terça-feira, novembro 28, 2023

Público - Taxa de risco de pobreza em Portugal subiu para 17%. Lisboa teve o maior aumento

 

Em 2022, havia mais 81 mil pessoas a viverem com menos de 591 euros mensais. A pobreza ou exclusão social ameaça agora 2,1 milhões de portugueses. Especialistas admitem agravamento da pobreza urbana. Depois de uma diminuição registada em 2021, a taxa de risco de pobreza em Portugal voltou a subir, para os 17%, em 2022, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelados esta segunda-feira. Um aumento de 0,6 pontos percentuais, o que significa que mais 81 mil pessoas viviam com rendimentos mensais líquidos inferiores a 591 euros.

A Área Metropolitana de Lisboa (AML) destaca-se pela negativa: é a região com o maior aumento de pobreza e também a que apresenta o maior nível de desigualdades. “Alguma coisa estranha se está a passar na Área Metropolitana de Lisboa”, diz o investigador Fernando Diogo, especialista em questões de pobreza, da Universidade dos Açores. “Este aumento ligeiro da taxa do risco de pobreza tem muito que ver com o que se passou na AML nesse período e também um bocadinho nos Açores. Mas é sobretudo a AML que influencia, pelo peso do aumento e pelo peso da população que ali reside – porque é que há esta divergência e, sobretudo, este aumento de pobreza, é a questão que se coloca e não tenho resposta para ela”, diz.

O sociólogo destaca assim os dados relativos à taxa do risco de pobreza por região, em que se percebe que apenas a AML e os Açores viram crescer esse risco, enquanto no centro a taxa se manteve, tendo baixado nas restantes. Apesar de os Açores e a Madeira continuarem a ter as taxas de risco de pobreza mais elevadas do país – 26,1% e 24,8%, respectivamente –, os dois arquipélagos revelaram tendências diferentes na comparação entre os dois últimos anos, com a taxa a subir um ponto percentual nos Açores e a diminuir 1,1 pontos percentuais na Madeira.

Mas foi na AML que as condições de vida das pessoas mais se degradaram, com a taxa de risco de pobreza a subir 4,3 pontos percentuais, de 10,4% para 14,7%. Um valor que fez mesmo com que esta região perdesse o estatuto daquela que tinha o menor risco de pobreza do país, que pertence agora ao Alentejo, com uma percentagem de 14,1%.

A diminuição da taxa foi, nesta região, de 0,8 pontos percentuais, enquanto no Norte a taxa desceu dos 20% para os 18,8%. O Algarve, apesar de continuar a possuir a taxa de risco de pobreza mais elevada do continente, também a viu decrescer, de 22,1% em 2021 para 19,7% em 2022. Na região centro a situação permaneceu idêntica, com a taxa de risco de pobreza a manter-se nos 15,6%.

Desigualdades aumentaram

Mas não foi só esta taxa que fez a AML destacar-se pela negativa. A região também sobressai quando se olha para os diferentes indicadores que medem as desigualdades. Apesar de terem aumentado em todas as regiões do país, foi na AML que as desigualdades mais cresceram, com um aumento de 3,5 pontos. “Um aspecto importante deste documento é que nos diz que as desigualdades estão fortemente situadas nas AML, onde há um agravamento muito expressivo. Isto aponta para um agravamento da pobreza urbana, o que também exige algum cuidado adicional”, refere o economista e investigador da pobreza do ISEG Carlos Farinha Rodrigues.

Fernando Diogo também considera que é preciso olhar para este indicador com mais atenção, para tentar perceber o que se está a acontecer. “Ao contrário do que se passa com a taxa de risco de pobreza, que diminui na maior parte das regiões, quando olhamos para as desigualdades na distribuição de rendimentos, há um aumento relativamente modesto em quase todo o país, com a grande excepção da AML. Há que aprofundar estas questões para perceber o que se passa aqui”, refere.

Para Carlos Farinha Rodrigues o dado mais relevante do Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos é o que refere que o risco de pobreza infantil se acentuou. “O factor mais preocupante é o aumento da proporção de crianças em situação de pobreza. Passámos de 18,5% em 2021, para 20,7% em 2022. É um aumento de 2,2 pontos percentuais, o que é muito expressivo, tanto mais porque a redução da pobreza infantil é quase o primeiro objectivo da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. Parece-me um dado extremamente preocupante”, observa.

Comparando com as outras faixas etárias destacadas pelo INE, percebe-se que a taxa de risco de pobreza aumentou apenas 0,4 pontos percentuais na população activa entre os 18 e os 64 anos ​(está nos 16%) e 0,1 pontos percentuais na população acima dos 65 anos (17%). O economista admite que este aumento particularmente penoso para os mais novos pode prender-se com o facto de a linha de pobreza (591 euros) ter aumentado 7% em relação ao ano anterior e este facto “não ter sido acompanhado pelo crescimento dos rendimentos das famílias com rendimentos mais baixos e com maior número de crianças no agregado familiar”.

