João Pratas, presidente da associação que
representa as gestoras de fundos considera que a correção do desequilíbrio no
sistema de pensões da Segurança Social implica que as reformas venham a sofrer
um corte. “Não faz sentido este regime ser sustentado em impostos”, defende.
“Para não ser deficitário, os reformados têm de
ganhar menos. Isto é uma coisa que nenhum político vai dizer”, afirma o
responsável pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e
Patrimónios (APFIPP). E alerta para a necessidade de não sobrecarregar as
gerações futuras.
“Desde que alguém diga: ‘eu acho que as gerações
mais novas devem continuar a pagar impostos para suportar um desequilíbrio em
que as gerações mais velhas beneficiam’, é um problema de opinião. Eu não
concordo”, diz.
Para João Pratas, os portugueses não têm
consciência de que podem perder até 40% do rendimento na reforma com as regras
atuais e apela a que sejam repostos os incentivos fiscais para este tipo de
produtos.
Os planos de poupança reforma (PPR) sob a forma de
fundos voltaram a perder dinheiro este ano. Já saíram 103 milhões de euros
destes fundos desde o início do ano, em parte para saldar o empréstimo com a
casa, tirando partido da possibilidade aberta pelo Governo. João Pratas
assinala que esta almofada financeira existe porque no passado os PPR tinham um
benefício nos impostos.
Os dados da CMVM mostram que o montante sob gestão
dos PPR encolheu 16%. Este ano, os portugueses estão a recorrer aos PPR para
abater ao crédito da casa, aproveitando que o Governo suspendeu a penalização
por resgate antecipado. Quanto é que já foi levantado este ano nos fundos?
Há uma parte grande dos PPR que nós não representamos, que são os seguros. Nos fundos de investimento vê-se algum efeito da lei favorável ao resgate, embora tenhamos que fazer a soma no final, porque muitas pessoas resgatam o PPR e depois fazem um novo, eventualmente sem benefício fiscal, ficando com o PPR liberto. Até outubro estávamos com subscrições líquidas negativas de 103 milhões em 2023, de um volume total de 3.569 milhões.
O Parlamento estendeu a 2024 a suspensão da
penalização por resgate antecipado, quando usado para amortizar o crédito.
Concorda com a medida?
A poupança deve ser estimulada em Portugal, para
várias realidades, nomeadamente para fazer face a um problema qualquer que
exista. O PPR surgiu como um produto para a reforma e que devia ser mantido
para a reforma.
Acha que as exceções que existem para o resgate
antecipado desvirtuam o produto?
Eu percebo as exceções, porque se nós estamos a
viver um momento em que temos uma crise, como agora com a subida das taxas de
juro, ainda bem que há uma poupança… Gostava de frisar que essa poupança
existe, se calhar, porque houve um incentivo fiscal para que ela fosse feita.
Mostra que o incentivo fiscal é importante. Não me choca que em circunstâncias
muito especiais que se reafete a finalidade de um determinado produto. Sem
prejuízo disso, acho que temos de olhar para o problema da Segurança Social
para perceber se não temos que reforçar os incentivos a uma poupança adicional
para este efeito porque arriscamo-nos a ter um problema sério daqui a uns anos.
As atuais regras da Segurança Social, em que a
pensão é calculada com base em toda a carreira contributiva, implicam que quem
tenha uma progressão salarial ao longo da vida profissional enfrente perdas de
rendimento na ordem dos 50% ou mais quando ficar a receber a reforma. Os
portugueses têm consciência desta situação?
Acho que não. Os portugueses não têm consciência
da situação da Segurança Social.
O problema é o desequilíbrio da Segurança Social
ou é as pessoas não terem noção da perda de rendimento que poderão ter no
futuro?
Não têm consciência nem de uma coisa nem de outra.
Comecemos pelo primeiro ponto.
O primeiro ponto tem a ver com a taxa de
substituição, ou seja, a diferença que existe entre o meu último ordenado e a
minha primeira pensão. Nós, neste momento, estamos numa média de cerca de 70%,
ou seja, quem ganha 1.000 euros mensalmente vai ganhar 700 euros na reforma. Em
2070, quem ganha 1.000 euros vai ganhar 400 euros. Vai para 40% o valor
estimado da taxa de substituição. Estes são valores do Governo, que aparecem no
Ageing Report, que é um documento feito a nível comunitário. Este é um tipo de
literacia que os governos deviam estar a fazer.
É fundamental que se faça uma reflexão a nível
nacional sobre o que é necessário para reforçar as pensões de quem passa para
40% do rendimento.
Os governos deviam alertar para esta realidade.
Já agora, também chamava a atenção para o
seguinte: da mesma maneira que uma pessoa que tem uma evolução grande na
carreira contributiva vai ter uma perda grande, porque a média vai ser inferior
ao último ordenado. Quem nunca teve evolução nenhuma, provavelmente vai estar
muito perto dos 100%. É fundamental que se faça uma reflexão a nível nacional
sobre o que é necessário para reforçar as pensões de quem passa para 40% do
rendimento. É preciso perceber qual é o esforço de poupança que têm que fazer
para colmatar essa perda.
E em relação ao desequilíbrio da Segurança Social?
Nós tivemos uma alteração grande em relação à
Caixa Geral de Aposentações e à Segurança Social. Dantes tínhamos um sistema
público e um sistema não público. A partir de determinada altura, quem entrou
para o sistema público passou a descontar para o sistema geral de Segurança
Social e, portanto, durante alguns anos, que ainda vão ser bastantes, a Caixa
Geral de Aposentações vai ser deficitária. Neste momento, o défice é à volta de
7.000 milhões. O regime da Segurança Social, em princípio, não compensa.
O Governo diz que tem um excedente.
Em 2024 há algum excedente, mas não chega. O
Ageing Report de 2024 ainda não saiu, mas o Governo já o cita no Orçamento do
Estado. O relatório de 2024 aparenta ser mais otimista que o de 2021, mas de
forma relativa, porque a partir de 2030 parece que o sistema vai ser
deficitário também na Segurança Social. 7.000 milhões é um valor elevadíssimo.
As pessoas pensam: “mas há as transferências do Orçamento” [para tapar o
défice]. Mas isso são impostos. Se não houvesse este défice de 7.000 milhões eu
podia pensar em baixar o IRS e o IRC para estimular a economia.
Esse défice de 7.000 milhões vamos tê-lo.
Esse défice vamos tê-lo. Além de um problema de
gestão do país, é um problema geracional enorme. As gerações mais novas, no
fundo, estão a trabalhar para este défice gerado para as gerações mais velhas.
Não é culpa propriamente dos governos. Tem a ver com as alterações
demográficas, com o facto de vivermos mais tempo.
O que conta aqui é se nos preparámos para essa
realidade.
Não nos preparámos, mas é urgente que nos
preparemos. Já vamos atrasados, mas é urgente olharmos para o assunto. Há uma
forma de a Segurança Social, que é fundamental nos países ocidentais e que
consiste na ideia de “pay as you go“, se equilibrada. No fundo, quem trabalha
desconta para as pessoas que estão reformadas. Se as pessoas que trabalham
forem muitas, não tem problema nenhum, porque é suficiente. Mas à medida que a
pirâmide demográfica se inverte, começa a ser um problema. Este primeiro pilar
das pensões tem de ser equilibrado, não pode ser deficitário.
O que é preciso para que seja equilibrado?
Para não ser deficitário os reformados têm de
ganhar menos. Isto é uma coisa que nenhum político vai dizer. Convém explicar
que o “pay as you go” é um sistema em que quem trabalha desconta para quem não
trabalha, mas já trabalhou. Se uma pessoa nunca trabalhou na vida,
provavelmente chega a uma determinada idade e tem uma pensão de sobrevivência.
Isso não faz parte do “pay as you go“, faz parte do Estado Social, que tem que
existir. Eu sou completamente a favor da existência do Estado Social e isso tem
de ser suportado por impostos.
Quando virmos quanto é que vai dar para pagar em
termos de reforma, se calhar vamos chegar à conclusão que, para ser
sustentável, são reformas um pouco mais baixas do que aquilo que estávamos a
pensar. A partir daí, temos que pensar em desenvolver o segundo pilar [desconto
para fundos de pensões complementar] e o terceiro pilar [poupança individual,
como os PPR] para apoiar o primeiro pilar de quem vai baixar mais [o rendimento
na reforma].
O que não deve acontecer com as pensões de quem
descontou e está na reforma.
O sistema da Segurança Social, do primeiro pilar,
devia ser sustentável. Isto obriga-nos a repensar o sistema todo. Na Suécia,
fizeram uma reforma muito grande do sistema, já agora com uma ampla parte do
Parlamento, porque isto tem que ter um acordo grande a nível nacional, de onde
decorre que as pensões podem subir e descer ao longo dos anos, dependendo da
sua sustentabilidade no primeiro pilar.
Quando virmos quanto é que vai dar para pagar em
termos de reforma, se calhar vamos chegar à conclusão que, para ser
sustentável, são reformas um pouco mais baixas do que aquilo que estávamos a
pensar. A partir daí, temos que pensar em desenvolver o segundo pilar [desconto
para fundos de pensões complementar] e o terceiro pilar [poupança individual,
como os PPR] para apoiar o primeiro pilar de quem vai baixar mais [o rendimento
na reforma]. Quem vai baixar mais, provavelmente são pessoas que também ganham mais.
Desenvolver esses pilares implica que as pessoas
descontem mais em cima do que já descontam.
Já se paga uma loucura para a Segurança Social,
entre os 11% da contribuição individual e o 23,75% das empresas. Há margem para
pagar ainda mais 10%? Temos de acabar com este défice e criar um regime
transitório, por causa dos nossos filhos. Não faz sentido este regime
sustentado em impostos. Quanto mais tarde começarmos a discutir o tema, pior.
Nós estamos à espera de um Livro Verde da Sustentabilidade da Segurança Social
que foi adiado.
A publicação do Livro Verde foi novamente adiada
por causa da queda do Governo. Não deveria ter sido mantida para ajudar ao
debate na campanha eleitoral?
Sim e em que já temos uma série de promessas de
aumentos em vários setores. Podia justificar-se. Ainda que não venha para a
mesa, os partidos deviam falar sobre o tema.
Desde que alguém diga: “eu acho que as gerações
mais novas devem continuar a pagar impostos para suportar um desequilíbrio em
que as gerações mais velhas beneficiam”, é um problema de opinião. Eu não
concordo.
O recém-eleito secretário-geral do PS, Pedro Nuno
Santos, já veio dizer que é contra o plafonamento das pensões da Segurança
Social ou a privatização do sistema.
Qualquer análise séria de um problema é
perfeitamente discutível e aceitável. Agora, o que a mim me faz mais confusão é
discutir o tema dizendo simplesmente que o sistema está equilibrado e não se
falar do défice de 7.000 milhões que há na Caixa Geral de Aposentações. Desde
que alguém diga: “eu acho que as gerações mais novas devem continuar a pagar
impostos para suportar um desequilíbrio em que as gerações mais velhas
beneficiam”, é um problema de opinião. Eu não concordo. O Fundo de
Estabilização Financeira da Segurança Social tem vinte e tal mil milhões. Se eu
o aplicar nos défices, daqui a três ou quatro anos já não existe.
A solução, então, só para fecharmos o tema, é
conseguir o equilíbrio possível no primeiro pilar e incentivar a constituição
de planos de poupança alternativos, sobretudo para aqueles que vão ter taxas de
substituição muito baixas.
É preciso ver qual é que é o universo das pessoas
que vai sofrer mais com a mudança do sistema, para então depois ver que medidas
devem ser feitas para incentivar essas pessoas a poupar o adicional necessário
para a reforma.
Acha que o benefício fiscal que já existiu devia
voltar?
Esse estímulo agora desapareceu praticamente
porque baixou e conta com uma série de outras deduções. Deixou de ter
significado. O mero facto da Assembleia da República despenalizar esta
utilização mostra um reconhecimento pelo bom que foi dar o benefício fiscal.
Tem de haver um benefício fiscal para a poupança, nomeadamente na poupança
fiscal para a reforma.
Há outro problema que é o impacto económico que
pode advir, de repente, de termos uma parte da população com uma quebra de
rendimento muito pronunciada.
Pode haver um problema social, daqui a uns anos,
de uma gravidade enorme. Também há uma vantagem em criar um buffer financeiro
em Portugal. Nós temos um forte volume em fundos de pensões que é importante
para a economia. Os fundos de pensões não investem só em Portugal, é evidente.
Mas há uma parte que fica cá e o controlo do dinheiro estar em Portugal tem a
sua importância.
Quando se olha para os PPR, não há aqui também o
problema de muitos deles terem rendibilidades que são pouco interessantes?
Quando eu olho para os produtos de ações, eu vejo
uma valorização bastante interessante. Quando eu olho para os produtos de
dívida, eu vejo uma evolução muito menos interessante, principalmente se eu
meto 2022 no pacote, porque nós viemos de um período de rendibilidades
extremamente baixas em termos de dívida. Nós estávamos com taxas de zero.
Imagine que eu tenho valorizações de 1% por ano, apanho um ano com -10% e
limpei dez anos.
Há uma série de anos que se fala do Pan-European
Personal Pension Product (PEPP), conhecido por cá como o PPR Europeu. O que
falta para ser uma realidade em Portugal?
Há um problema desde a primeira hora que é o
limite dos custos [que pode cobrar aos investidores]. O PEPP tem um limite
extremamente baixo, de 1% para tudo: comissões, despesas, tudo e mais alguma
coisa. Isto tem de ser revisto. Depois não sei se o PEPP também não tem regras
um pouco complexas, que torna difícil a aplicação nos vários países.
Acha que algum dia o PPR Europeu vai chegar ao
terreno?
Acho que sim. Tem de fazer o seu caminho. A regulamentação tardou muito. Foi recentemente publicada. Mas depois falta o regime fiscal. O desenvolvimento que possa ter vai depender dos incentivos fiscais (ECO online, parceiro CNN-Portugal texto e fotos dos jornalistas André Veríssimo e Hugo Amaral)
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