O país acaba de ser atirado,
inesperadamente (?), para mais uma crise política, acelerada por mais um caso
de alegada corrupção envolvendo diversos protagonistas e pondo em causa a
credibilidade e a seriedade de instituições e pessoas, numa expressão pondo em
causa o poder e todos os seus circuitos de decisão.
O PSD acabou por confrontar-se com uma
oportunidade política com a qual não contava - vivíamos numa realidade política
e governativa assente numa maioria absoluta e em sondagens que estavam longe de
favorecer os propósitos dos social-democratas, entretanto obrigados a uma
mudança radical da sua agenda a partir para eleições onde provavelmente, hoje
mais do que nunca, precisam de saber o que realmente valem nas urnas e a
recuperar a sua identidade perdida, identidade ideológica e programática.
E, nesse sentido, o PSD precisa de repensar
muita coisa e de tomar decisões políticas que só a falta de coragem e o medo
das urnas por parte de alguns líderes mais recentes têm impedido que as tome de
forma inequívocas.
O PS, é sabido, apesar de chamuscado por um
novo caso de corrupção, que acabou sendo o rastilho desta nova crise política,
vai eleger um novo líder - provavelmente
alguém que fez parte deste carrossel de corruptos e de corrupção e compadrio
com múltiplas ramificações tentaculares,
que inclusivamente se demitiu do cargo ministerial e que se viu envolto em
vários casos, o último dos quais foi o processo da TAP - e já anunciou que vai
concorrer sozinho, sem coligações pré-eleitorais mas disposto a retomar, com
Pedro Nuno Santos, depois de 10 de Março e em função do novo quadro
parlamentar, a defunta geringonça de esquerda que Costa criou em 2015 para
afastar do poder a coligação PSD-CDS, de Passos e Portas, que foi a mais votada
nas urnas mas que ficou aquém dos mandatos necessários a uma maioria absoluta
parlamentar.
Neste quadro, pergunto como ousa o PSD
insistir numa demonstração de absurda de insegurança, de medo das urnas, de
impotência em modernizar um discurso demasiado banalizado, incapaz de construir
e liderar uma efectiva alternativa política, repito, tudo porque continua a ter
medo das urnas e do voto livre dos portugueses, subvertendo as suas
prioridades? Em vez de criar condições para que essa alternativa seja
plausível, recuperando votos perdidos, milhares deles, para a abstenção, para o
Chega, para a IL e mesmo para o PS, eis o PSD apostado em ter como prioridade
das prioridades, o desenterrar de ridículas bengalas que descaracterizam ainda
mais o universo eleitoral que os social-democratas deviam liderar e não lideram
porque, ao invés de consolidarem uma identidade própria, forte e mobilizadora,
perdem-se em discutir coligações patéticas que nem mais-valias eleitorais são.
E na Madeira também não deviam, por ser
desonesto, confundir eleições legislativas nacionais e as opções livremente
tomadas pelos partidos, com a governação regional, que nada tem a ver com o
assunto. Esta continua o seu caminho no seu contexto próprio, as eleições de 10
de Março são um outro desafio, uma outra frente que exige clarificação e não
truques ditados pelo pavor das urnas.
Em situações normais, qualquer acordo entre
o PSD e o CDS na Madeira teria supostamente de garantir pelo menos um deputado
aos centristas, que durante algumas legislaturas tiveram deputados em São
Bento. Aliás, acho estranho que o CDS madeirense, com o historial em
legislativas nacionais (elegeu deputados pela RAM em 2009 e 2011), mais do que
ter falhado a eleição em 2015, 2019 e 2022 não pareça interessado em eleger de
novo um deputado em 2024 (…)
Pelos vistos recusa fazê-lo e prefere
"implorar" para se esconder numa coligação que não é autárquica nem
regional, tudo para não se submeter sozinho a eleições? Muito estranho. Para o
CDS regional não seria um jackpot político ter em São Bento o único deputado
centrista eleito para a Assembleia da República? Poderia ter acontecido em
2022! Ou será que o CDS sabe que, com o Chega e com a IL, essa eleição na RAM
não tem mais viabilidade?
Ainda por cima parece-me que falta a
coragem de olharem para os números, tanto a nível nacional como a nível
regional, e perceberem de onde vieram mais de 50% dos votantes nos novos
partidos de direita ou extrema-direita e qual a proveniência dos quase 400 mil
votos nacionais do Chega (68 mil em 2019) ou os 12 mil votos na Região obtidos
este ano (618 votos em 2019)? Caíram do céu? Obviamente que todos sabem a
resposta a essa pergunta, resposta essa que só atesta o ridículo da banalização
de certas coligações que nascem "cambadas".
Elaborei estes dois quadros que ajudam os
leitores a perceber do que falo e dos alegados “sucessos” de coligações que
tiram votos.
Como é que o PSD quer levar aos
portugueses, e muito bem, a ideia de que é uma alternativa à esquerda liderada
pelo PS e apelar ao voto útil, quando se refugia, por medo das urnas, no
recurso a coligações patéticas que nada rendem, mesmo que possamos suspeitar
que, em certos contextos, elas até podem transformar-se em abjectos
instrumentos de pressão ou de ameaça que, a ser verdade, devem ter a resposta
adequada. E depois de 10 de Março melhor ainda...
Também duvido que a Iniciativa Liberal
perdoe ao PSD de Montenegro a impraticabilidade de uma coligação na Madeira
depois das últimas regionais. E também acho bem que o líder da IL queira
submeter-se ao eleitorado sozinho, mostrando o que vale, eventualmente elegendo
mais deputados sozinho que os que poderia eleger se diluído numa qualquer
negociata de coligação, ainda por cima numa eleição que funciona à base de
círculos eleitorais separados uns dos outros no território nacional.
O PS sabe tudo isso, e tenta habilmente manipular
as movimentações do PSD e potenciais parceiros, nestes tempos eleitorais, e até
agora com algum sucesso. Se para os socialistas coligar-se à extrema-esquerda para
dar corpo à defunta geringonça (que sem os deputados do Bloco não era possível)
e que Pedro Nuno dos Santos, vai tentar ressuscitar – nunca foi problema, eles sabem
que precisam de pressionar ao máximo o PSD de Montenegro para que este afaste
qualquer cenário de acordo político, seja ele apenas parlamentar ou não, naquilo
que será meio caminho andado para que o centro-direita não consiga uma
alternativa ao PS e à potencial geringonça de esquerda 2.0. Caso não consiga
atrair eleitores do PS e da abstenção. A disputa do eleitorado entre os partidos
da direita não garante nenhuma alternativa. Esse tem sido o seu erro crasso.
Ventura, reconhecidamente um dos mais
assertivos políticos portugueses, concorde-se ou não com as suas ideias,
algumas delas mirabolantes, percebeu isso (?) e no final de uma audiência em
Belém anunciou ter garantido ao Presidente que se ele entendesse que o líder do
Chega não devia fazer parte de um governo liderado pelo PSD, ele aceitaria
ficar de fora. Claro que acredita nisto quem quer, eu não acredito, porque
tenho a certeza que depois das eleições de 10 de Março, e caso o Chega se
confirme como um partido essencial na viabilização da tal alternativa ao PS,
Ventura não abdicará de integrar um gabinete governativo liderado por
Montenegro, diga o que disser Marcelo. É tudo uma jogada política astuta de
Ventura destinada a atenuar o efeito no eleitorado da pressão promovida pela
esquerda junto da opinião pública, concretamente na contestação a um alegado
entendimento alargado envolvendo o PSD e toda a restante direita, neste momento
a única possibilidade de ser viabilizada uma alternativa a esquerda liderada
pelo PS.
Aliás a sondagem recentemente feita pela
credível, Universidade Católica, mostra, para além de um empate entre PS e PSD
- um quadro preocupante porque afinal os efeitos da crise no PS, pelo menos até
hoje, não são os que inicialmente se julgava e o PSD de Montenegro contava - um Chega e uma
Iniciativa Liberal que, juntos, têm quase a mesma representação eleitoral que o
PSD, o que não deixa de ser preocupante e demonstrativo de como o PSD continua
a não perceber como, porquê e para onde
perde eleitores. Basta fazer concas, olhar para o percurso eleitoral desde
2011, algo que os líderes políticos detestam porque percebem que a realidade
nunca lhes dá razão. Por isso refugiam-se em decisões idiotas como são as
coligações pré-eleitorais que apenas tentam esconder fragilidades, falta de
convicção, falta de apoio eleitoral, e o pavor em enfrentarem o veredicto dos
eleitores sozinhos, permitindo-lhes partilhar deste modo o insucesso, quando
ocorre, com terceiros. Uma vergonha. A falta de coragem em enfrentar nas urnas
o eleitorado, mostrando o que vale e sendo credor, por si só, do apoio que os
eleitores naturalmente entendam conceder, é uma das regras essenciais na
democracia. Os acordos podem ser, devem ser, pós-eleitorais, neles participando
apenas quem entender. Liberdade é isso mesmo.
Obviamente que cabe sempre, apenas e só ao
eleitorado, decidir e fazer as suas escolhas em função das alternativas de
estabilidade e de competência, ou não, colocadas em cima da mesa.
Lembro que a geringonça de direita nos
Açores, formalizada no final de 2020, com o PSD local a se coligar ao CDS e ao
PPM e a acordar entendimentos parlamentares com o Chega e a Iniciativa Liberal,
penalizou o PSD de Rui Rio nas legislativas de 2022 devido do discurso
pressionante da esquerda que causou claramente receio no eleitorado, receio que
eu penso que hoje se esbateu. Aliás a constante subida eleitoral do Chega, no
País e na Madeira - veremos em 2024 nos Açores - é prova disso mesmo, da
incapacidade do sistema partidário tradicional em travar o discurso do Chega e
a sua fácil penetração em vastos sectores de abstencionistas desiludidos com o
sistema político e com a democracia e a governabilidade do país.
No caso concreto da Madeira há três
interrogações que persistem sem resposta: a) o que ganha o PSD-M, no quadro da
Assembleia da República, com o seu envolvimento numa coligação eleitoral de
direita? Que ganhos obteve em 2022? b) Qual a ligação eleitoral entre as
regionais de 2023 e as legislativas nacionais de 2024, no caso do Chega e do
JPP (falo na eventual eleição de deputados de ambos, ou não)? c) Finalmente,
vai Paulo Cafofo liderar a lista do PS-M a Lisboa, mesmo que depois suspenda o
mandato para se dedicar às regionais de 2027, caso tudo se mantenha calmo na
geringonça regional e a agenda eleitoral não sofra sobressaltos? (LFM, texto
publicado em 3 partes no Tribuna da Madeira)
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