domingo, julho 10, 2022

Caos nas viagens aéreas veio para ficar. Saiba porquê e fique com alguns conselhos


“Agora é o verão do nosso descontentamento” não são as palavras exatas de Shakespeare em “Ricardo III”, mas para quem vai viajar de avião nos EUA e na Europa é exatamente nisso que este verão se está a transformar. Os voos estão a desaparecer dos horários - alguns à última da hora, porque as companhias aéreas não oferecem os serviços nos quais os passageiros gastaram quantias significativas de dinheiro, muitas vezes na esperança de aproveitar a primeira fuga em anos. Mais de 1500 voos foram cancelados, apenas nos EUA, no último sábado e domingo, e os EUA estão a entrar no movimentado fim de semana do 4 de julho. A Delta Air Lines reduziu cerca de 100 voos por dia da agenda de julho para “reduzir as perturbações” e emitiu uma declaração oficial para os passageiros do 4 de julho, com volumes de passageiros “não vistos desde antes da pandemia”. A Air Canada disse que cancelará até 10% dos voos em julho e agosto, cerca de 150 por dia. A maioria das principais companhias aéreas dos EUA está a passar por aumentos acentuados nos cancelamentos

Gráfico: Alteração na taxa de cancelamento em 2022 em comparação com a média de 2017-2019 No gráfico é possível perceber que todas, exceto duas, das 13 principais companhias aéreas dos EUA, têm taxas de cancelamento mais altas este ano em comparação com as médias pré-pandemia no mesmo período, entre 2017 e 2019.  O gráfico inclui voos com partida ou chegada aos EUA em companhias aéreas norte-americanas que tiveram mais de mil milhões de dólares em lucros no ano fiscal de 2020. Dados de 26 de junho de 2022.

Nos aeroportos, as imagens de passageiros a fazerem fila nas portas dos terminais ou acampados nas zonas de embarque são cada vez mais frequentes, à medida que os atrasos com a segurança, os check-ins e a imigração aumentam o caos. Foi pedido aos passageiros que chegassem ainda mais cedo para os seus voos e depois, para aumentar a confusão, foi-lhes pedido novamente para não chegarem muito cedo. “Por favor, tenham em consideração que só são recebidos na zona das partidas quatro horas antes do voo”, aconselhou o Aeroporto Schipol, em Amesterdão, esta semana. E depois há o problema da bagagem. No aeroporto de Heathrow, em Londres, fotografias que mostram enormes pilhas de malas separadas dos seus donos tornaram-se emblemáticas das experiências de muitos passageiros que enfrentam a frustração de tentar reivindicar pertences perdidos ou esperar dias para reencontrá-los.

Sem soluções rápidas

Os aeroportos e as companhias aéreas têm tido dificuldades em substituir os trabalhadores formados dispensados durante a pandemia (CNN) Em suma, as viagens aéreas são um pesadelo - até mesmo uma incerteza – nos dias que correm. E a época alta está apenas a começar. Aparentemente, não há soluções rápidas. Esta semana, a companhia aérea alemã Lufthansa alertou os passageiros através de um e-mail que a situação “provavelmente não melhorará a curto prazo”, insistindo que a estabilidade só será alcançada no inverno

“Continuam a estar indisponíveis demasiados funcionários e recursos, não apenas entre os nossos parceiros de infraestrutura, mas também dentro de alguns dos nossos setores”, podia ler-se. “Quase todas as empresas do nosso setor estão atualmente a recrutar novos funcionários, com vários milhares planeados apenas para a Europa.” Mesmo quando o problema está principalmente relacionado ao aeroporto, isso também pode significar atrasos e cancelamentos de voos. A companhia aérea dos Países Baixos, a KLM, foi recentemente obrigada a cancelar todos os voos europeus de entrada em Amesterdão, aparentemente por causa da lotação do aeroporto. Então, o que está a acontecer? Grande parte da aviação comercial é quase ciência aeroespacial, mas os problemas que as companhias aéreas e os aeroportos estão a enfrentar atualmente não são esses. Em vez disso, trata-se de um problema de negócios muito mais comum: contratação de pessoal. E a indústria da aviação devia ter previsto isto.

