sexta-feira, novembro 20, 2020

Covid19: Um país em vários tons de vermelho

 


O vírus está a crescer pelo país fora em velocidades distintas. Há concelhos do Norte onde o contágio explodiu no início de outubro e entretanto estabilizou num nível extremamente elevado de novas infeções. Mas metade dos 77 municípios que entraram esta semana para a lista de risco elevado são na região Centro, onde em duas semanas o número de novos casos por 100 mil habitantes subiu 60%. Concelhos como Manteigas (ver texto ao lado), Seia, Proença-a-Nova e Mealhada saltaram diretamente para um nível de incidência acima de 480 novos casos por 100 mil habitantes, o dobro do patamar de risco elevado.

As zonas da Guarda, Covilhã e Aveiro estão entre as que merecem maior preocupação. “Na região Centro, o padrão epidemiológico atual revela a existência de um elevado número de surtos de pequena e média dimensão, o que indicia a existência de cadeias de transmissão familiares, quase sempre associadas a refeições e momentos de convívio coletivos. A maioria dos surtos envolve entre 4 a 135 pessoas”, explica João Pedro Pimentel, delegado de saúde regional do Centro, referindo ainda o peso do contágio em lares. “Os surtos relacionados com o trabalho não tiveram particular expressão, mas nas universidades atingiram valores mais elevados. Nas escolas até ao 12º ano registaram-se sobretudo casos esporádicos no início do ano letivo, mas agora verificam-se surtos significativos.”

Também em vários municípios do Alentejo e Algarve o número de novos casos disparou nas últimas duas semanas, o que levou a que vários destes locais se juntassem à atual lista de 191 concelhos com mais de 240 novos casos por 100 mil habitantes, o patamar a partir do qual o Governo considera que os municípios estão em elevado risco de contágio. Tavira, Portimão, Faro ou Lagos já estão a vermelho, deixando a branco pequenas ‘ilhas’ como Olhão (ver texto ao lado). No Alentejo, o cenário está claramente a agravar-se, com mais 18 concelhos em situação de risco, como é o caso de Portalegre, Elvas, Évora, Campo Maior ou Monforte. Para já, apenas os Açores e a Madeira continuam a branco no mapa de risco, pintado a partir dos dados da Direção-Geral da Saúde, relativos ao período entre 28 de outubro e 10 de novembro.

INCIDÊNCIA “INSUSTENTÁVEL”

Apesar de a mancha vermelha estar a alastrar-se, o Norte continua a ter a situação mais grave, tal como aconteceu no início da primeira onda. É nesta região que está a maioria dos 28 concelhos com risco extremamente elevado (acima de 960 novos casos por 100 mil habitantes). Segundo os dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), o Norte de Portugal é agora uma das 20 piores regiões na Europa, com uma incidência de 1298 novos casos por 100 mil habitantes a 14 dias, acima das regiões que abrangem Milão (1146), Paris (580) ou Madrid (353), algumas das mais afetadas.

“A região Norte teve uma fase de crescimento quase explosivo no início de outubro. Agora está numa aparente estabilização, numa espécie de planalto, mas com uma incidência elevadíssima e absolutamente insustentável devido à afluência aos hospitais. Não há uma descida convincente e não conto que seja rápida, pois as medidas não estão a mostrar que isso seja possível para já”, defende Óscar Felgueiras, professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e um dos peritos ouvidos ontem pelo Governo. “O impacto das restrições é muito heterogéneo. O teletrabalho produz mais efeitos no Porto, por exemplo, do que em locais com maior atividade industrial.”

Paços de Ferreira e Lousada, que têm as situações mais graves do país, atingiram uma proporção de casos “absolutamente invulgar”, diz o especialista. Embora comecem agora a mostrar sinais de descida, a recuperação será muito lenta. Neste ‘epicentro’, também Vizela, Paredes e Penafiel têm situações preocupantes, mas a mancha vermelha está alastrada a todo o distrito do Porto, além de Braga, Vila Real e Bragança.

A região de Lisboa mantém-se com uma incidência muito elevada, ainda que abaixo de 600 novos casos por 100 mil habitantes. Setúbal, Lisboa, Cascais, Odivelas, Vila Franca de Xira e Loures ocupam as piores posições. Perante a evolução registada na primeira onda, que atingiu em força o Norte e depois se estendeu a Lisboa, questiona-se se o mesmo poderá voltar a acontecer. “Parece improvável atingirem os números do Norte, não só porque as medidas entraram em vigor numa fase mais antecipada mas também porque em Lisboa o teletrabalho tem maior efeito, o que permite uma contenção mais eficaz”, defende Óscar Felgueiras.

Dos 8,5 milhões de portugueses abrangidos pelas restrições aplicadas a estes concelhos, cerca de três milhões estão num dos locais com risco extremamente elevado. Com 725 novas infeções por 100 mil habitantes nas duas últimas semanas, o volume de casos a nível nacional é agora seis vezes maior do que na primeira onda. Portugal é o 10º país da Europa com maior crescimento da epidemia e serão necessárias algumas semanas para medir o efeito das medidas aplicadas a nível local.

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Nota: No mapa, os concelhos estão pintados com base nos números de novos casos por 100 mil habitantes em 14 dias (entre 28 de outubro e 10 de novembro), divulgados pela DGS. Dos 191 concelhos que integram a lista definida pelo Governo, há apenas três (Alcochete, Cadaval e Montijo) que têm menos de 240 novos casos por 100 mil habitantes (Expresso, texto da jornalista  RAQUEL ALBUQUERQUE e infografia de CARLOS ESTEVES)

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