quarta-feira, novembro 04, 2020

Açores: o peso do aproveitamento mediático e os estranhos puzzles pós-eleitorais

Um jornalista açoriano, da velha guarda, lembrou, a propósito das eleições nos Açores, a importância da televisão (leia-se RTP-A), quer pelos debates promovidos, quer pelos partidos que deixou fora desses debates, quer pela cobertura assegurada durante a campanha eleitoral, no desfecho eleitoral e nas surpresas registadas. Primeiro porque permitiu que partidos desconhecidos tivessem "desembarcado" nos Açores - sobretudo os casos do Chega e da Iniciativa Liberal (o ocaso do PCP resultou essencialmente da excessiva colagem dos comunistas face aos socialistas, tornando mais convidativo o voto no "original" em detrimento de qualquer "cópia" de segunda categoria, beneficiando desde logo, e em minha opinião, o Bloco de Esquerda e o PAN) - chegassem ao parlamento regional de forma algo surpreendente, mas claramente à custa da recuperação de abstencionistas e do "roubo" de votos, quer ao CDS quer ao PS.

Lembro que o Chega elegeu 2 deputados (1 através do círculo de Compensação), graças a 5.260 votos e 5,1%, que o PAN totalizou 2.004 votos, 1,9% e um mandato (Compensação) e que a Iniciativa Liberal chegou aos 2.012 votos, obteve um mandato (Compensação) e atingiu os 1,9%. Estamos a falar de partidos que jogaram sobretudo com o aproveitamento inteligente e selectivo do espaço mediático propiciado pela televisão - acresce que a pandemia trouxe novas restrições e condicionalismos mais rigorosos, e nunca antes impostos, a que se junta uma evidente falta de recursos financeiros e humanos (logística) destes partidos quando comparados com os tradicionais.

O que se passou nos Açores, em grande medida porque Vasco Cordeiro lhes dava "guita" e palco, fez-me lembrar, na lógica daquele profissional e comentador açoriano, o      que Alberto João Jardim fez na Madeira depois de 2007, quando "alimentou" tanto o PTP como o PND, envolvendo-os na discussão política regional de forma mais notória (particularmente no parlamento e nos média) para que, com isso, retirasse sobretudo votos e representação parlamentar ao PS-M (se analisarmos os resultados eleitorais de 2007 e 2011, ambos com AJJ, acabamos por constatar que esse desiderato foi materializado, também com a "ajuda" e por culpa própria dos socialistas locais e das apostas eleitorais falhadas). Aliás, quando AJJ deixou a ribalta política, não deixa de ser curioso - só para os mais desatentos - que PTP e PND tivessem iniciado um ocaso eleitoral, ambos ainda no último mandato do ex-líder madeirense.

E nem a abstenção este ano serviu de pretexto para "justificar" o injustificável por parte dos partidos açorianos. Recordo ainda que a abstenção nos Açores - 124.993 eleitores _ se situou nos 54,6% este ano, contra 134.971 eleitores e 59,2% quatro anos antes, em 2016.

De facto, o peso dos meios de comunicação social e particularmente da TV na carreira de alguns políticos é imenso.

Marcelo Rebelo de Sousa, que falhou como líder do PSD, arrastou-se durante anos como comentador de várias televisões para acabar em 2016 por candidatar-se ao lugar que sempre ambicionou, a Presidência da República. Contou para o efeito de uma imagem pública construída enquanto comentador "dono" de espaço de opinião sem contraditório onde a verdade do agora Presidente imperava como "lei"!

O mesmo aconteceu com  Trump que durante anos ambicionou o envolvimento na corrida presidencial e sonhava a com a Casa Branca - mas julgo que ele próprio nunca acreditou nessa possibilidade... - mas uma crise de liderança associada a uma desconfiança dos americanos nos políticos e no sistema político, bem como uma crise económica e social acentuada, acabaram por facilitar a ascensão metódica e mediática de Trump que acabou por ser eleito Presidente dos EUA em 2015, sem ter sido o  candidato mais votado, mas porque soube jogar com  o peso dos estados com maior representação no colégio eleitoral.

Hoje, uma pandemia que deu cabo de todos os sucessos económicos, ligada a uma instabilidade social no país, ao crescimento do desemprego e das falências e ao facto de Trump nunca ter sido um pagador de impostos, apesar dos milhões ganhos (?). E quando tudo isso de conjuga, não há televisões nem meios de comunicação social que salvem seja quem for.

E podíamos lembrar ainda Costa - que foi durante anos autarca e comentador televisivo num espaço de partilha de opinião política com outros dois comentadores, - que foi construindo paulatinamente a sua imagem pessoal, conjugando a passagem por várias pastas ministeriais (a proximidade pessoal e política com Sócrates e a forma como afastou Seguro da liderança do PS depois das europeias de 2014) com esse papel de comentador, para culminar com a sua ascensão à chefia do governo graças a um acordo, nunca antes acontecido na política nacional. De facto Costa foi "mestre", ao convencer PCP e Bloco, a se envolverem, no quadro parlamentar, num acordo de governação que deixou para trás PSD e CDS que em coligação foram os mais votados, ganhando as eleições legislativas de 2015, sem terem alcançado os mandatos suficientes para governarem.

O que hoje temos nos Açores, pelo menos na altura em que escrevo este texto, é uma estranha tentativa de construção de uma geringonça de direita – PSD, CDS, PPM, IL, PAN e Chega – liderada pelos social-democratas (que perderam as eleições regionais) para fazerem nos Açores ao PS, o mesmo que o POS de Costa em 2015 fez em Lisboa, na Assembleia da República, ao PSD e CDS coligados. O problema é que essa coligação não depende de 3 partidos e é mais do que evidente que uma das forças necessárias a essa maioria absoluta parlamentar, capaz de afastar o  PS-Açores do poder, não garante qualquer estabilidade nem sequer o cumprimento rigoroso do que for acordado, Falo do Chega e sobretudo do Ventura, uma descoberta de Passos Coelho (que o PASD nunca levou muito a sério) e que se foi radicalizando desde 2013 até hoje. E por causa disso lamento o que ali se passa, porque a confirmação de uma caranguejola, como alguém um dia se referiu a este tipo de acordo de direita, será sempre sinal de instabilidade e de incerteza quanto ao futuro dos Açores num tempo de pandemia e de dificuldades que não se compadece com brincadeiras de gente idiota, de líderes sem  categoria e sem classe, de ausência de regras democráticas, independentemente de tudo o  que outros tenham feito e do precedente aberto.

O PSD pode chegar ao poder nos Açores sem ter ganho eleições, depois de décadas de frustrante travessia do deserto, por culpa própria, graças a sucessivas escolhas falhadas, a um discurso que não marcou nenhuma diferente. O actual líder social-democrata, e vice de Rio, travou em 2020 esse definhar do PSD-Açores, mas apesar de ter mudado o discurso e de ter alguma credibilidade – curiosamente outro autarca saído de Ponta Delgada… - não foi ainda suficiente para a legitimação democrática do voto maioritário na urna. E por causa disso, acho lamentável que o assalto ao poder se prepare, mesmo sem saber se o PS-Açores, como deve acontecer, seja convidado a formar governo e que se apresente perante o parlamento  regional, sem que ninguém saiba ao certo o que partidos pequenos fundamentais neste novo xadrez parlamentares açorianos – casos do PAN e da Iniciativa Liberal, farão nesse quadro.

A demonstração final da incompetência, da fome de poder, da forma pateticamente artesanal como o PSD-Açores lidera este processo, foi o anedótico anuncio de um acordo de governo feito por PSD, CDS e PPM, deixando de fora os pequenos partidos potenciais aliados destas palhaçada – Chega, PAN e IL - sem os quais a diferença entre o PS com 25 deputados e os 26 do PSD-CDS-PPM é nenhuma. Recordo que num parlamento com 57 mandatos a maioria absoluta exige 29 mandatos no mínimo

Cenários possíveis para os Açores

a) Governo liderado pelo PS (25) apoiado no parlamento pelo Bloco (2 deputados) e com a abstenção do PAN (1) e do Iniciativa Liberal (1) com um potencial de 27 votos a favor, 2 abstenções. Contra estariam os 26 votos contra do PSD(21)-CDS(3)-PPM(2) deixando os 2 mandatos do Chega a decidir: se fossem contra, isso obrigaria o PAN e a Iniciativa Liberal a votarem a favor do PS, se fossem de abstenção os socialistas precisariam apenas dos seus votos e dos votos do Bloco;

b) PSD, CDS, PPM, PAN, Iniciativa e Chega – 30 votos impedem o PS de formar governo nos Açores, neste caso de nada valendo os votos do PS e do Bloco juntos (27).

O essencial é ter presente esta contabilidade parlamentar:

- Composição da Assembleia, 57 deputados

- Maioria absoluta; 29 deputados

- PS (25 deputados)

- PSD (21), mais CDS (3) mais PPM (2), 26 deputados

- Outros protagonistas: Bloco (2 deputados), Chega (2 deputados), PAN (1 deputado) e Iniciativa Liberal (1 deputado). O PCP perdeu representação.

Os resultados oficiais foram publicados hoje, 4ª feira (4.11.2020) no Diário da República pelo que o Representante da República deverá iniciar imediatamente a ronda pelos partidos para perceber o que deve fazer. (LFM)

Sem comentários: