quarta-feira, agosto 23, 2023

Mais de metade dos jovens até aos 34 anos vive com os pais

Depois de 8 anos a viver de forma independente, Sofia Silva, de 34 anos, jurista de formação, deixou de conseguir pagar a renda do apartamento e voltou para casa da mãe. O Expresso fotografou-a esta quarta-feira, no Barreiro. A pandemia foi o empurrão final que obrigou Sofia Silva, de 34 anos, a sair do apartamento T2 que arrendava na Baixa de Lisboa para regressar ao quarto de adolescente, na casa da mãe. Aconteceu logo nos primeiros meses de confinamento, em 2020. O momento coincidiu com um percalço de saúde, que lhe reduziu drasticamente os rendimentos de €1300 para €650. Um cenário piorado com as novas restrições do país que a impossibilitaram de continuar a subarrendar o quarto de hóspedes, o que lhe permitia até aí cumprir com os €900 de renda deste 6º andar num prédio antigo, sem elevador.

Há cerca de oito anos que esta jurista conquistara a independência. Desde aí, batalhava pela vida adulta, num equilibrismo de contas entre os vá­rios trabalhos precários que ia tendo, com salários quase sempre em redor dos €800 e valores de renda cada vez mais incomportáveis. Com esforço e alguns part-times que acumulava, ia-se aguentando. Compensava a aritmética das altas rendas com o dinheiro que os hóspedes lhe davam pelo outro quarto da sua casa. “Cheguei a arrendar duas camas nessa divisão para pagar as contas”, evoca Sofia.

Nos primeiros meses em que o mundo ficou fechado em casa e a economia abrandou, a jovem consegue renego­ciar a renda com o senhorio para €750, mas depressa o valor voltou ao inicial e tornou-se inevitável o regresso de Sofia para casa da mãe, na Margem Sul. A mudança trouxe-lhe uma grande fatura. “Foi desolador e uma sensação enorme de falhanço voltar a casa da minha mãe depois dos 30. Senti-me a regredir e isso afetou bastante a minha saúde mental. Entrei numa profunda depressão e precisei de acompanhamento psiquiátrico intensivo durante dois anos”, revela. Durante esse processo, e para agravar a situação, é dispensada da sociedade de advogados onde trabalhava como estagiária e, desempregada, passa a ficar ainda mais dependente financeiramente da família.

O QUE A CULTURA NÃO EXPLICA

A história de Sofia conta a vida de mais de metade dos jovens dos 25 aos 34 anos que ainda vivem atualmente na casa dos pais em Portugal. Eram 54,4% no ano passado. Uma realidade muito acima da média da União Europeia, que em 2022 se situava nos 30%. Portugal só apresenta melhores resultados do que a Eslováquia (58,9%), a Grécia (59,4%) e a Croácia (67,3%). Se olharmos na linha do tempo, desde 2005 que a situação se acentuou em 15 pontos percentuais.

Dos 27 países da UE, a Finlândia (3,6%) e a Suécia (3,8%) são aqueles em que as pessoas no início da vida adulta menos ficam em casa dos pais (ver mapa). E se isolarmos a faixa dos jovens mais velhos, a dos 30-34 anos, percebemos que quase metade destes (41%) permanecia na morada dos progenitores no ano passado. Esta tendência tem sido crescente ao longo das últimas duas décadas, contribuindo para atirar a idade média de saída de casa dos pais para os 29,7 anos. E se não é inesperada no grupo dos 20-24 anos, em que a quase totalidade (95%) vivia com os pais em 2022, torna-se surpreen­dente entre os mais velhos, uma vez que já estarão formados e a trabalhar.

A pandemia terá ajudado a engrossar o número de jovens a morar com os progenitores. “Muitos dos que estavam fora podem ter vindo durante a pandemia e instalaram-se em casa dos pais, em vez de estarem confinados no estrangeiro. E os que terminaram as licenciaturas optaram por ficar durante a pandemia, em vez de irem viver para o estrangeiro”, analisa Luísa Loura. E há ainda o fator teletrabalho, já que mesmo aqueles que trabalhavam em empresas estrangeiras passaram temporariamente para a morada dos pais. Mas se o aumento expressivo durante os anos de confinamento pode ter sido circunstancial, a pandemia não explica o valor de 2022, que é 24 pontos percentuais acima da média europeia e sete pontos percentuais acima do valor pré-pandemia em Portugal. “Ou seja, se colocarmos a equação da pandemia de parte, a tendência de mais jovens a viver em casa dos pais em Portugal mantém-se, não acompanhando a tendência de abrandamento na UE”, traduz a diretora da Pordata.

“Foi uma sensação de falhanço voltar a casa da mãe depois dos 30. Sou a mais qualificada da família e a que está pior”, conta Sofia Silva

O que nos trouxe até aqui? A somar a isto, Portugal é o segundo país europeu a pagar pior aos jovens, apenas ultrapassado pela Grécia. Também, segundo o Eurostat, os jovens em Portugal até aos 30 anos recebem, em média, €1050 brutos: pouco mais do que a Grécia (€875), mas abaixo da Bulgária (€1138) e Eslováquia (€1261) — e longe da média europeia, €1634. Simultanea­mente, o nosso país é o 7º da UE com maior taxa de desemprego jovem. Um em cada cinco está fora do mercado de trabalho.

A diretora da Pordata mostra-se alarmada com a tendência. “São dados preocupantes. Mesmo se considerarmos um certo padrão cultural de ­maior permanência em casa dos pais nesta orla mediterrânica — entre Portugal, Espanha, Itália, Croácia ou Grécia —, só a razão cultural não explica tudo, muito menos a partir dos 30 anos, quando se espera que estejam independentes e a trabalhar.” A explicação que a investigadora aponta correlaciona-se com o facto de os salários serem “muitíssimo baixos no nosso país”, em comparação com a maioria dos países da UE, e o preço das casas ser dos mais altos da Europa. “Isto adia-lhes a vida adulta. Acabam por atrasar mais a maternidade e a paternidade. E tudo isto tem consequências sociais preocupantes”, alerta. Ao analisar o mapa da UE, que coloca os jovens portugueses até aos 34 anos entre os que mais atrasam a independência, fica claro que nos paí­ses nórdicos “tem havido um esforço dos Governos para que os mais novos se emancipem mal entrem no ensino superior, através de subsídios e acesso facilitado à habitação”.

Lia Pappamikail, socióloga e membro do Observatório da Juventude, desmonta a narrativa de que tudo isto é cultural. A discrepância de alguns países face a outros deve-se sobretudo a apostas sociais. “Os nórdicos, enquanto Estados sociais fortíssimos, oferecem apoios ao emprego jovem, à habitação jovem e a custos controlados.” E ainda acrescenta: “Aquilo que ouvimos sobre os jovens dos países do Sul da Europa, como aquele argumento de que são mais agarrados às famí­lias e gostam de ficar em casa dos pais, não poderia ser mais injusto. O que está aqui em causa é a impossibilidade de muitos conseguirem, de facto, autonomizar-se: terem um emprego estável que lhes possibilite um contrato de arrendamento, o pagamento de uma renda sem o apoio das famílias”, garante a investigadora e professora universitária. E nesse apoio recebido “há muitas desigualdades”, afirma, “isso também é preciso dizer”. Na “diversidade de situações” entre os jovens escondem-se sempre os “patrimónios familiares”, sejam eles financeiros, culturais ou outros. Por isso Lia diz que, “quando se fala de cultura, é só a ponta do icebergue. Temos de perceber as razões estruturais, já que todos os estudos indicam que as pessoas, tendo opção, gostariam de construir a sua autonomia. Assim ficam rendidas a uma inevitabilidade”.

GERAÇÃO ILUDIDA

Apesar do tombo, Sofia não desistiu. Com a ajuda da família, inscreveu-se num mestrado especializado no apoio social a crianças e jovens em perigo. Mas o melhor que conseguiu até agora foi um contrato de substituição por seis meses como técnica supe­rior de trabalho social. De momento está desempregada e sem qualquer apoio. Quando olha à sua volta, identifica várias pes­soas na mesma encruzilhada. “São muitos os jovens qualificados em situações precárias, a viver debaixo do teto dos pais ou que partilham apartamento com demasiadas pessoas. E há até quem mantenha relações apenas por razões económicas. Atualmente uma pessoa sozinha não consegue autonomizar-se.”

Esta jovem licenciada em Direito diz estar a provar o sabor do falhanço. Por isso mesmo não dá a cara nesta reportagem, e prefere ser nomeada pelo segundo nome. “Sempre que tenho de dizer que moro com a minha mãe ou que estou desempregada, sinto-me bastante envergonhada”, reconhece. E insurge-se com o facto de a sua geração ter sido “iludida”. “A formação académica já não é um passaporte para uma vida independente e confortável, ao contrário do que nos prometeram — que se estudássemos íamos ter uma boa vida. Mentira. Já não é suficiente. Academicamente sou a mais qualificada da minha família e a que está numa situação pior.”

E não espera conseguir sair desta situa­ção tão cedo e afirma desistir do sonho de formar família. “Até na Margem Sul de Lisboa as rendas estão caríssimas. Mesmo um T1 nestas zonas periféricas vale €600. Ora, com os ordenados baixos que os jovens recebem não dá para pagar uma casa nem nas periferias distantes.” Por ter a convicção de que a política de habitação é “profundamente insuficiente”, crê ser necessária “mais habitação pública” acessível nas cidades. “Sou a prova de que atualmente não dá para ambicionar o mínimo: uma casa, uma família. Por isso há muitos que emigram.” Apesar da desesperança e de aos 34 anos estar sem emprego, sem casa própria e sem horizonte, não planeia emigrar.

Mas há quem escolha sair do país. Luísa Loura alerta que serão muitos os jovens com boas habilitações académicas a partir. “Esta pressão está a fazer com que muitos destes qualificados emigrem, em busca de melhores condições de vida, para países com melhores salários e que lhes garantam maior poder de compra. Estes que vão trabalhar para fora com melhores ordenados passam logo a ser independentes, constituem família e têm filhos com maior prevalência. São jovens a realizar os seus sonhos fora do país. É o que tenho visto. E, enquanto a economia do país não melhorar, eles não regressam. Talvez nunca regressem…” (Expresso, texto dos jornalistas BERNARDO MENDONÇA E JOANA ASCENSÃO)

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