sexta-feira, dezembro 15, 2023

PS e PSD conquistam eleitores mais velhos. IL, PAN e Livre ganham nos jovens

A um mês da dissolução da Assembleia, politólogos fazem ao DN a análise dos eleitorados. E concluem: alguns eleitores ocasionais de Bloco de Esquerda e PCP preferiram votar no PS nas últimas legislativas e as mulheres votaram mais à esquerda do que os homens. O perfil não é fácil de traçar. Mas há linhas que são comuns e ajudam a definir o típico eleitor português: mais velho, com mais habilitações literárias, e se for ativo profissionalmente terá mais tendência a votar. Usando as palavras da investigadora Paula do Espírito Santo: até aos 25 anos, a proporção de votantes "é muito baixa". Afinal, o país tem "a típica pirâmide invertida", com a percentagem de população envelhecida a ser maior, perfazendo quase um quarto da população. Isto significa também que, quando se abstêm, os eleitores até aos 25 anos "são poucos ou são menos" do que nas restantes faixas-etárias.

Sofia Serra Silva, investigadora no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, alerta que apesar de haver "diferenças estatisticamente significativas na participação eleitoral dos jovens portugueses", é necessário "não cair em narrativas demasiado dramáticas que os empurram para o campo da apatia generalizada face ao processo político".

Ainda assim, refere Pedro Magalhães, também investigador no ICS, a ideia da abstenção jovem esbateu-se mais "do que o habitual" em 2022. Tal pode justificar-se com "duas hipóteses: a capacidade de atração destes eleitores por parte de novos partidos e o crescente recurso ao voto antecipado".

Outro dos politólogos ouvidos pelo DN confirma esta tendência. Mas segundo João Cancela, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH), há também uma "falta de identificação partidária" para muitas destas pessoas.

Paula do Espírito Santo traz também outra variável a esta equação, o estado civil de cada eleitor, que pode ter influência: "No fundo, verifica-se um ritual em relação ao voto. Por vezes, quando votam, vão votar os dois membros de um casal. Ou, então, às vezes, quando um vai primeiro, o outro pode ir também."

Aparecimento da IL tem "perfil" semelhante ao do BE

Não obstante a dificuldade em traçar o perfil dos eleitores, perceber o eleitorado-tipo de cada partido é tarefa mais fácil. Pedro Magalhães, que juntamente com João Cancela fez o estudo As bases sociais dos partidos portugueses (publicado em 2020, com uma análise até ao ano anterior) refere que "o PS, o PSD e a CDU têm um eleitorado mais envelhecido", uma marca vincada sobretudo em socialistas e sociais-democratas. Pelo contrário, "BE, Chega, e especialmente Livre, PAN e IL têm eleitores mais jovens". A passagem de votos do PCP para o Chega não se confirma. Enquanto os simpatizantes comunistas transitaram para o PS, a direita radical capitalizou nos descontentes.

Isto "é validado também pelos dados de 2022". João Cancela explica que "tal não quer dizer que a Iniciativa Liberal seja o partido mais votado nos jovens. Mas, comparando os diferentes grupos etários, a Iniciativa Liberal é bastante mais bem-sucedida entre os jovens, sobretudo aqueles com níveis de instrução mais altos, do que entre o resto da população". Algo semelhante aconteceu quando o Bloco de Esquerda apareceu e foi a eleições pela primeira vez, em 1999: "É um perfil de partido que revela um padrão de crescimento ou de penetração na sociedade que não é muito diferente." E o investigador da FCSH destaca também o caso do PAN: "É um partido que apela mais e tem um nível de votação superior também em contextos sobretudo urbanos, nomeadamente na zona de Lisboa, Setúbal, e sobretudo entre eleitoras do sexo feminino e com níveis também mais altos de instrução, portanto há esses padrões verificáveis nestes casos."

Até ao ano passado, a tendência de um gender gap eleitoral, que já existia noutros países, parecia não se verificar em Portugal (isto é, mais mulheres a votarem à esquerda do que homens). Mas em 2022, parece ter chegado por fim a Portugal. Entre o eleitorado feminino, os partidos de esquerda e centro-esquerda (juntando o PAN) somaram 58% dos votos (49% no eleitorado masculino).

Passagem de votos de PCP para Chega não se verifica

Depois das Legislativas de 2022, nas quais a CDU teve um mau resultado (o grupo parlamentar passou de 10 para seis deputados e Os Verdes ficaram sem representação no Parlamento), várias análises apontavam para uma putativa transferência de eleitores do espetro comunista para o Chega.

Mas tal pode não se ter verificado. Analisando dados a longo-prazo, Sofia Serra Silva diz que "não parecem existir transferências de voto significativas entre o PCP e qualquer outro partido". "Os dados não suportam essa ideia [de transferência entre PCP e Chega], que se proliferou pela boa prestação do Chega em algumas partes do Alentejo, em alguns bastiões do PCP e também pelo facto de a direita radical, noutros países da Europa, ter crescido através do voto do operariado industrial - um grupo que é central para a força eleitoral dos partidos comunistas. Em Portugal, os dados não suportam essa ideia".

