sábado, novembro 07, 2020

Governo quer Portugal a fabricar vacinas

 


Portugal está a posicionar-se junto das multinacionais envolvidas na ‘corrida’ à vacina para combater o SARS-CoV-2, enquanto parceiro indispensável no fabrico das novas terapias, revela ao Expresso o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias. “Desde março que, em articulação interministerial — Negócios Estrangeiros, Saúde e Economia e Transição Digital —, fazemos a divulgação das competências nacionais no sector da saúde para atrair mais investimento direto estrangeiro (IDE) e estimular as exportações”, indica o governante.

Nesta altura, já há laboratórios mundiais na fase de testes em seres humanos e, “em breve, surgirá o início da produção [de vacinas] em massa”. Porém, “a procura global ultrapassará em larga medida a capacidade de produção instalada, sendo provável o recurso à subcontratação, junto de outras empresas, de parte do processo de fabrico ou da sua totalidade”. Assim, a Autoridade do Medicamento e de Produtos de Saúde e também a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, encontram-se empenhadas na identificação dos recursos internos existentes para definir a oferta de valor do nosso sector farmacêutico para “o esforço mundial que se avizinha”. Ao mesmo tempo, a rede diplomática nacional faz um levantamento das companhias estrangeiras e dos respetivos planos e calendários de produção “para uma abordagem comercial”.

Ter um papel ativo neste desafio comporta várias vantagens, frisa Brilhante Dias: acesso facilitado a lotes de vacinas para as necessidades nacionais, enquanto catalisador de novos investimentos em capacidade produtiva, bem como a inserção da indústria portuguesa nas cadeias de valor internacionais de um sector de ponta. Ou seja, o objetivo é ter Portugal envolvido na resposta à covid-19 criando, ao mesmo tempo, as condições para que esta aposta tenha continuidade. “A produção de vacinas em massa vai passar a ser mais crítica, até porque a inoculação contra este coronavírus deverá ter prazo de validade, à semelhança da vacina da gripe”, sustenta o secretário de Estado. O mercado global das vacinas para a covid-19 poderá valer mais de 10 mil milhões de dólares (cerca de €8,5 mil milhões ao câmbio atual), segundo estimativas da Morgan Stanley e do Credit Suisse citadas pelo “Financial Times” — partindo do pressuposto de que a vacinação terá de ser anual, com um custo de 20 dólares (€17) por dose.

Para a Comissão Europeia é prioritário reindustrializar o Velho Continente com produção farmacêutica, bem como a criação de uma reserva estratégica de produtos de saúde, já que com a pandemia ficaram expostas fragilidades no abastecimento de substâncias essenciais para tratar os doentes. Assim, parte da ‘bazuca’ de fundos europeus de apoio à retoma económica serão alocados a este propósito, o que terá reflexo, no plano interno, ao nível da operacionalização do Programa de Recuperação e Resiliência, bem como do quadro comunitário de apoios, sinaliza Brilhante Dias.

Entretanto, o esforço diplomático está a gerar contactos. Sem revelar os nomes dos envolvidos, o governante diz que “há empresas internacionais a olhar para Portugal, uma vez que temos investigação nesta área feita por profissionais muito bem qualificados, e conhecimento em termos de fabrico de componentes para medicamentos ou vacinas” — são vários os exemplos, entre os quais os dois ‘cartões de visita’ identificados nesta página.

CRESCER EM CONTRACICLO

Em 2015, a balança comercial portuguesa do sector da saúde estava nos €1215,41 milhões e, em 2019, ascendeu a €1574, 55 milhões, dos quais 68,5% são separações farmacêuticas. Isto significa que, neste período, a média das taxas de crescimento anuais das exportações de saúde foi quase o dobro da média nacional: 7,2% versus 4,9%, respetivamente. Aliás, entre janeiro e agosto de 2020, estas vendas somaram €1108,55 milhões, mais 10% em termos homólogos, contra a contração de 14,1% nas exportações totais. De acordo com Joaquim Cunha, diretor executivo do Health Cluster Portugal (HCP), as exportações de saúde deverão fechar o ano com um crescimento entre os 6% e os 10%. O responsável faz notar que, nesta atividade, a internacionalização é um processo moroso, nomeadamente, “porque é muito difícil entrar em certos mercados”. Assinala como muito positivo, “finalmente, nos últimos dois a três anos, a saúde constar do catálogo de produtos portugueses exportáveis”. O HCP tem acompanhado a iniciativa do Executivo, para a qual colaborou, e está, agora, a fazer um mapeamento mais amplo das principais áreas da saúde “onde há uma crescente procura para articular essa realidade com as potencialidades existentes no país”. Joaquim Cunha vê com bons olhos a participação de Portugal no fabrico de uma vacina, porém indica que “é pouco” e, tal como o Governo, considera que não devemos ficar por aí, já que os “verdadeiros saltos em frente” são proporcionados pelo IDE. “Com a prata da casa até podemos fazer crescer as exportações em 15%, mas não passamos para os três ou quatro mil milhões de euros”, aponta, acrescentando que precisamos não só do capital, mas também da vinda de quem tem o mercado. O facto de os radares estarem sintonizados com Portugal é, acredita, uma forte ajuda para que isso aconteça.

