coligação, que na realidade são insignificantes e não adquiridas, o que a coligação PSD-CDS pretende é manter-se no poder obrigando o PS a ir por arrasto apoiando esse governo.
Só mais tarde, vieram com a proposta de oferecer a Costa um lugar no governo, sabendo claramente que essa proposta era idiota e desprezível. Será que esperavam comprar o PS não com um prato de lentilhas mas com um tacho no governo? Até Portas, imagine-se, que passou a campanha a atacar todos os dias Costa e as propostas do PS, se disponibilizou a deixar de ser o nº 2 de um governo da coligação que só eles acham que pode sobreviver nesta conjuntura político-parlamentar dominada pela esquerda
O fim da austeridade? Sim mas...
Basicamente o que esá em cima da mesa é uma viragem política no ciclo governativa, capaz de atenuar de forma significativa a austeridade. Salários, pensões e reformas, salário mínimo e estado social, parecem ser as áreas mais polémicas em cima da mesa. Subsistem, ao que julgo saber, divergências profundas que impedem um acordo pleno.
Os eleitores gostam do discurso a favor do fim da austeridade ou, numa primeira fase, na adopção de medidas que invertam esses caminhos violentos adoptados nos últimos 4 anos. Excepto para os bancos, porque esses, desde 2008 até hoje, já "limparam" mais de 20 mil milhões de euros!!!
Mas se o povo quer que a austeridade seja sustida, por outro temem os socialistas de regresso ao poder apenas 4 anos depois de ter sido afastados de lá por terem falido o país e obrigados a chamar a troika e a negociar o programa de ajustamento. Temem que o aventureirismo e a demagogia tome conta da governação e que Portugal volte a ser obrigado, a curto prazo, a mais sacrifícios que conduzam a mais austeridade. Um novo resgate, um novo ciclo de austeridade, temem os cidadãos, pode ser mais grave e ter um impacto mais dramático na vida das pessoas comparativamente com aquele que aconteceu entre 2011 e 2015. Estamos a falar, pelas medidas negociadas já conhecidas, num aumento de mais de 2 mil milhões de euros da despesa pública, sem se conhecerem quais as medidas compensatórias que o PS quer impor e que provavelmente podem estar a empatar as negociações. Estamos a falar sobretudo de um país que tem a terceira dívida mais elevada da União e que teve o 2º défice maio alto em 2014.
Estamos claramente num impasse, sem que a coligação tenha condições para governação sozinha, sem que tenha possibilidades de estabelecer acordos com o PS devido à radicalização da política portuguesa, claramente bipolarizada. Mas à esquerda, que só à 5ª vez falou entre si, as coisas não estão melhores, pois parece-me que existe apenas mais a intenção de impedir que PSD e CDS continuem a governação, do que em constituírem uma alternativa de poder, consolidada e sustentada. E percebe-se. No fundo, apesar da democracia não impedir estes puzzles parlamentares, estamos a falar de uma solução de governo constituída por partidos que perderam as eleições e que não conseguem libertar-se desse estigma (LFM)
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