“Sem surpresa”

Multidões e filas nos terminais dos aeroportos estão a tornar-se características das viagens aéreas no verão de 2022 (CNN)

“Entre as suas próprias pesquisas, as pesquisas que a minha empresa e outras efetuaram e os seus sistemas de reservas, os diretores das companhias aéreas deviam ter visto - e, portanto, deviam saber - que haveria uma forte procura para voltar a viajar”, diz Henry Harteveldt, diretor na empresa de pesquisa de mercado e consultoria Atmosphere Research. “Ou não analisaram os seus próprios dados ou interpretaram-nos mal, mas nada disto devia ser uma surpresa para as companhias aéreas.”

Em quase todos os casos, o problema é que muitas pessoas experientes foram dispensadas durante a pandemia – despedidas ou através de saídas voluntárias - e as companhias aéreas, os aeroportos e os outros setores importantes do sistema de aviação não contrataram nem qualificaram pessoas suficientes para substituí-las.

Este ponto da qualificação é importante. Como as companhias aéreas e os aeroportos sabem muito bem, há todo um processo envolvido para dar a alguém o tipo de passe de segurança que lhe permita trabalhar num avião ou num aeroporto.

No Reino Unido, há também a questão de não poderem recorrer ao grupo de trabalhadores da União Europeia, após o Brexit. Muitas vezes há também formações bastante complicadas para fazer o trabalho, até porque a aparência de muitos sistemas informáticos de viagens aéreas parecem mais saídos da década de 1980 do que do mundo moderno do iPhone ou do Android. Addison Schonland, sócio da empresa de análise e relatórios de aviação AirInsight, resume os setores provavelmente afetados como “qualquer parte do sistema de viagens aéreas que tenha funcionários.”

“Dispensar alguém é fácil, mas trazer a pessoa de volta, com a devida autorização de segurança, é difícil”, diz Schonland. “Além disso, as companhias aéreas dos EUA, em especial, têm a reputação de serem empregadores pouco fiáveis - os ciclos de crescimento e queda significam carreiras instáveis - além do trabalho requerer pessoas qualificadas e ser cansativo. O mais provável é que essas pessoas tenham opções mais atraentes, agora.” Alguns dos problemas estão relacionados ao excesso de subcontratações.

Receita para o caos

Montanhas de malas separadas dos seus donos no aeroporto de Heathrow, em Londres, tornaram-se emblemáticas dos problemas atuais das viagens aéreas (CNN)

Em muitos aeroportos, especialmente na Europa, as tarefas importantes como o check-in, a segurança, o controlo de bagagens, as portas de embarque e as operações aeroportuárias são realizadas por funcionários que trabalham para empresas subcontratadas pelas companhias aéreas e pelos aeroportos. É fácil distingui-los pois usam fardas diferentes das dos funcionários da companhia aérea.

Essas pessoas fazem um trabalho que é realmente muito difícil em alguns casos - como levantar as malas sob a neve e sob o sol, trabalhar antes do dia nascer e pela noite dentro, e lidar com passageiros cada vez mais frustrados. Parte do problema também passa pelas relações de trabalho.

Gráfico: Os cancelamentos continuam a aumentar em comparação com os níveis pré-pandemia Embora os cancelamentos de voos nos EUA tenham caído dos 5,4% dos voos programados em janeiro para 1,6% em maio, os cancelamentos continuam a superar a média pré-pandemia. Os números começaram a subir em junho, com 3% dos voos programados a serem cancelados a 26 de junho. O gráfico inclui voos com partida ou chegada nos EUA. Dados de 26 de junho de 2022.

Por exemplo, durante a pandemia, a British Airways pediu a alguns funcionários do Reino Unido que aceitassem um corte de 10% nos salários. Desde então, o salário de alguns trabalhadores aumentou, mas não o salário dos funcionários do check-in em Heathrow, que estão agora dispostos a entrar em greve para obtê-lo. A British Airways disse estar desiludida com o gesto e espera encontrar uma forma de evitar uma ação do setor. Não importa de que lado do Atlântico estejamos, é uma receita para o caos. Nos EUA, a Administração Federal de Aviação enfrenta problemas devido à falta de controladores de tráfego aéreo, diz Harteveldt, da Atmosphere Research.

