terça-feira, novembro 28, 2023

Expresso - “Vieram como formiguinhas”: depois da pandemia o turismo da Madeira explodiu

Os recordes vão sendo batidos: número de dormidas, de rendimento por quarto, de visitantes, de receitas, mas também de número de rent-a-car e de alojamentos locais. Na ilha da Madeira, a dinâmica turística está viçosa e a mudar, com a chegada de visitantes mais jovens de telemóvel em riste. É de manhã que tudo acontece. Os grandes navios chegam, sorrateiros, durante a noite modificando a paisagem do Funchal. Na ilha todos sabem quais são os cruzeiros, a que horas chegam, de onde vêm e para onde vão, porque são estas cidades flutuantes que contribuem para o sustento de muita gente. Acorrem ao porto os táxis amarelos, carrinhas brancas de nove lugares, autocarros e jipes. Enquanto alguns passageiros se espreguiçam à varanda, outros apressam-se no pequeno-almoço para irem ocupar o seu lugar nas viagens organizadas.

Entre os passageiros, há quem prefira caminhar até ao centro da cidade, a poucos metros. Não tardarão a chegar ao Mercado dos Lavradores, no coração do Funchal. Aqui a algazarra é feita de turistas, de locais e de vendedores, que alimentam coloridas bancas de flores, frutas, de paredes de piripiri, frutos secos e especiarias. Um jovem casal alemão faz as primeiras férias com o bebé de meses dentro do carrinho. Escolhem frutas perfumadas, a fazer contas aos dias que lhes restam na ilha. Estão alojados num alojamento local, que marcaram pela internet. A Madeira estava nos planos desde a pandemia, por causa das imagens de sonho que viram no Instagram.

A descrição é próxima da de Xavier, um espanhol que encontramos a percorrer a levada dos Balcões, no centro da ilha. Tem 25 anos e veio com uma amiga que neste dia preferiu ir fazer mergulho. O jovem, que trabalha num teatro, conta que descobriu a Madeira a fazer scroll e encantou-se com as fotografias. Veio por uma semana, equipado a rigor, e dedica-se às levadas e ao património natural da ilha, mas não pensa repetir tão cedo: “sou muito jovem, há muito mais coisas no mundo que quero conhecer”. Mais à frente, Alexandre e Joana, de 29 e 28 anos, de Torres Vedras. As imagens que viram antes não os prepararam para o estavam a viver naquele momento no miradouro dos Balcões: Joana tinha um tentilhão, pequeno pássaro de tom azulado, na sua mão. É certo que levaram comida para aves, seguindo as recomendações de um amigo, mas não imaginavam que iriam estar num miradouro com uma vista incrível sobre a ilha com um pássaro na mão. Não eram os únicos. Os tentilhões aqui não passam fome – antes pelo contrário.

A pandemia marca um antes e um depois no Turismo da Madeira. Todos o reconhecem e os números atestam-no. “Vieram como formiguinhas”, diz-nos Maria Isabel. Esta madeirense, enfermeira aposentada, ocupa uma das mesas da esplanada do histórico café Golden Gate no centro do Funchal com as amigas, também elas reformadas. Nenhuma hesita em saudar o turismo nem os turistas e, apesar de reconhecerem que a vida ficou mais complicada para quem procura casa na ilha (o imobiliário está pressionado não só pela procura para alojamentos locais (AL), mas também para residências de cidadãos estrangeiros), entendem que é importante para a economia local.

Até à pandemia, a organização do turismo na região estava muito dependente dos operadores turísticos. Depois passou a ter novos canais, como as plataformas online. A procura disparou e chegou um perfil de turista diferente à Região Autónoma da Madeira, apontou o Secretário Regional da Economia, Rui Barreto, na conferência dos 50 anos do Expresso: “Um turismo mais jovem, com outras apetências, que permitiu maiores ganhos hoteleiros”. O número de dormidas em setembro superou este ano, pela primeira vez, o milhão (um aumento de 9,4% em comparação com o mês homólogo, em que se registaram 951,6 mil dormidas). O entusiasmo alastra ao rendimento por quarto, que passou os cem euros.

Também a oferta de camas aumentou, em especial no alojamento local. “A Região Autónoma da Madeira dispõe, atualmente, em empreendimentos turísticos e em alojamento local, respetivamente, 33.580 e 28.365 camas. Em 2019 eram 31.359 e 19.597 camas”, notou o Secretário Regional de Turismo e Cultura, Eduardo Jesus, em resposta às questões enviadas por email. Um aumento expressivo, que se reflete nos proveitos totais: em 2022 atingiram os 529.580 milhões de euros, o valor mais elevado de sempre na Região Autónoma, em setembro deste ano situavam-se nos 505,1 milhões de euros, perspetivando novo recorde.

Rent-a-car duplicaram

Esta explosão do turismo, numa ilha tradicionalmente já habituada a ele, traduziu-se ainda num enorme aumento de empresas de rent-a-car. O movimento de carros alugados por é visível em toda a ilha, especialmente em pontos obrigatórios no itinerário turístico, como o início de alguns percursos pedestres ou no Pico do Areeiro - aqui notamos a presença da polícia de trânsito, a prevenir situações de caos nos acessos e no estacionamento como as que se verificaram nos meses de verão.

Num ano, o número de pedidos de licenciamento de empresas de rent-a-car praticamente duplicou. Se em 2022 foram autorizadas pela Direção Regional de Economia e Transportes Terrestres 34 empresas, este ano já são 62 novas rent-a-car. No total, operam 154 empresas na região, não sendo possível apurar o número exato de automóveis de aluguer em circulação. “Para abrir a atividade são necessárias sete viaturas para a categoria ligeiros de passageiros e/ou três viaturas para as restantes categorias”, não sendo possível aferir o número total de viaturas afetas a esta atividade, esclarece a assessoria de imprensa. Numa conta simples, se cada uma das 62 novas empresas tiver apenas sete ligeiros de passageiros, entraram em circulação pelo menos 434 novos carros este ano. E provavelmente isso ajuda a explicar o trânsito que muitos diziam não existir na Madeira.

Apesar da profusão de carros e turistas, novembro é considerada época baixa. Os três navios de cruzeiro no mesmo dia no porto do Funchal e os enxames de turistas de pala sobre os olhos só impressionam que não está habituado. Na zona do peixe do Mercado dos Lavradores jazem dezenas de cabeças de peixe espada preto no meio de uma azáfama que os turistas fotografam do cimo das escadas, como se de um miradouro sobre o trabalho se tratasse. Numa bancada alinham-se reluzentes lombos brancos. O jovem peixeiro tira o avental, que estende sobre a laje de pedra. É quase hora de almoço e está desde as 7 da manhã a desfazer o peixe em filetes. São uns cem quilos de filetes de peixe espada preto, que vão seguir para os restaurantes. O turismo ajuda o negócio, não? “Nem por isso, este mês está fraco”.

Isso mesmo fomos escutando de alguns vendedores do mercado e de restaurantes no centro da cidade. Os olhos estão agora postos no fogo de artifício do Ano Novo, que leva milhares de pessoas à baía do Funchal, uns em terra outros no mar, nos grandes navios. Na cidade, ultimam-se os preparativos para o Natal, com a montagem das iluminações e da aldeia de Natal. Ao fim do dia, os gigantes dos mares já voltaram a sugar todos os seus passageiros. Escutam-se três longos apitos na voz grossa dos grandes barcos, e os clientes temporários da ilha partem pela estada do Atlântico. Amanhã há mais (Expresso, texto da jornalista Marina Almeida e fotos de Duarte Sá)

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