Carlos Farinha Rodrigues considera, por isso, que estes dados “implica olhar para Estratégia Nacional de Combate à Pobreza com um cuidado adicional e repensar a aplicação dessa estratégia, que propõe reduções expressivas da pobreza e, em particular, da pobreza infantil, no horizonte de 2030”.

Fernando Diogo é mais moderado nesta avaliação. Apesar de também se referir ao aumento da taxa de risco de pobreza infantil como um dado “relevante”, lembra que “desde 2003 ela é persistentemente acima da média, mostrando uma vulnerabilidade acrescida das crianças” e considera que as medidas em vigor – como a estratégia nacional ou a Garantia para a Infância – “precisam de algum tempo para ter um mínimo de impacto”, pelo que é “abusivo” estabelecer uma relação entre uma eventual inoperância destas medidas e os dados revelados pelo INE.

Segundo o cenário agora traçado, percebe-se que o risco de pobreza continua a afectar mais as mulheres do que os homens – em 2022, 17,7% das mulheres corriam esse risco, o que é um aumento de 0,9 pontos percentuais em relação ao ano anterior, enquanto entre os homens essa percentagem era de 16,2%, mais 0,3 pontos percentuais.

Vida pior para desempregados

Um dado contracorrente é o que se refere à taxa de risco de pobreza para a população empregada, que diminuiu 0,3 pontos percentuais, situando-se em 2022, nos 10%. Mas, se a situação melhorou ligeiramente entre os que trabalham, piorou de forma mais acentuada entre os desempregados. Em 2021, a taxa de risco de pobreza entre a população desempregada situava-se nos 43,4%, em 2022, valor que subiu para os 46,4%. Mas foi no grupo classificado como “outros inactivos” que esse risco mais cresceu, subindo de 27,8% em 2021 para 31,2% em 2022, ou seja, 3,4 pontos percentuais.

Tendo em consideração o indicador da escolaridade, o que o INE nos diz é que a taxa de risco de pobreza é muito maior entre os cidadãos que apenas têm o ensino básico (22,7% em 2022, quando era 22% em 2021) do que entre aqueles que concluíram o ensino superior (5,8% em 2022 e 5,5% no ano anterior). Ainda assim, a percentagem de risco cresceu nestes dois segmentos, tendo baixado ligeiramente entre aqueles que possuíam o ensino secundário, passando de uma percentagem de 13,8% para 13,5%.

Prestações sociais menos eficazes

A situação global seria muito mais grave, se não existissem as prestações sociais, mas o que os mais recentes dados do INE nos dizem é que o peso das transferências do Estado também desceu. Se não se contabilizassem quaisquer prestações sociais, e se se tivesse apenas em conta os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 41,8% dos residentes do país estariam em risco de pobreza no ano passado. Contudo, esse valor cai para 21,2% quando se contabilizam os rendimentos provenientes das pensões de reforma e sobrevivência, e para 17% ao contabilizar-se também as transferências sociais relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social.

Isto significa que o peso destas transferências sociais foi, em 2022, de 4,2 pontos percentuais, o que é menos do que o registado nos anos mais recentes: foi de 5,1 pontos percentuais em 2021, 4,6 pontos percentuais em 2020 e 5,7 pontos percentuais em 2019.

Carlos Farinha Rodrigues defende que estes dados “revelam uma menor eficiência das políticas públicas de combate à pobreza”. Mesmo considerando que a diferença entre 2021 e 2022 é pequena (0,9 pontos percentuais) e ressalvando que é preciso “algum cuidado” na análise deste indicador, não tem dúvidas em avaliar: “É um indicador de eficiência de políticas públicas e das políticas sociais de combate à pobreza e mostra-nos que temos uma menor capacidade de elas responderem ao agravamento da pobreza.”​

Famílias monoparentais: pobreza agravou-se para 31,2%

Olhando para os agregados familiares, vê-se que o risco de pobreza aumentou para os que têm crianças e para os que não têm, embora seja mais significativo entre os adultos que vivem sozinhos, com a taxa de risco de pobreza a subir de 22,5% em 2021 para os 24,9% no ano passado e para as famílias monoparentais, ou seja, as que são constituídas por apenas um adulto e pelo menos uma criança dependente. Entre estas, o risco de pobreza passou para os 31,2%, quando se situava nos 28% no ano anterior. Nas famílias com dois adultos e duas crianças também se registou um maior risco de pobreza, mas com um crescimento menos acentuado, passando de 12,8% para 13,9%.

Quando se considera os mais pobres entre os cidadãos que residem em Portugal, o INE diz-nos que a taxa de pobreza ou exclusão social se manteve, em 2023, nos 20,1%. Uma percentagem que aponta para 2,1 milhões de pessoas nesta situação – valor idêntico ao de 2022, depois de o INE ter rectificado, em Setembro, os dados inicialmente apresentados para aquele ano e que apontavam para valores menores (2,06 milhões de pessoas e uma percentagem de 19,4%). Apesar do número avassalador, esta taxa mantinha-se abaixo da média da União da Europeia (21,6%), com Portugal a apresentar valores melhores do que os seus vizinhos do Sul, Espanha, Itália e Grécia (Público, texto da jornalista Patrícia Carvalho)

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