quarta-feira, dezembro 27, 2023

Opinião alheia: "Coligações e cálculos eleitorais"

Uma coligação entre PSD e CDS pode resultar numa situação curiosa. E deixar mais um dilema ao Presidente

1.NÃO ACONTECEU, MAS IA ACONTECENDO E PODE ACONTECER

Tem havido alguma discussão no PSD sobre se deve concorrer às legislativas em coligação com outros partidos ou não. Como a Iniciativa Liberal já se pôs de fora, neste momento, a questão resume-se a saber se o PSD (eventualmente, com mais algum partido irrelevante como o PPM ou o MPT) vai coligado com o CDS ou não. Do lado do CDS, é óbvio o interesse: conseguirem voltar a existir, com a vantagem de nem sequer terem de convencer algum eleitor — o que seria uma tarefa árdua.

Para o PSD, as contas são simples: o seu eleitorado está tão habituado a coligações com o CDS que, de certeza, nenhum eleitor social-democrata deixará de votar numa coligação que os inclua. Um pouco como os Verdes e o PCP. Adicionar à votação do PSD um ponto percentual de votos no CDS pode dar-lhe mais um ou outro deputado e, com as vicissitudes do método de Hondt, poderá ainda buscar mais um ou outro, contribuindo para que elejam mais deputados do que o PS

Mas a coligação pode gerar uma situação curiosa. Suponha que a coligação PSD/CDS consegue ter mais três deputados do que o PS e que o CDS fica com quatro lugares para si. Isso quer dizer que a maior bancada do Parlamento é a do Partido Socialista, ficando o Partido Social-Democrata em segundo.

Se pensa que este cenário é implausível, está enganado. Da última vez que PSD e CDS concorreram coligados, em 2015, sob a sigla PàF, tiveram 38,5% dos votos e elegeram 107 deputados; o PS teve 32,3% e elegeu 86; dos 107 deputados da PàF, 18 eram do CDS, ou seja, o PSD ficou com 89, apenas mais três do que o PS. A possibilidade que descrevo no parágrafo anterior esteve à beira de acontecer.

Foi no blogue de Vital Moreira, “Causa Nossa”, que pela primeira vez li uma defesa da modalidade de coligações light

Numa situação dessas, quem deve o Presidente da República convidar para formar Governo? A Constituição apenas diz que “o primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”, o que é suficientemente ambíguo para não ajudar a responder à pergunta. Muitos dirão que o que interessa é a soma dos deputados da coligação, mas a Lei Eleitoral é explícita a dizer que as coligações são desfeitas logo que se conheçam os resultados eleitorais. Portanto, para todos os efeitos, as bancadas parlamentares são distintas. Não é nada óbvio quem é que deverá ser convidado em primeiro lugar para formar Governo, se o líder do PS ou o do PSD. E não há jurisprudência, porque esta situação nunca aconteceu.

2.PORQUE NÃO COLIGAÇÕES LIGHT?

Ainda dentro das coligações eleitorais, permitam-me que mude de assunto. Como está a nossa lei, qualquer coligação eleitoral obriga a que haja uma lista única de deputados e que cada eleitor perca a autonomia de votar num ou noutro partido da coligação. Mas não tem de ser assim.

Seria possível haver coligações em que os partidos concorrem separados, mas que declarem ao Tribunal Constitucional, seguindo os formalismos atuais, que pretendem que os seus votos se juntem para o apuramento de resultados. Numa situação destas, no boletim de voto apareceria o CDS e o PSD em separado, mas, para o apuramento de deputados eleitos, contaria a soma dos votos nos dois partidos. Depois, a distribuição entre os deputados que cada partido da coligação elegeria seria proporcional à votação de cada um.

Este sistema tem diversas vantagens. Primeiro, apesar de coligados, cada partido mantém a sua identidade. Segundo, o eleitor não tem de se sujeitar à repartição de listas feitas pelos partidos, nas quais, verdadeiramente, não sabe em quem está a votar. Terceiro, é um sistema que promove coligações, aumentando a transparência, ficando mais claro que soluções de governo serão apoiadas por cada partido. Quarto, havendo mais coligações, diminui o voto útil, dado que deixa de haver incentivo para votar num partido só porque é o maior. Quinto, diminui o número de votos desperdiçados.

Se fossem possíveis coligações com estas características, muito provavelmente teríamos uma grande coligação entre PSD, CDS e IL — repare-se que os problemas da IL em ir coligada com o PSD seriam mitigados — e uma outra grande coligação à esquerda entre PS, PCP, BE, Verdes e Livre. Seria muito mais difícil ao novo líder socialista não prestar esclarecimentos sobre que tipo de apoios procurará para formar governo.

P.S. — Não devendo ficar com créditos que não são meus, devo dizer que foi no blogue de Vital Moreira, “Causa Nossa”, que pela primeira vez li uma defesa da modalidade de coligações light (Expresso, texto de opinião de LUÍS AGUIAR-CONRARIA, com  a devida vénia)

Sem comentários: