sábado, novembro 11, 2023

“O sol nasce no Essequibo!”: soam tambores de guerra entre Venezuela e Guiana por causa das “Malvinas argentinas”

Regime bolivariano aproveita disputa territorial de há dois séculos para galvanizar apoio face a uma oposição reforçada. Comunidade internacional inclina-se para não apoiar Caracas. Picado pelo fenómeno político María Corina Machado — a vencedora por esmagadora maioria das primárias da oposição para as presidenciais de 2024 —, Nicolás Maduro passou ao contra-ataque com uma aposta arriscada: o fervor nacionalista. “Recuperar a Guiana Essequiba é uma missão da pátria”, vociferou, esta semana, o autointitulado “Presidente Povo”, rodeado dos principais dirigentes do chavismo.

A revolução bolivariana lança-se numa campanha a contrarrelógio para o país responder afirmativamente às cinco perguntas do referendo marcado para 5 dezembro sobre a Guiana Essequiba, também conhecida como Essequibo, território a oeste do rio homónimo que Caracas disputa, há dois séculos, com a vizinha Guiana, antiga colónia britânica com capital em Georgetown. A estratégia de Maduro passa por espicaçar o sentimento nacionalista em torno daqueles 160 mil quilómetros quadrados. Durante décadas, os venezuelanos aprenderam um mapa do seu país cujo extremo oriental tinha, a tracejado, o território contestado. A cada desfile militar, os soldados gritam a plenos pulmões: “O sol nasce no Essequibo!”.

Hugo Chávez ignorou a questão sem pestanejar. “Montes e cobras”, dizia-se na fronteira para descrever aquela zona. O próprio Maduro nunca quis saber do assunto, até porque a Guiana é aliada histórica de Cuba e faz parte da comunidade caribenha a que Caracas sempre recorreu para obter apoios internacionais. Acontece que Machado, a sua nova rival, encabeçou há mais de dez anos (e em vão) várias ações para forçar o chavismo a não se esquecer da reclamação histórica.

Nada disso importa, porque tudo mudou depois das milionárias descobertas de recursos energéticos na Guiana Essequiba. Maduro acusa o Presidente da Guiana, Irfaan Ali, de ser um “palerma a soldo da Exxon Mobil”. O chavismo não quis saber do Essequibo porque a petrolífera americana ainda não detetara sob as águas do Oceano Atlântico uma gigantesca bolsa de ouro negro estimada em 5500 milhões de barris.

SEGUNDO MAIOR CRESCIMENTO DO MUNDO

O resto não vem nos livros de História, mas nos jornais. O PIB da Guiana, com apenas 700 mil habitantes, cresceu 62% em 2022, prevendo-se que até ao final da década mantenha um ritmo de incremento de 25% ao ano. Em 2027 atingirá um milhão de barris por dia, enquanto a Venezuela se move com dificuldade em redor dos 700 mil. A Guiana já tem o segundo maior crescimento do mundo.

“Maduro procura injetar esteroides nacionalistas na sua campanha de reeleição e deseja polarizar uma opinião pública que ainda está sob os efeitos das primárias da oposição. Quer ser ponto de união com base num dos consensos que juntam todos os venezuelanos: a ferida fronteiriça que há no leste do território. Nada como um conflito com vocação bélica para tentar lavar a cara e mobilizar os cidadãos no momento mais baixo da sua popularidade”, comenta ao Expresso o sociólogo Gianni Finco. Frisa que a propagada bolivariana já compara o caso do Essequibo com as Malvinas argentinas, hoje Falkland sob soberania britânica. Em 2010, Chávez fez um discurso em que exigia a Isabel II que devolvesse o arquipélago a Buenos Aires: “Rainha de Inglaterra, já se acabaram os impérios!”

“Existe a possibilidade de o regime utilizar o Essequibo como a ditadura argentina fez com as Malvinas, para confundir e distrair o povo da enorme derrota [2,4 milhões de pessoas votaram nas primárias vencidas por Machado]. Todos apoiamos a reclamação legítima sobre o Essequibo por via do Direito, sem necessidade de referendo”, afirma Ángel Rafael Lombardi, vencedor do Prémio Nacional de História.

O referendo, as declarações cada vez mais contundentes, os movimentos de tropas e a construção de uma pista para aviões militares marcam a escalada entre governos. “Irfaan Ali toca tambores de guerra e ameaça a paz na nossa América Latina. Segue à risca o guião ditado pela Exxon Mobil para semear o confronto entre dois países vizinhos”, arengou a vice-presidente chavista, Delcy Rodríguez.

NOVAS DESCOBERTAS DE PETRÓLEO

Uma das perguntas da consulta popular contempla a criação de um estado na Guiana Essequiba, que seria anexado por Caracas. “Tem potencial para incitar à violência e pôr em perigo a paz”, contra-atacou o Governo da Guiana, que conta com o apoio dos Estados Unidos.

As autoridades de Georgetown divulgaram há duas semanas novas descobertas de petróleo e concessão de licenças de extração a companhias internacionais. A Venezuela reagiu com movimentos de tropas em direção à fronteira e o seu ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, alertou os vizinhos: “Terão resposta contundente e proporcional”.

O exército aproveitou a conjuntura para construir uma pista de aterragem muito perto da zona disputada, visitada por Ali num “show mediático guerreiro”, segundo Caracas. Nas últimas horas, a revolução bolivariana foi mais longe, acusando Washington de planear construir uma base militar na Guiana, depois de a embaixadora dos Estados Unidos em Georgetown ter saído em defesa do Executivo local.

No âmbito internacional, a exigência venezuelana não é convincente. Em abril deste ano, o Tribunal Internacional de Justiça decidiu contra Caracas, que recorreu sem êxito. A mesma instituição recebeu um pedido da Guiana para reivindicar ao Governo bolivariano a anulação do referendo, que considera parte de um “plano sinistro para apoderar-se de território guianês”. Tanto a Organização dos Estados Americanos (OEA) como a Comunidade das Caraíbas (Caricom) permanecem do lado da Guiana (Expresso, texto do jornalista Daniel Lozano)

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