Igualmente, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) realça que a capacidade interna de dar resposta aos novos desafios da saúde pode ser “mais expressiva caso se favoreça a captação de IDE, fazendo de Portugal um país amigo do investimento”. Uma das áreas onde devemos ser mais competitivos é, por exemplo, na atração de ensaios clínicos, “com ganhos para o doente, Estado e profissionais de saúde”.

“As nossas empresas demonstraram estar preparadas logo na fase inicial da pandemia, não só dando resposta às necessidades dos cidadãos, mas também ao reorientar as unidades fabris para novos produtos de saúde”. Há que dar um empurrão ao sector, aponta a Apifarma, não deixando passar “uma oportunidade para Portugal crescer, com impactos consistentes e significativos no emprego, exportações e investimento externo”.

CARTÕES DE VISITA

Bial

É impossível ficar indiferente ao trabalho de investigação do laboratório nortenho. Desenvolveu os dois únicos medicamentos de patente portuguesa e, este ano, não só obteve a aprovação para comercialização do Ongentys (doença de Parkinson) nos EUA e no Japão, como abriu uma filial em Boston

Hovione

A empresa química, especializada em produtos farmacêuticos e com várias fábricas (vai construir mais uma em Portugal, no Seixal), tem participado na descoberta de tratamentos inovadores para a covid-19. O envolvimento, via parcerias internacionais, pressupõe, por exemplo, a produção de um componente-chave para um novo medicamento

TRÊS PERGUNTAS A

Eurico Brilhante Dias, Secretário de Estado da Internacionalização

O Governo está a promover a internacionalização do sector da saúde nacional, tendo como pano de fundo a pandemia de covid-19. Qual é o foco desta iniciativa?

A ideia é que Portugal faça parte do enorme esforço global que será fabricar em massa vacinas para todo o mundo, acautelando, assim, não só o mercado interno, mas também o fornecimento de outros países, em particular europeus. Aliás, não só não devemos perder esta oportunidade de estar na linha da frente da produção de uma terapia preventiva da covid-19, como queremos atrair investimento estrangeiro e, igualmente, capacitar as empresas nacionais para no futuro continuarem a gerar valor para a economia através deste sector que é crucial não só para o desempenho das nossas exportações, como para acautelar o acesso dos portugueses à inovação.

Bruxelas quer dar prioridade à reindustrialização farmacêutica da Europa já que a pandemia expôs fragilidades no abastecimento de medicamentos. Como vê este problema?

É uma situação que se observou também nos equipamentos de saúde. Em março, abril e maio quando se colocaram sérios entraves ao nível do fornecimento deste tipo de produtos, o Ministério dos Negócios Estrangeiros fez uma série de diligências para Portugal conseguir comprar ventiladores e equipamentos de proteção individual. Felizmente nunca atingimos uma situação limite. O mesmo aconteceu noutros países europeus e também ao nível do acesso a substâncias ativas, onde houve constrangimentos. Não podemos ter problemas em conseguir abastecer o nosso mercado com medicamentos como a hidroxicloroquina ou o Remdesivir, independentemente das considerações e questões entretanto levantadas em relação a estes fármacos [no âmbito da sua utilização em doentes com covid-19].

A atual crise sanitária pôs em evidência a importância do sector da saúde.

A pandemia veio acelerar um maior diálogo e articulação intrassectorial na resposta às exigências internas e externas. Esta sinergia perdurará no tempo e no espaço, não se esgotando no atual contexto pandémico. Portugal quer atrair investimento estrangeiro e capacitar as empresas nacionais da área da saúde (Expresso, texto da jornalista ANA SOFIA SANTOS)

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