Paula do Espírito Santo explica que "com a direita mais fragmentada, há uma escolha eleitoral diferente, que vai mais aos extremos. Isto pode também canalizar alguns dos votos do PSD tradicional". E também "alguns votantes que não se identificam com as soluções democráticas ou com o estado da situação em que estamos atualmente, do ponto de vista do regime" acabam por votar no Chega. No fundo, comunistas e radicais de direita disputam "públicos diferentes". "O voto no Chega foi muito mais um voto de protesto. É uma das razões para o crescimento do partido", enquanto os eleitores do PCP podem ter migrado para o PS, "uma resposta em relação à instabilidade motivada por não haver maioria absoluta, e os próprios partidos que não deixaram aprovar o Orçamento do Estado [em 2021, facto que originou a crise política que resultou nas eleições do ano seguinte]"

Pedro Magalhães corrobora. Com base no estudo pós-eleitoral feito em 2022, o que foi verificável "é que uma parte - pequena, mas não irrelevante - dos eleitores que dizem simpatizar com o PCP acabaram por votar no PS", tendo acontecido "algo semelhante" com o Bloco de Esquerda. No entanto, tal pode não identificar uma migração per se - "pode muito mais ser uma circunstância da eleição, no caso o voto útil".

Ou seja, resume Sofia Serra Silva com base num estudo que fez com Nélson Santos: há "um conjunto cada vez maior ao longo dos anos (2002-2022) de eleitores "desmobilizados", ou seja, de inquiridos que dizem identificar-se com o PCP mas não votaram no partido (votaram noutros partidos ou abstiveram-se). Quem são estes eleitores/votantes desmobilizados? Por comparação com os eleitores que se identificam e votam no partido, os desmobilizados são apoiantes mais jovens, também menos de esquerda (na escala esquerda-direita) e com menos probabilidade de fazerem parte de um sindicato".

Até ao ano passado, a tendência de um gender gap eleitoral parecia não se verificar em Portugal (isto é, mais mulheres a votarem à esquerda do que homens). Mas em 2022, parece ter chegado por fim. Entre o eleitorado feminino, os partidos de esquerda e centro-esquerda somaram 58% dos votos (49% no eleitorado masculino).

Com novas Legislativas marcadas para 10 de março do próximo ano, qual é, então, o desafio do partido? "Passa por mobilizar aqueles eleitores que se identificam mas não dão o seu voto ao PCP, e passa igualmente por ir além do perfil do votante comunista tradicional, nomeadamente os trabalhadores sindicalizados, os trabalhadores industriais e agrícolas e indivíduos com o ensino básico, dado que a proporção e relevância destes grupos sociais tem vindo a diminuir entre a sociedade portuguesa".

"Neste contexto", é importante "que o perfil sociodemográfico do eleitorado comunista acompanhe algumas destas alterações para que a sua relevância eleitoral não decline à medida que os grupos sociais que tradicionalmente apoiam o partido vão perdendo relevância na sociedade atual", conclui.

O eleitor-tipo

Partido Socialista: Os investigadores ouvidos pelo DN apontam o PS como sendo um partido que, tendencialmente, tem um eleitorado mais velho. É também fiel aos socialistas. De acordo com o levantamento feito por Pedro Magalhães e João Cancela, o maior número de votos, em 2022, foi de mulheres, apesar de ser um dos partidos com menos eleitorado feminino e menos instruído.

Partido Social-Democrata: O eleitorado do PSD é parecido ao do PS. Mas há mais homens a votar no PSD, em vez de mulheres. Olhando para a história, diz Paula do Espírito Santo: "Em 2005, temos uma maioria absoluta do PS. Em 2009 é maioria relativa. Dois anos depois, o PSD e o CDS têm uma maioria. No espaço de seis anos, transitam de uma maioria absoluta do PS para o PSD".

Chega: Com um crescimento acentuado nas últimas eleições, o partido conseguiu conquistar votos dos eleitores descontentes. É também muito mais votado por homens do que por mulheres (praticamente dois em cada três eleitores são do sexo masculino). É entre as pessoas com o ensino secundário que o Chega teve mais votos.

Iniciativa Liberal: A par do Chega, do PAN e do Livre, a IL é um dos partidos mais recentes do panorama político. E juntamente com o Livre e o PAN foi um dos partidos preferidos dos jovens.

A maioria dos votantes da IL são também mais instruídos (9% dos votantes com ensino superior). Apenas 1% daqueles que têm menos que o secundário escolheram os liberais.

Bloco de Esquerda: É outro dos partidos preferidos dos mais jovens (8% dos votantes jovens foi para os bloquistas). Em termos de crescimento eleitoral, as características do partido acabam por ser semelhantes às que se verificam na IL, segundo João Cancela.

De acordo com o estudo que fez com Pedro Magalhães, 55% dos votantes dos bloquistas eram do sexo feminino.

PCP/CDU: Os comunistas foram um dos partidos com mais percentagem de voto masculino. Apesar de não ter muitos eleitores jovens, a CDU teve um melhor resultado entre os 18 e os 24 anos, em pessoas sem o ensino secundário. A ideia de que o eleitorado é envelhecido não se confirma. De acordo com os investigadores, alguns dos votantes comunistas habituais podem ter transitado para o PS (DN-Lisboa, texto do jornalista Rui Miguel Godinho)

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