“As restrições de saúde relacionadas à covid-19 limitaram a capacidade da FAA de contratar e formar novos controladores de tráfego aéreo em 2020 e 2021”, diz ele. “Além disso, os controladores de tráfego aéreo são obrigados a reformarem-se aos 56 anos, e o calendário não parou durante estes dois anos.” "A FAA está a contratar ativamente pessoas para se tornarem controladores de tráfego aéreo, mas o processo de formação demora tempo. Enquanto isso, as companhias aéreas agendam mais voos para alguns destinos, especialmente a Florida, do que aqueles com que a FAA consegue lidar.

“Portanto, mesmo quando o tempo está bom, a FAA às vezes precisa de dar a alguns voos rotas mais longas e menos diretas que podem levar a atrasos, a fim de distribuir o fardo pelos centros de controlo de tráfego aéreo.”

Então, o que devem os passageiros fazer?

O melhor conselho que posso dar, enquanto jornalista de aviação que nunca viu tanto caos, é que faça reservas defensivas.

- Considere alternativas ao avião, se a viagem for possível em menos de oito horas de comboio, barco, autocarro ou automóvel. Se não viajar com pessoas que precisem de voltar à escola no outono, pense em viajar em setembro ou outubro, em vez de julho ou agosto.

- Se tiver de voar, escolha voos diretos em vez de voos com escalas, se estiverem disponíveis e forem acessíveis. As escalas adicionam complexidade e aumentam a vulnerabilidade a cancelamentos ou atrasos, principalmente se forem escalas em locais que podem enfrentar problemas climáticos severos no verão.

- Na Europa, escolha aeroportos menores com fama de serem eficientes e que não tenham sofrido problemas recentes. Munique, Zurique e Viena são as apostas mais seguras.

- Prefira voos de manhã cedo do que mais à tarde. Isso significará mais opções para viajar no mesmo dia, caso o voo seja cancelado ou tenha um atraso significativo. As escalas apertadas devem ser evitadas, se possível.

- Opte por companhias aéreas que ofereçam muitos voos por dia para o mesmo destino, em vez de apenas um ou dois.

- Pesquise as várias opções de uma determinada rota. Se aparecer no dia e houver tempestades em Dallas ou Houston, poderá pedir ao agente da companhia aérea para encaminhá-lo por Chicago, Filadélfia ou Dulles?

- Algumas companhias aéreas oferecem check-in e segurança rápidos, acesso ao lounge e embarque prioritário como um extra, e esse é, agora, um negócio melhor do que nunca. Ou nos EUA, considere o TSA PreCheck. Reveja a sua reserva de vez em quando para ver se há opções de upgrade com desconto. É uma ótima altura para esbanjar em conforto extra e benefícios de prioridade.

- Entre no esquema de passageiro frequente da sua companhia aérea. Não só ganhará algumas milhas, mas a maioria dos sistemas de remarcação dará prioridade aos passageiros frequentes, de alguma forma - mesmo aqueles cujos saldos de milhas são baixos. Use também a aplicação da companhia aérea, algo que facilitará qualquer remarcação.

- Caso as opções de remarcação na aplicação não funcionem, os telefonemas ou as redes sociais podem funcionar. As companhias aéreas geralmente respondem a mensagens diretas via Twitter. A plataforma também é boa para obter atualizações das companhias aéreas, dos aeroportos e até mesmo do clima.

- Viaje leve e opte por bagagem de mão apenas, se conseguir. Se precisar de despachar malas, guarde roupa para alguns dias e os artigos essenciais na sua bagagem de mão. Leve alguma comida, carregadores e ponha nos seus dispositivos filmes e séries. E leve também a coisa mais importante neste verão - e sempre que for viajar: paciência (CNN, texto do jornalista John Walton)

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