segunda-feira, novembro 27, 2023

Operação Lawrence, investigação do Expresso: A aventura do banqueiro Ricardo Salgado no país do coronel Kadhafi (2)

De como Ricardo Salgado se interessou por um banco sem valor e com uma organização completamente caótica para ocultar grandes movimentações de dinheiro para o exterior da Líbia. Esta é a segunda de três partes de uma investigação feita pelo Expresso, pela SIC e pelo Setenta e Quatro. O Aman Bank era um banco insignificante. Não apenas no contexto financeiro líbio, mas sobretudo na operação global do Grupo Espírito Santo. Daí que vários quadros do BES, à margem de Ricardo Salgado, tenham criticado a concretização do negócio. No início de 2011, após a eclosão da primeira guerra civil na Líbia, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) pediu “esclarecimentos adicionais ao mercado sobre os potenciais impactos na situação patrimonial do banco”.

Em resposta, Elsa Ramalho, responsável do BES pelas relações com os investidores, esclareceu por email que, “no final de 2010, o Aman Bank tinha 478 milhões de euros de ativo líquido”. O correspondente a 0,6% do ativo total consolidado do BES, “um valor imaterial” para as contas do grupo àquela data. A somar à “ausência de valor”, a desorganização interna e operacional do Aman Bank era “assustadora”. Ou, como alertaria igualmente por correio eletrónico Rui Silveira, as “deficiências” funcionais e operativas detetadas no banco líbio eram “potenciadoras de sérios riscos legais, reputacionais e para toda a atividade”. O administrador do BES reagia aos resultados da primeira auditoria interna ao Aman Bank, em agosto de 2010, cujo relatório final concluía que aquela instituição apresentava uma “falta geral de cultura de controlo”.

A situação não parecia inquietar ou desagradar Ricardo Salgado. Antes pelo contrário. O banqueiro ignorou os alertas emitidos por uma auditoria externa “completa” ao Aman Bank realizada pela KPMG, entre janeiro e fevereiro de 2011, e que custou ao BES meio milhão de euros, de acordo com uma ata do banco de 26 de outubro de 2012.

Em vez de dar um passo atrás, Ricardo Salgado seguiu o seu instinto. Integrou na estrutura do Aman Bank um dos supostos “auditores externos independentes”, Sérgio Alves Martinho, que fora gestor da KPMG Portugal para as questões líbias e angolanas entre 2004 e 2013. E que, em ato contínuo, viria a incorporar e a permanecer nos quadros do banco líbio até junho de 2014. Altura em que o universo Espírito Santo enfrentava a sua própria “primavera”.

Sérgio Martinho considerou “muito julgamentais” as questões que lhe remetemos por email, após contacto prévio. E que, no essencial, versavam sobre eventuais incompatibilidades “morais e deontológicas” na sua passagem direta da KPMG — logo após ter “apoiado a aquisição” e ter participado na “implementação” do “negócio” — para o Aman Bank, onde começou a dar “suporte” e a “avaliar” o controlo interno do departamento de tesouraria e finanças. Funções que estiveram expostas na sua página na rede social LinkedIn, entretanto apagada.

O aparente amadorismo e uma gestão caótica foram as marcas identitárias do Aman Bank durante a presença do BES. Desde o primeiro ao último momento.

Num parecer datado de 30 de julho de 2014, a KPMG refere, enquanto revisor oficial de contas do Espírito Santo Financial Group (ESFG), que se tinha deparado com “uma limitação” no âmbito do seu “trabalho normal sobre o processo de relato financeiro do ESFG, por impossibilidade absoluta de concretização do mesmo no Aman Bank”. Para Ricardo Salgado, a inexistência de escrutínio era o maior ativo do banco, como adiante se verificará.

A banca líbia era um poço de obscuridade, sem freio nem controlo, e o banqueiro português sabia-o. Na perfeição. “A maioria das empresas líbias atrasa a publicação das suas demonstrações financeiras ou, se forem publicadas, não são auditadas”, resume Ali Elfadli numa tese de doutoramento sobre o funcionamento da banca comercial naquele país defendida em 2018 na Universidade de Reading, em Inglaterra. O Aman Bank encontra-se no rol de bancos sinalizados por este investigador líbio.

Já a máquina comercial do BES anunciava aos mercados a sua nova “joia africana” como um “banco comercial moderno”, conforme se lê em diferentes prospetos de promoção internacional do grupo. Líbia, Cabo Verde, Angola, Moçambique.

