quarta-feira, novembro 29, 2023

European Survey: portugueses confiam na polícia, desconfiam dos políticos e estão abertos à imigração

Os portugueses não acreditam na justiça e acham que há uma para ricos e outra para pobres. Somos um dos povos mais desconfiados da Europa, gostamos de polícias, mas não de políticos, e achamos que os governos não fazem o suficiente para combater a pobreza, diz o European Social Survey, onde Portugal aparece como um dos países mais tolerantes à imigração. O estudo unta investigadores de várias universidades europeias, já vai na décima ronda e abrange perto de 60 mil inquiridos, em 31 países europeus. Parece uma contradição: num momento em que os partidos de extrema-direita com discursos racistas e xenófobos crescem em muitos países europeus - incluindo em Portugal - a aceitação dos imigrantes melhorou na Europa no ano de 2022, em relação ao mesmo inquérito realizado há 20 anos pelo European Social Survey. O grau de abertura dos portugueses à imigração também aumentou, como um dos povos mais tolerantes neste domínio, apesar de agora haver um partido como o Chega, que defende o fecho de portas, a registar resultados em sondagens na casa dos 16% (como na sondagem “Público”/RTP desta terça-feira).

O European Social Survey (ESS), que junta investigadores de várias universidades europeias, já vai na décima ronda e abrange perto de 60 mil inquiridos, em 31 países europeus. A edição deste ano, conclui que “os políticos e os partidos políticos continuam a ser os grupos a quem são atribuídos os valores mais baixos de confiança”, enquanto “a polícia é a instituição mais merecedora de confiança tanto em Portugal, como no conjunto dos países, e foi a única instituição nacional que registou um aumento considerável de confiança nas últimas duas décadas”. Os portugueses atribuíram uma média de 6 valores de confiança à polícia numa escala de 10. Mas a confiança no sistema judicial “é menor agora do que em 2002, apresentando valores muito abaixo da média dos países” onde foi realizado o inquérito: em 2002, a justiça tinha um grau de confiança de 5,5 e agora caiu para o nível 4.

Se a imagem dos políticos já não era boa há duas décadas (estavam no nível 4), em 2022 a confiança que inspiram nos portugueses deu um trambolhão para três. É o mesmo grau de (des)confiança que os portugueses manifestam nos partidos, embora façam uma avaliação do Parlamento superior a 4. As outras perceções negativas dos portugueses sobre a democracia incidem sobretudo em aspetos como o funcionamento dos tribunais e a justiça social. Enquanto já há democracias onde os resultados eleitorais são contestados (como nos Estados Unidos), em Portugal os cidadãos continuam a confiar, quase em pleno, na máquina eleitoral e estão satisfeitos com o nível de liberdade de imprensa, considerando que “os media têm liberdade para criticar o Governo”. Esta é a parte positiva.

O pior, segundo o relatório, é “a democracia portuguesa ser vista como tendo um desempenho especialmente abaixo do que seria desejável” no que respeita à “igualdade perante a lei nos tribunais”, assim como quanto à “redução da desigualdade de rendimentos e a proteção contra a pobreza”. A perceção sobre se “os tribunais tratam todos da mesma” forma piorou nos últimos 20 anos. E não melhorou a ideia sobre se “os governos tomam medidas para reduzir a desigualdade de rendimentos” ou “proteger os cidadãos da pobreza” (mesmo que ao longo destas duas décadas tenham sido criadas e desenvolvidas várias prestações sociais). “As únicas diferenças relevantes” face aos resultados do inquérito de 2002 “detetam-se na proteção dos direitos das minorias”, onde “o défice diminuiu” e há uma perceção mais generalizada de que estas estão mais salvaguardadas.

PORTUGUESES NÃO SE SENTEM AMEAÇADOS PELOS IMIGRANTES

De acordo com o ESS, Portugal é dos países onde os inquiridos registam maior abertura aos imigrantes e onde essa tendência se acentuou desde o início do milénio, “juntamente com o Reino Unido, a Espanha e a Noruega”. O Reino Unido registava, em 2022, quando foi realizado o inquérito, elevados níveis de abertura a estrangeiros, isto apesar de as decisões políticas dos governos conservadores serem cada vez mais no sentido de dificultar a entrada de migrantes na Grã-Bretanha e de, alegadamente, a população britânica ser a favor dessas restrições (que, aliás, foi uma das motivações do Brexit).

Em sentido contrário, o sentimento contra os imigrantes acentuou-se sobretudo em países como a Grécia e a Hungria, assim como na Chéquia, onde se registou o maior crescimento da oposição à imigração no mesmo período desde 2002. Na Hungria será onde se verifica a maior coincidência entre essas posições da população e as políticas anti-imigração do primeiro-ministro Viktor Orbán.

Outra das conclusões do estudo verifica que os sentimentos de rejeição são mais significativos nos países pobres do que nos ricos. Os resultados “indicam que os países mais desenvolvidos do ponto de vista socioeconómico são, tendencialmente, aqueles em que as pessoas se opõem menos à imigração”. No entanto, o relatório menciona outros estudos realizados na Europa que “mostraram já que o aumento do fluxo de imigrantes não tem impacto significativo nas atitudes perante a imigração”. De resto, os autores do ESS referem que outras investigações concluem que “a oposição à entrada de imigrantes está fortemente associada à existência de sentimentos de ameaça. Ou seja, quando os imigrantes constituem uma fonte de preocupação porque se crê que ‘são maus para a economia’ ou ‘empobrecem a vida cultural’.

A perceção dessa “ameaça”, do ponto de vista económico, no entanto, baixou muito entre os portugueses. Se em 2002 classificavam a “ameaça” com um nível superior a 6 - numa escala até 10 - agora pouco ultrapassa o nível 4, ligeiramente abaixo da média dos países estudados. Essa perceção sobre migrantes como ameaça económica cresceu apenas na Suécia, na Itália e Hungria - o país que apresenta o índice mais elevado, que ultrapassa o nível 7.

No que diz respeito aos imigrantes como “ameaça cultural”, Portugal também está na média do estudo, com uma indicação de que a tolerância a este nível melhorou. Se em 2002 os portugueses inquiridos punham a ameaça cultural da imigração no nível 6, agora baixou para menos de 5. O ranking dos que mais se sentem ameaçados pela imigração são, mais uma vez, os checos, os húngaros e os gregos, todos perto no nível 7 em 10.

PORTUGAL DESCONFIADO

Enquanto os maiores níveis de confiança interpessoal se verificam nos países nórdicos, o ESS confirma que os portugueses são relativamente mais desconfiados. “Os baixos níveis de confiança interpessoal são uma característica da população residente em Portugal. Este perfil encontra-se tanto em 2002 como em 2022, estando Portugal no grupo de países com valores abaixo do valor médio da escala e da média europeia”, pode ler-se no relatório. Mais baixo do que Portugal entre os 31 países estudados, só mesmo Polónia, Eslováquia, Croácia, Bulgária e Sérvia. Portugal tem uma avaliação de 4,5 no índice de confiança interpessoal, enquanto os países onde as pessoas mais confiam umas nas outras são a Suécia (6,7) e a Finlândia (6,8) (Expresso, texto do jornalista Vítor Matos)

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