terça-feira, novembro 28, 2023

Madeira: alterações climáticas assustam e podem ameaçar a floresta laurissilva

Apesar de, nos últimos anos, se falar mais das medidas de redução de CO2, o tema da captura de carbono “é uma opção relevante na descarbonização do sistema energético”, pode ler-se no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Se nada for feito para conter as emissões de carbono, a Madeira do fim do século XXI será uma ilha 3 a 5 graus mais quente, com menos chuva e maior risco de inundações nas localidades ribeirinhas devido à subida do nível do mar. As projeções dos cenários climáticos para o arquipélago indicam que até a floresta laurissilva pode estar em risco.

Todos os dias, centenas de turistas percorrem as levadas e os trilhos para ter a experiência de atravessar a floresta húmida e densa que cobre as montanhas da Madeira. A floresta laurissilva é património da UNESCO, está protegida por lei, mas poderá não sobreviver às alterações climáticas. As projeções dos cenários climáticos indicam que, se nada for feito para diminuir as emissões de dióxido de carbono, em 2100 a temperatura poderá subir até mais 10 graus nos picos mais altos da Madeira.

“Em termos médios a temperatura deverá aumentar 3 a 5 graus”, explica Ara Gouveia, diretor regional do Ambiente. Foi a direção do Ambiente que apresentou, em outubro, a regionalização dos cenários climáticos e as alterações na temperatura, precipitação e nível da água do mar para os próximos 75 anos. E, tal como no resto do planeta, as conclusões são preocupantes.

O futuro será pior, embora a questão seja já o presente na Madeira. Junho de 2023 foi uma amostra de como o clima está a mudar. O mês começou com a passagem de uma tempestade, de nome Oscar, que colocou o arquipélago em aviso vermelho. E, em poucas horas, foi batido o recorde de chuva do país. Não só a tempestade passou tarde – no fim do Primavera – e depois de três meses quase sem chuva – como poucas semanas depois, no fim de Junho, a região enfrentou uma onda de calor, com temperaturas acima dos 30 graus e índices muito baixos de humidade no ar.

Divulgação

Uma amostra do que será o futuro. A Madeira será uma ilha mais quente do que é, mas tal como acontece agora a temperatura não será a mesma na baixa do Funchal ou nas montanhas. Na verdade, deverá ocorrer uma inversão do que é o quadro atual. Ou seja, “junto à costa será menos quente do que em altitude, sobretudo acima dos 1000 metros, onde se prevê uma maior subida da temperatura. A projeção aponta para mais 10 graus no Pico do Areeiro e no Pico Ruivo”, os picos mais altos.

O que irá abranger a área onde está a floresta laurissilva, com impactos na paisagem, mas que irá obrigar a repensar o plano da água na Madeira. Nas zonas mais altas da ilha chove mais, é mais frio e as espécies da floresta ajudam a reter a água. As levadas, lembra o diretor do Ambiente, foram construídas para ir buscar água às nascentes em altitude e trazê-las para cotas mais baixas, onde estão os campos agrícolas e onde vivem as populações.

Este modelo – em vigor há séculos - pode estar em causa se se concretizar este cenário de subida da temperatura. O que fica ainda pior se for combinado com o que são as previsões de chuva para os próximos 75 anos. “O valor médio de precipitação diminuiu 30% desde 1990”, explica o responsável pelo Ambiente. E a tendência deverá manter-se nos próximos anos. A estimativa aponta para menos 50% no valor médio de precipitação.

Menos chuva em valor anuais médios, mas nem por isso menos risco de aluviões. Na verdade, o risco de cheias rápidas, capazes de causar derrocadas e de fazer transbordar o leito das ribeiras será maior no futuro. “Estes fenómenos extremos deverão ocorrer com mais frequência, com intervalos de 10 em 10 anos”.

As inundações causadas pelas cheias repentinas das ribeiras serão mais frequentes, mas também o risco de inundações junto à costa será maior. Até ao fim do século o nível do mar deverá subir um metro. O que coincide com o que já está a acontecer neste momento. Desde o início do século XXI já subiu 7 centímetros e o ritmo de subida duplicou nos últimos três anos.

Ara Gouveia sublinha, no entanto, que o perigo não reside apenas na subida do nível médio da água do mar. O modelo prevê que as ondas, em momentos de maior agitação, tenham mais energia e possam galgar as estruturas de proteção da costa. “O que vai obrigar a redimensionar estas estruturas”. A baixa do Funchal, tal como todas as baías e enseadas da ilha, corre o risco ainda que esteja em pior situação para inundações estão a zona baixa de Machico, Calheta e Ponta do Sol.

Também os nove quilómetros de praia de areia do Porto Santo, tal como o cordão dunar, serão afetados por esta subida do nível do mar e ondas com maior energia e capacidade de destruição. O que deverá obrigar a proteger o cordão dunar e a repor a areia que, todos os anos, o mar arrasta para longe da praia (Expresso, texto da jornalista Marta Caires e fotos de Duarte Sá)

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