sábado, agosto 26, 2023

Opinião alheia: Os interesses que sobrevoam a TAP

As movimentações e os interesses em torno da reprivatização da TAP revelam que não se aprendeu nada com o que aconteceu nos últimos anos na companhia aérea. Depois de tudo o que se passou na TAP, a nacionalização forçada, 3.2 mil milhões de euros de fundos dos contribuintes, uma comissão de inquérito que revelou as misérias públicas, só faltava mesmo aparecer agora no processo de reprivatização da empresa Eframovich a juntar-se a uma suposta frente nacional. A TAP está condenada a ser vendida a um grupo de aviação global, e isso é o melhor que nos poderá suceder, mas se queriam mesmo descredibilizar uma qualquer solução portuguesa, não poderiam ter escolhido um sócio mais apropriado, a somar a uma liderança do melhor amigo do primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado.

Só para recordar aos mais esquecidos: Gérman Efromovich já teve a oportunidade de comprar a TAP em 2013, operação que falhou porque, à última hora, não conseguiu apresentar garantias para o pagamento de dez milhões de euros. Falhpu, novamente, em 2015, e só o que deixou para trás na Avianca (vale a pena ler este texto do El País Brasil, de 2020) deveria ser suficiente para evitar o risco de repetir o que seria um erro catastrófico e um crime político. Efromovich, com o irmão, quais abutres, especializaram-se a tentar fazer compras de oportunidade, empresas sob pressão e em risco de falência. E a tentarem aproveitar a fragilidade, ou necessidade dos vendedores. Mais tarde, em 2020, foi mesmo detido por suspeitas de envolvimento no processo ‘Lava-Jato’. Qualquer consórcio que se apresente com este sócio não pode ser levado a sério.

Como se isto não fosse suficiente, Eframovich quererá, aparentemente, juntar-se a um alegado consórcio nacional liderado por Diogo Lacerda Machado, esse mesmo, o melhor amigo do primeiro-ministro. Lacerda Machado está impedido de trabalhar, de exercer a sua profissão? Não, mas há mais mundo do que os negócios com o Estado e com este Governo. Como deveria ser evidente — aparentemente não é — a venda da TAP não é um negócio qualquer, é o dossiê politicamente mais sensível, fez cair governantes e gestores e quase levou à demissão do próprio Governo. Além de tudo o que é público e notório, Lacerda Machado foi nomeado por Costa para administrador não executivo da TAP, portanto em representação do Estado, com o qual quer agora negociar…. num negócio que será decidido, em última análise, pelo próprio primeiro-ministro. Será necessário acrescentar mais alguma coisa?

Sobra o mais importante, a reprivatização da TAP e os 3.2 mil milhões de fundos públicos a voar. A aviação é um negócio de escala, como ficou claro com a pandemia e até o insuspeito Pedro Nuno Santos tinha percebido que o futuro da TAP tem de passar pela integração num consórcio internacional, que valorize o ‘hub’ de Lisboa, esse sim estratégico para a economia nacional. Portugal precisa de proteger a infraestrutura, e isso exige ter uma companhia aérea com operação neste ‘hub’, qualquer que venha a ser o dono do capital da TAP. Seria um ótimo sinal se o país tivesse empresários e capital privado com o fôlego para garantir o enorme investimento que se exige no negócio da aviação, um setor de capital intensivo, como aliás todos os contribuintes já perceberam. Não há. No momento atual, um consórcio nacional só poderia ser viável se fosse possível voltar a pagar a TAP com o chamado ‘pelo do cão’, mas como também se viu no caso de David Neeleman, não há milagres. A integração num grupo como a Lufthansa, a KLM/Air France ou até a IAG (com a BA e a Iberia) é a opção que melhor serve a economia portuguesa, apesar do risco de manutenção do Estado no capital.

Os 3.2 mil milhões de euros de fundos dos contribuintes não vão ser, obviamente, recuperados com esta venda, mesmo que fosse a 100% (Costa, de qualquer forma, vai sempre defender a tese de que o Estado ficará na empresa por causa do seu caráter estratégico, acredite quem quiser). Decorre agora a avaliação da TAP, necessária para a reprivatização, e logo se verá qual vai ser o encaixe financeiro do Estado. Se a TAP mantiver o nível de operação em Lisboa como tem hoje, sem mais custos para os contribuintes, nem efetivos nem garantias públicas, a reprivatização seria um sucesso (ECO digital, texto do jornalista António Costa)

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