Em 2022 foram 22 766 mil toneladas, este ano deverão ser 25 mil. A produção de banana da Madeira bate recordes ano após ano, beneficiando com as grandes temporadas de calor até agora invulgares na região. Pode parecer, mas não são só boas notícias. “Tivemos 127 noites consecutivas com temperaturas acima de 20 graus na ilha da Madeira. Este ano foi um ano excecional, para o bem e para o mal. Nunca tínhamos tido temperaturas de 40 graus no Arco da Calheta e tivemos durante vários dias. É uma brutalidade. Sim, a banana gosta, e houve um recorde de produção. Mas depois houve os incêndios, e os incêndios queimam floresta, com menos floresta há menos água”.
António Freitas está num dos seus bananais, no Arco da Calheta, freguesia na costa sul da ilha, a 30 quilómetros do Funchal. Corre uma aragem que faz restolhar as folhas verdes e abanar os pesados cachos que, não tarda, estarão bons para apanhar. É um recanto de sol e sombra, fresco, em que os caules das enormes plantas estão todos amparados por estacas, mais do que uma por pé, para resistirem aos fortes ventos que assolam a Madeira.
Falávamos dos desafios do seu trabalho, de como tem sempre que fazer nas oito parcelas onde, desde 2014, se dedica ao cultivo de bananas. Foi uma mudança de vida e o regresso ao local onde cresceu. Desde pequeno que carregava cachos mais pesados do que ele às costas e, mal pôde, saiu da ilha procurando outra vida. Há nove anos, resolveu voltar e aprender tudo de novo. Fez formação e tem trabalhado para transformar os seus bananais numa fonte de rendimento. Aos 51 anos, que está em contracorrente: “Imagine dez minutos com um cacho de 80 quilos às costas, trazer do monte cá para baixo é muito complicado. É muito difícil ter pessoas com menos de 30 anos a acartar banana. Ninguém quer vir para a banana, a média é de 65 anos nos produtores”, aponta.
São os funcionários da GESBA - Empresa de Gestão do Sector da Banana que passam a cada três semanas e transportam os cachos das suas terras. Há produtores que entregam nos pontos de recolha da empresa pública que gere a banana da Madeira, mas António prefere poupar-se, ganhar menos e dispor do tempo para outras tarefas. “Foi um ano atípico de produção alta. Sai-me do corpo. Já não tenho a energia que tinha com 20 anos”. A falta de mão de obra, o aumento dos custos de produção e a escassez de terrenos (devido à especulação imobiliária estão a ser negociados como prédios urbanos), são algumas das ameaças ao setor.
AS MÃES E AS FILHAS
Esta é uma cultura que obedece a práticas e linguagem próprias. Cada bananeira é “mãe” de um cacho. Os cachos que saem de cada bananeira são “paridos”. A partir do tronco principal da planta, na parte inferior, despontam as “refilas ou canhotas”, que podemos descrever como rebentos, aqui chamadas “filhas”. Regra geral, os produtores deixam apenas uma filha cortando as outras para não retirar energia à planta principal: “Cada bananeira dá um cacho. Isto é que dá dinheiro. A mãe deu o cacho, tiramos as folhas todas para permitir entrar luz para a filha. A mãe alimenta a filha”. Essa filha será a próxima bananeira a “parir” um cacho.
As bananeiras são plantadas, em cotas baixas, até os 300 metros na costa Sul da ilha, a área com maior exposição solar. Existem 650 hectares de bananais, que representam cerca de 14% da superfície agrícola da ilha, trabalhados por 2900 produtores, os bananicultores. A altitude faz a diferença. “Um cacho a partir do momento em que está parido, se for no verão pode ser apanhado em três meses, e quanto mais perto do mar, menos tempo”, explica-nos António dizendo que este ano houve relatos de quem tenha apanhado cachos em dois meses.
Nas cotas mais baixas da ilha, qualquer pedaço de terra é ocupado por estas plantações. Hoje António vem impecável, para a fotografia. Normalmente usa a roupa de trabalho que as bananeiras já sujaram e nenhum detergente consegue limpar. “A seiva cai em torrente e se toca na roupa não sai, parece cola. Na pele fazemos esfoliação todos os dias. Com a farda de trabalho se estiver quieto dentro do bananal ninguém me vê”.
650 HECTARES DE BANANAIS
Segundo a GESBA, as 127 noites tropicais consecutivas, entre 16 de junho e 21 de outubro, aliadas a temperaturas elevadas (março foi o mês mais quente de sempre na ilha), à abundância de água e à ausência de grandes intempéries explicam a produção excecional de banana da Madeira. Desde 2009 que a tendência é crescente, tendo atingido as 22 mil toneladas em 2022 estimando-se um recorde na ordem das 25 mil toneladas na atual campanha. A combinação perfeita deste ano de temperaturas elevadas e disponibilidade de água, permitiu aos produtores assegurar a rega de que as bananeiras precisam com abundância. Se não chover e faltar a água, o cenário mudará radicalmente.
Num bananal há sempre folhas para cortar, regas para acautelar, os tratamentos fitossanitários ou as colheitas para fazer. António Freitas usa as folhas e ramagens que retira das plantas e coloca-as no solo, em camadas, para reter humidade e matéria orgânica. Neste bananal, a rega faz-se por alagamento, a partir da água que corre da levada. Num outro terreno que cultiva, na fajã, optou por um sistema de rega, em que recorre a água de um reservatório que o seu avô escavou na rocha há décadas. Em novembro a ilha parece estar cheia de água, são os verões que fazem estas gentes andar em cuidados, com a água a ser racionada.
Nesta plantação estão vários cachos que pendem, pesados, com dezenas de bananas (pencas), alguns deverão ter 80 quilos cada. Mais umas semanas, e serão cortados. “Para ser rentável, o bananal tem de dar pelo menos 50 toneladas por hectare por ano”. António trabalha com a variedade musa acuminata, conhecida no meio como africana, e em menor quantidade com a gruesa. A banana anã é a mais característica da ilha, mas menos rentável. O principal destino da produção da banana da Madeira é Portugal Continental (Expresso, texto da jornalista Marina Almeida e fotos de Duarte Sá)
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