Há uma dezena de países a bater à porta da União
Europeia (UE), cujos processos de adesão estão em fases muito distintas. No
Conselho Europeu da semana passada, os dirigentes dos 27 Estados-membros
acordaram abrir as negociações para a adesão da Ucrânia e da Moldova,
concedendo à Geórgia o estatuto de país candidato.
O desejo de adesão deste trio de antigas repúblicas soviéticas foi precipitado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. O país invadido apresentou o pedido de adesão nesse mesmo mês, enquanto Moldova e Geórgia o fizeram no mês seguinte. Em junho desse ano, foi concedido o estatuto de candidatos à Ucrânia e Moldova, enquanto a Geórgia teve de aguardar até dezembro de 2023. Alguns processos arrastam-se há quase duas décadas. Ou há mais de três, no caso da Turquia, que pediu a adesão à então Comunidade Económica Europeia em 1987, obteve o estatuto de candidato em 1999 e iniciou negociações em 2005. “Na sequência do contínuo retrocesso da Turquia nos domínios da democracia, do Estado de direito e dos direitos fundamentais, as negociações de adesão entre a UE e a Turquia encontram-se num impasse desde junho de 2018”, lê-se no site do Conselho Europeu. “O ataque extraordinário da Rússia exigiu uma resposta forte da UE”, diz Jacob Öberg
Em contraponto, a adesão dos países dos Balcãs
Ocidentais foi considerada prioritária na sequência da desintegração da
Jugoslávia, no início da década de 1990. Dos sete países que compõem este bloco
regional só a Croácia faz parte da UE (aderiu em 2013), quatro estão na fase
das negociações — Macedónia do Norte (candidata desde 2005), Montenegro (desde
2010), Sérvia (2012) e Albânia (2014) —, enquanto a Bósnia-Herzegovina tem
estatuto de candidato desde o ano passado e o Kosovo é um caso muito particular.
Este candidato potencial à adesão, cujo pedido foi feito há um ano, não é
reconhecido pela Sérvia nem por cinco Estados-membros da UE: Chipre,
Eslováquia, Espanha, Grécia e Roménia. Mais a norte, a Eslovénia foi a primeira
ex-República jugoslava a aderir à UE, em 2004.
“CONTRARRESPOSTA” À RÚSSIA
O pé no acelerador dos processos ucraniano,
moldavo e até georgiano é alvo de críticas por poder abrir um precedente
perigoso e injusto, sobretudo tendo em conta processos mais antigos. “Não creio
que seja um precedente perigoso ou injusto. O ataque extraordinário da Rússia a
um país europeu, depois de esse país ter demonstrado clara intenção de se
integrar mais estreitamente na UE, exigiu resposta forte à UE por razões
puramente geopolíticas e para a sobrevivência da paz na Europa”, diz Jacob
Öberg, professor de Direito da UE na Universidade da Dinamarca do Sul. Para
este académico, o alargamento é “extremamente importante, do ponto de vista
político, como contrarresposta à atitude muito agressiva da Rússia em relação à
Europa Oriental”. Mais, acrescenta ao Expresso: “O alargamento aos países
vizinhos da Rússia é, de certa forma, existencial para o projeto de integração
europeia, pelo que exige resposta diferente da de outros casos de alargamento.”
A jurista búlgara Radosveta Vassileva,
investigadora visitante da Universidade de Middlesex, em Londres, discorda. “A
decisão recente mostra que as considerações geopolíticas se sobrepõem a
princípios e valores da UE há muito estabelecidos. E indica que o processo de
adesão passou de político-jurídico a puramente político. A UE foi rebaixada de
uma união de valores a um mero projeto de paz”, lamenta ao Expresso,
acrescentando que “esta decisão envia uma mensagem muito dececionante para os
Balcãs Ocidentais”.
UNANIMIDADE: SIM OU NÃO?
O grande obstáculo à decisão da semana passada foi
a oposição do primeiro-ministro húngaro, o que levou Bruxelas a descongelar
fundos para Budapeste, cedendo à chantagem de Viktor Orbán. Também levou
eurocéticos e euroentusiastas a questionarem-se se faz sentido que decisões
destas tenham de ser unânimes — ainda por cima, quando, para que a unanimidade
prevaleça, o diktat europeu se vê obrigado a fazer vista grossa a questões
fundamentais, como o Estado de direito.
“Mensagem muito dececionante para os Balcãs
Ocidentais”, contrapõe Radosveta Vassileva
Vassileva volta a apontar a mira às instituições
europeias. “Bruxelas colocou-se nesta situação graças a anos a apaziguar Orbán
e a entrar no jogo dele. Nada os obrigava a fechar os olhos às violações do
Estado de direito. Há muito tempo que podiam ter ativado o segundo ponto do
artigo 7º do Tratado da União Europeia contra a Hungria. Os principais
problemas são a incoerência e a dualidade de critérios de Bruxelas”,
diagnostica a jurista.
Öberg defende, por sua vez, que há “várias razões
políticas” para se questionar o requisito da unanimidade na adesão à UE, já que
“efetivamente bloqueia a tomada de decisões” e pode voltar a ser usado por
Orbán “em fases posteriores do processo para bloquear as negociações”. No
entanto, lembra o professor dinamarquês, “para eliminar o requisito da
unanimidade, seria necessário alterar os tratados da UE, o que dificilmente
seria aceite pela Hungria e por outros Estados mais autoritários”.
Acresce que a adesão é “talvez a decisão
politicamente mais sensível que a UE pode tomar”, uma vez que tem “implicações
geopolíticas e financeiras substanciais” para os restantes Estados-membros. Daí
que a eliminação do requisito da unanimidade, além de “totalmente irrealista”,
“talvez não seja desejável”.
O professor de Direito justifica, por outro lado,
a libertação de fundos para a Hungria com a Realpolitik, no sentido em que “a
adesão da Ucrânia foi considerada demasiado importante” para não avançar. Mesmo
assim, como Orbán ainda pode bloquear o orçamento da União e posteriores
negociações de adesão, a libertação de fundos tem “um custo muito elevado para
a credibilidade da UE em termos de Estado de direito”. Em última análise,
prossegue Öberg, acabou por vingar o “imperativo político” de abrir negociações
de adesão com a Ucrânia, o que se afigurou prioritário a “uma aplicação
rigorosa do regulamento relativo à condicionalidade do Estado de direito” na
Hungria de Orbán.
“AUSÊNCIA DE ÍMPETO”
Nas conclusões do Conselho Europeu lê-se que “os
futuros Estados-membros e a UE têm de estar preparados no momento da adesão”.
Logo, os processos de reforma e alargamento devem “avançar em paralelo”. As
eleições europeias, em junho, deverão atrasar ambos os processos.
“Em teoria, o Tratado da UE não tem de ser revisto para se concretizar a adesão”, sublinha Öberg. Contudo, a soma de circunstâncias como “demasiados requisitos de unanimidade”, “procedimentos lentos na tomada de decisões”, “restrições orçamentais” e receios de “impacto negativo do sector agrícola ucraniano, muito grande e competitivo, nos produtores de outros Estados-membros” exige “reformas mais substanciais do tratado”. Para o especialista, uma reforma a curto prazo “não é realista, dada a ausência de ímpeto político entre os Estados-membros”, e “não estará concluída até 2030”, ano proposto pelo presidente do Conselho Europeu para a próxima ronda de alargamento (Expresso, texto do jornalista HÉLDER GOMES e infografia de JAIME FIGUEIREDO)
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