sábado, dezembro 02, 2023

Em 2022, a abstenção nas legislativas terá sido só 35% (e não 42%). Há um milhão de eleitores a mais nos cadernos

Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sugere que a abstenção nas últimas eleições legislativas pode ter sido de 35% e não 42%, tal como foi conhecido. O fenómeno pode ser explicado pelos não residentes que continuam registados nos cadernos eleitorais em Portugal “Em território nacional, a abstenção dos eleitores nacionais que vivem efetivamente em Portugal esteve, provavelmente, mais próxima dos 35% do que dos 42%, em 2022”, é esta uma das conclusões do novo estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) sobre abstenção. Isto significa que os cadernos eleitorais de 2021 tiveram “cerca de um milhão de eleitores a mais relativamente às estimativas da população residente com cidadania portuguesa, com 18 ou mais anos”. Uma das explicações está no número de pessoas que vivem no estrangeiro e não alteraram a morada, o que significa que continuam a ser sinalizados para votar em Portugal. Todos os países têm diferenças entre o número de residentes estimados através dos Censos e o número de inscritos no recenseamento eleitoral que podem ser a menos (subrrecensiamento) ou a mais (sobrerrecensiamento). