quinta-feira, outubro 01, 2015

Legislativas-2015: A campanha eleitoral em dez palavras

Todas as campanhas são feitas de palavras. Problema: o seu significado não é o mesmo para quem as diz e para quem as ouve. As campanhas eleitorais são caracterizadas por um conjunto de palavras que, não sendo novas, assumem um significado específico. E de algum modo ajudam a compreender o tempo e o modo de cada campanha. 
Sócrates
Das muitas coisas que se podem dizer sobre o social-democrata Paulo Rangel, falta de reflexão e inocência não são duas delas. A dúvida que levantou sobre se o antigo primeiro-ministro José Sócrates estaria preso se houvesse um governo do PS no activo fez o caminho que era suposto: lançou uma cortina de fumo que não voltou a dissipar-se. Pedro Passos Coelho quase deitaria tudo a perder quando, nos debates televisivos com António Costa, insistiu até à exaustão em acantonar o líder da oposição no ‘séquito' do ex-preso 44.
Troika
Foi um dos temas mais divertidos da campanha: mas afinal quem é que chamou a ‘troika'? Aliás, tão divertido quanto inesperado, dada a sua total ausência de sentido. No final da peleja, os portugueses mais distraídos ficaram a perceber que tanto o PS como o PSD queriam a ‘troika' em Portugal. Já os menos distraídos puderam concluir que, se não estamos em erro, a ‘troika' nunca existiu.
Radicais
Subitamente, o PS desatou a chamar radical a Pedro Passos Coelho e a Paulo Portas, por estes colocarem em causa os ensinamentos da social-democracia e da democracia-cristã, fugindo para os braços indecorosos do neo-liberalismo mais desbragado. Os líderes da coligação Portugal à Frente responderam que radical era mesmo António Costa, que faz finca pé em não viabilizar um governo minoritário da coligação. De fora, o MRPP e Garcia Pereira - que haviam engendrado a frase de campanha ‘morte aos traidores' - não deviam estar a perceber nada do que se estava a passar.
Maioria absoluta
António Costa pediu uma, Passos Coelho e Paulo Portas também não. Para os que acusavam o líder do Governo de ter um discurso sensaborão e pouco elaborado, foi um gosto ver como Passos Coelho conseguiu encontrar várias dezenas de palavras para dizer ‘absoluta' sem dizer ‘absoluta'. A Porto Editora, líder do mercado interno de dicionários de sinónimos, agradece reconhecida.
Plafonamento
Só mesmo no início da campanha era possível os portugueses terem paciência para ouvirem a retórica que envolveu a questão do plafonamento da Segurança Social. No final ficámos todos esclarecidos: o plafonamento da Segurança Social é... portanto... quer dizer, é fazer as contas.
BES
O antigo Banco Espírito Santo e o Novo Banco não podiam passar ao lado da campanha. De concreto ficou a saber-se que a factura da resolução do BES é como a dívida da Grécia: não é para pagar. Ou, pelo menos foi isso que ficou subjacente ao que disse Passos Coelho: era só uma questão contabilística, certamente pouco criativa. Pouco contabilística foi, para todos os efeitos, a intromissão dos lesados do BES na campanha eleitoral: montaram uma verdadeira perseguição aos líderes da coligação PSD/CDS e, apesar de todo o aparato policial montado em seu redor - muitas vezes com o recurso a agentes à paisana - e de os confrontos terem estado iminentes em várias ocasiões, não esmoreceram.
Syriza
Como se não bastassem aos pobres (em sentido figurado) dos gregos as agruras da política interna, ainda têm de aturar servirem de adjectivação para o que de mais infernal pode suceder a um povo europeu, qualquer que ele seja, se não for bem comportadinho, ordeiro e caladinho. O que vale é que já estão habituados: serviram para o mesmo nas eleições de Maio no Reino Unido, nas municipais de Espanha - mas neste caso o povo, que tem o seu próprio Syriza chamado Podemos, não ligou nenhuma - e até, em menor grau, nas presidenciais da Polónia. Só na Turquia é que o tema não pegou - o que se compreende, dado que, por lá, já é preocupação suficiente o facto de o presidente Recep Erdogan querer transformar-se em Califa.
Cartazes
A campanha eleitoral - ou a pré-campanha, já ninguém se lembra ao certo - não podia ter começado da melhor maneira: a polémica dos cartazes do PS foi dos acontecimentos mais risíveis dos últimos tempos, e é sempre bondoso da parte dos partidos fazerem um esforço para alegrarem o povo - principalmente numa altura em que nenhuma equipa de futebol nacional está a fazer uma campanha auspiciosa nas provas europeias de clubes. Os restantes partidos já não se riam tanto desde, pelo menos, os debates entre António Costa e António José Seguro para as eleições directas do líder PS.
Catalunha
A vitória dos partidos que apoiam a independência da Catalunha nas eleições de domingo motivou pequenos e quase envergonhados comentários da parte da maioria dos políticos portugueses. Percebe-se: se a Catalunha se tornar independente, Portugal perde o lugar de segundo país mais desenvolvido da Península Ibérica - mas ainda não será desta que saímos do pódio. Ou foi por isso, ou então foi para não afrontar o poder de Madrid, a cidade que manda num dos países mais importantes para Portugal, tanto na óptica do fornecedor, como na do cliente.
Estado social
No fundo no fundo, é sempre disso que se fala: do Estado social. Criado no Hotel Matignon, Paris, em 1936 (passe o exagero), nada indica que comemore os seus 80 anos com um mínimo de saúde. Entre os que o consideram uma excrescência de outros tempos e os que o querem recuperar, o pobre (em sentido literal) Estado social ainda continua a ser aquilo que mais divide - e por isso torna perene - a muito vilipendiada mas nunca desaparecida divisão entre direita e esquerda (texto do jornalista do Económico, António Freitas de Sousa,com a devida vénia) 

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