Navegando à bolina desde as margens do Mediterrâneo até ao oceano Índico, percorrendo a costa atlântica, Ricardo Salgado tinha traçado, entretanto, à sua imagem e semelhança, um “mapa cor-de-rosa” no continente africano.

SIM, SENHORES EMBAIXADORES

De rosa se pintava também o cenário da política externa portuguesa no início de 2011. A 5 de janeiro, Portugal tomava assento, como membro não-permanente, no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) para o biénio 2011-2012, assumindo a presidência de três dos seus órgãos subsidiários, entre eles o Comité de Sanções à Líbia.

A eleição de Portugal foi unânime e “aclamada” pela Assembleia Geral da ONU, devido “à noção” de que o país “poderia guiar os trabalhos com imparcialidade” e “sem agendas escondidas nas suas ações”, segundo consta na dissertação de mestrado sobre a presidência portuguesa, defendida por João Caleiras em fevereiro de 2014, na Universidade Nova de Lisboa.

O embaixador Moraes Cabral, antigo chefe de gabinete de Jorge Sampaio, foi o diplomata escolhido por José Sócrates e Luís Amado para a presidência do Conselho de Segurança, em Nova Iorque.

Já para a capital dos Estados Unidos da América, o Governo socialista enviou, quase em simultâneo, o atual embaixador em Londres, Nuno Brito, o “obreiro” da Cimeira dos Açores que antecedeu a invasão do Iraque e que chegou a estar na calha para substituir Paulo Portas, durante a crise do “irrevogável” em 2013.

Ricardo Salgado manteve-se atento às movimentações da diplomacia portuguesa. E à geopolítica internacional, no seu todo. A Primavera Árabe ainda não tinha chegado à Líbia (a guerra civil estalou em Bengasi a 17 de fevereiro), mas adivinhava-se a cada instante.

A 21 de janeiro de 2011, como primeira tarefa do dia, o presidente executivo do BES reuniu com Fernando Costa Freire e com o “embaixador Nuno Brito, futuro em Washington” (tomou posse a 23 de fevereiro). A Líbia de Kadhafi, o posicionamento americano face a um presumível conflito e o futuro do Aman Bank passaram inevitavelmente pela mesa do pequeno-almoço.

Até ao final de fevereiro de 2011, primeiro os Estados Unidos, de forma unilateral, depois a União Europeia e por fim a ONU impuseram sanções à Líbia, bloqueando o sistema bancário e congelando os bens de Kadhafi e dos seus mais próximos.

Tal como o mundo do excêntrico ditador líbio estava à beira do colapso, também o Projeto Lawrence, que Ricardo Salgado tinha idealizado com minúcia, aparentava estar em vias de implosão.

Durante os “dias de chumbo” da revolução líbia, Fernando Costa Freire foi o mais próximo de entre os mais chegados homens de confiança do banqueiro, como testemunha o diário do presidente do BES. Esteve inclusive quando Ricardo Salgado tornou a “chamar Nuno Brito, embaixador nos EUA”, a meio da tarde de 10 de março de 2011, numa altura em que era imperativo preservar o Aman Bank a salvo das sanções internacionais.

O embaixador Nuno Brito, que não quis responder às questões que lhe colocámos, estaria no local exato e na altura ideal para interceder a favor da salvaguarda do Aman Bank. Da mesma forma que Allan Katz se encontrava numa posição determinante para a persecução dos interesses do banqueiro quando o mundo ocidental virou as costas a Kadhafi. O presidente do BES assentou na sua agenda a 30 de abril: “New ambassador into Portugal, Alan Katz”. [Novo embaixador em Portugal, Alan Katz]

Entre 21 de julho de 2010 e 15 de janeiro de 2014 existem pelo menos 15 referências ao diplomata norte-americano no diário de Ricardo Salgado. Duas delas, 4 e 7 de março de 2011, coincidentes com o período em que todos os bancos líbios ficaram sob sequestro das autoridades internacionais. Todos à exceção do Aman Bank.

Ricardo Salgado soube movimentar as suas peças nos diferentes tabuleiros do conflito. Num telefonema intercetado pela Polícia Judiciária a 30 de janeiro de 2012, a cujo relatório o Expresso teve acesso, o presidente do BES garantia ao chairman do Aman Bank, Mokhtar Eshili, que “através do Governo português poderá conseguir neutralizar as sanções das Nações Unidas”, concluindo que “a pessoa que está à frente” do Comité das Sanções à Líbia “era português”. Apesar das várias tentativas de contacto, o embaixador Moraes Cabral, confrontado com o conteúdo desta escuta, acabou por não exercer o contraditório.

QUASE MORTO NO DESERTO

Allan Katz também não o fez, até ao momento. Mas de entre o vasto leque de documentos inéditos que possuímos e recorrendo a notas trocadas com jornalistas do jornal “The Wall Street Journal”, é fundado concluir que, a pedido do Departamento de Estado dos EUA, o diplomata americano destacado em Lisboa terá contactado Ricardo Salgado, solicitando-lhe que os pagamentos aos funcionários da embaixada norte-americana em Trípoli passassem a ser processados através do Aman Bank. A única instituição bancária que continuava a funcionar numa Líbia em transe e sob apertado escrutínio externo.

Há uma comunicação de Pedro Homem que ficou em ata da Comissão Executiva do BES, a 1 de junho de 2011, que atesta as estreitas relações entre o banqueiro e o corpo diplomático norte-americano. O vice-presidente do Aman Bank dava conta do agradecimento feito pela Secretária de Estado [Hillary Clinton] e do próprio Presidente dos EUA [Barack Obama]” que lhe foi “transmitido pela senhora ministra conselheira mrs. Lucy Tamlyn [na época vice-chefe da missão diplomática norte-americana em Portugal], à ajuda prestada pelo BES e pelo Aman Bank” no pagamento aos funcionários norte-americanos expatriados na Líbia.

A administração americana estendia a mão a Ricardo Salgado, salvando um projeto que, de outra forma, estaria condenado a morrer na praia. E fazendo do Aman Bank o epicentro de toda a atividade bancária num país cujas finanças e fundos permaneciam encobertos sob o manto de Muammar Kadhafi, da sua família e dos seus partidários mais chegados.

É neste quadro de instabilidade que o líder líbio, cada vez mais isolado interna e externamente, dá indicações para movimentar verbas para fora do país. Mais de 200 mil milhões de dólares, segundo uma investigação do jornal “Los Angeles Times” publicada em outubro de 2011. “Cerca de 30 mil dólares por cada cidadão líbio”, pressupunha então o jornal norte-americano.

Muito desse dinheiro terá passado pelo Aman Bank. Segundo pudemos apurar junto de um elemento do SIRP (Sistema de Informações da República), perfeitamente identificado, o banco líbio sob gestão do Grupo Espírito Santo foi um dos principais veículos que Kadhafi utilizou para, de forma ilegítima, extrair verbas do país, antes dos rebeldes tomarem Trípoli. Esta informação, obtida através de um “espião líbio”, foi reportada às hierarquias competentes como muito relevante, mas “não teve desenvolvimentos”.

De acordo com o “Wall Street Jornal”, houve inclusivamente uma agência federal norte-americana que “alertou as autoridades portuguesas para o facto de estar a investigar transferências de dinheiro do Aman Bank para fora da Líbia”. Conseguimos aclarar que foi o departamento da Florida da Federal Deposit Insurance Corporation, divisão de investigação que reporta ao Congresso dos EUA, que deu conhecimento ao Banco de Portugal (BdP) de uma inquirição que estava a desenvolver sobre a passagem ilegal de fundos entre o Aman Bank e o Espírito Santo Bank Miami.

Quando o império Espírito Santo derrocou e o Aman Bank foi vendido ao desbarato enquanto ativo tóxico, o BdP, ao contrário da posição que tomou na alienação do Banco Internacional de Cabo Verde, decidiu não interferir no negócio porque, segundo nos transmitiu, “não havia conhecimento de que decorressem investigações relacionadas com a venda, ou com as partes envolvidas”. O processo terá sido, entretanto, arquivado. E não é difícil perceber porquê.

O Aman Bank “servia” em simultâneo, sem reservas nem escrutínio, as duas partes do conflito líbio, o que era visto como “natural” pelo Governo português – tal como se depreende na audição de Paulo Portas na comissão parlamentar de inquérito ao BES/GES, ao mesmo tempo que se impunha no terreno como o único veículo bancário para as missões internacionais operarem na Líbia.

Na reunião do conselho de administração do BES, de 28 de maio de 2011, é deixado em ata que “o estrito cumprimento das normas internacionais (...) levou o grupo a solicitar, e a obter, a aprovação da ONU para a continuação da atividade do Aman Bank na Líbia”.

E é Pedro Homem, sempre ele, que na mesma reunião esclarece os administradores do BES sobre o facto de se manterem em curso “contactos” com “autoridades norte-americanas” com vista à prestação de serviços” pelo Aman Bank, nomeadamente para o “processamento de salários e outras transferências para colaboradores da embaixada dos EUA em Trípoli”. O BES estava “em fase de expansão para a Líbia” e a captar “elevados volumes de recursos locais”, referiu.

No despacho de acusação do processo-crime sobre o universo BES/GES, excluindo uma leve alusão biográfica a Amílcar Morais Pires que o identifica como responsável em Lisboa pelo acompanhamento do banco líbio, não há qualquer referência nem averiguação sobre o Aman Bank. E na comissão parlamentar de inquérito ao BES, apenas o deputado Miguel Tiago levantou a questão dos investimentos na Líbia, apanhando de surpresa Paulo Portas, conforme transmitiu ao Expresso o deputado comunista.

A teia diplomática que Ricardo Salgado teceu para defender os seus interesses na Líbia funcionou. Na perfeição. Até que, em meados de 2011, uma vertiginosa espiral de acontecimentos voltou a sacudir o empreendimento Aman Bank. O Governo de José Sócrates implode (fica em modo de gestão até 21 de junho). Portugal está à beira da banca rota e pede assistência financeira.

Os rebeldes do autoproclamado Conselho de Transição Nacional ocupavam Trípoli com o apoio de forças da NATO. Kadhafi realizava uma retirada estratégica da capital Líbia. Seria encontrado e assassinado na sua cidade natal, Sirte, a 20 de outubro. Farhat Bengdara, o hábil peão que Ricardo Salgado movia a seu favor no Banco Central da Líbia, caiu momentaneamente em desgraça. Na atmosfera financeira líbia pairava uma nuvem carregada de novas sanções à banca, agora internas.

REI MORTO, REI POSTO

Muammar Kadhafi não se encontrava em Trípoli quando os rebeldes, que já controlavam parte significativa do país, entraram na capital, a 21 de agosto de 2011. Mesmo em local incerto, o carismático líder continuava a manter o controlo sobre o tesouro e a fazenda líbias. Daí se explique, porventura, a demora que alguns países do Ocidente evidenciaram em reconhecer a autoridade do Conselho Nacional de Transição (CNT). Entre eles, Portugal.

A 21 de junho de 2011, Paulo Portas sucedeu a Luís Amado na pasta dos Negócios Estrangeiros. Passada apenas uma semana, a 29 de junho, o ministro recém-empossado legitimou as novas autoridades líbias: “Portugal foi, tanto quanto pude reconstituir, o 14.º país da União Europeia a reconhecer o CNT”, revelou Paulo Portas na entrevista que concedeu ao Expresso. Foi “uma decisão inevitável. Se Portugal não o fizesse”, conclui o ex-líder do CDS-PP, “ficaria de fora de futuras etapas daquele país”.

Era, de facto, ruidoso, o silêncio do Governo português em relação às mudanças impostas pela Primavera Árabe na Líbia. No preciso dia em que os EUA ditaram as primeiras sanções ao regime de Kadhafi, 25 de fevereiro de 2011, o embaixador líbio em Lisboa, Ali Ibrahim Emdored, anunciou a sua demissão. “Não quero representar a gente que está a matar o meu povo”, declarou o diplomata à agência Associated Press.

Só a 9 de março de 2011, após visita a Lisboa do vice-secretário do CNT para a cooperação internacional, é que Luís Amado se viu forçado a afirmar que “o regime de Kadhafi acabou”. Contudo, nesse mesmo dia, manteve “uma conversa informal, num hotel” com um emissário de Kadhafi que conhecia há alguns anos, conforme foi noticiado em diferentes órgãos de comunicação. Era importante pesar “as consequências da mudança descontrolada do regime”, defendeu Luís Amado em entrevista ao Expresso.

Também era essa a maior preocupação de Ricardo Salgado: manter simultaneamente em aberto a cooperação com as duas fações em conflito. A sede do Aman Bank em Trípoli foi encerrada por questões de segurança, conforme comunicação confidencial do BES à CMVM, e os quadros do Banco Espírito Santo que “estavam expatriados na Líbia com as suas famílias regressaram ontem [21 de fevereiro] a Portugal”. No terreno, permaneceram os funcionários locais do Aman Bank, dirigidos por Mokhtar Eshili. A operação bancária manteve-se em funcionamento, com canais abertos para os dois lados da guerra, conforme nos assegurou Paulo Portas. Sem controlo por parte dos gestores portugueses, as fraudes e a corrupção tomaram conta do Aman Bank.

Na reunião da comissão executiva do BES de 18 de maio de 2011, Pedro Homem informou que existiam “movimentos suspeitos de cheques nas contas de três clientes”, num montante total de 2,5 milhões de dinares líbios (meio milhão de dólares). Não conseguimos apurar o valor em causa, mas através de uma denuncia anónima relatada num email de Rui Silveira, administrador do BES, dirigido a Pedro Homem, vice-presidente do Aman Bank, conseguimos descodificar que o próprio Mokhtar Eshili estaria relacionado com um caso de fraude de grandeza tal que levou Silveira a ponderar: “devemos ou não sair do capital social do Aman Bank?”.

A demonstração financeira de 2011 revela que no final do ano o Aman Bank tinha uma imparidade de mais de oito milhões de euros. Uma insignificância que em nada inquietou Ricardo Salgado. Já depois de ter tomado conhecimento da grave ocorrência, o presidente do BES reiterou a sua confiança no sócio líbio, como se depreende numa escuta entre os dois banqueiros que a Polícia Judiciária intercetou. Quem mandava no grupo era ele, ditou Ricardo Salgado.

Os protagonistas eram agora outros, em Portugal e na Líbia. Muammar Kadhafi foi assassinado e exposto em público a 20 de outubro de 2011. Para manter o Aman Bank em pleno funcionamento, Ricardo Salgado contratou uma firma de advogados britânica, a Clyde & Co, tendo em vista “as questões da atividade do Aman Bank no contexto do embargo internacional imposto a várias entidades líbias” e, sobretudo, para tratar dos “assuntos relacionados com a atividade de trade finance”. Ou seja, para facilitar as transações internacionais de produtos e serviços financeiros.

A operação regular do banco líbio pouco ou nada parecia interessar a Ricardo Salgado. O fundamental, como se constata numa ata da CE do BES de 20 de julho de 2021, era “obter as licenças específicas que permitissem ao Aman Bank concretizar importantes operações de trade finance”.

Para esse efeito, Pedro Homem propôs a contratação de verdadeiros especialistas em “processos que envolvam sanções internacionais”: os advogados londrinos da DLA Piper. Um escritório que se apresentava como possuindo “considerável experiência” em lidar com “questões bancárias confidenciais”, muito em concreto no que dizia respeito a sanções internacionais.

Ricardo Salgado tinha encontrado o parceiro perfeito para enfrentar os embates que se anteviam na era pós-Kadhafi. Ainda que fosse alto o preço a pagar pelas consultas: 550 libras [630 euros] por hora, segundo a proposta de orçamento que consultámos.

Este terá sido o último serviço prestado por Pedro Fernandes Homem em favor do banco líbio. A 26 de outubro, de acordo com a respetiva ata do BES, pediu a reforma e “o pagamento da distribuição dos resultados de 2010 do Aman Bank”.

Ficou estabelecido e registado na agenda de Ricardo Salgado a 22 de fevereiro de 2010 que Fernando Homem e Adel Dajani ficariam com quatro por cento das ações do Aman Bank e, naturalmente, com direito à respetiva parcela dos lucros distribuídos aos acionistas [Adele + P.FH – 4% equity (50/50) – dividendos x 4% - 4% resultado].

Nas respostas que nos enviou por escrito, Fernando Homem afirma não ter “conhecimento desta nota” e refere que a mesma não lhe “faz sentido”: “nunca a vi ou ouvi abordada, direta ou indiretamente”. De qualquer forma, recebeu pelo menos 437 mil euros através do saco azul do BES.

Entretanto, em Lisboa, Ricardo Salgado tratava de redirecionar a sua agenda política. Nos primeiros quatro meses que se seguiram à tomada de posse do Governo de Pedro Passos Coelho, que ocorreu a 21 de junho de 2011, o presidente do BES chamou ao seu gabinete sete dos 12 ministros que compunham o executivo. A luta estava para continuar (Expresso, texto do jornalista PAULO BARRIGA e ilustrações de MÓNICA DAMAS. Esta investigação foi feita em equipa com Pedro Coelho (SIC), Filipe Teles (Setenta e Quatro) e Micael Pereira (Expresso).

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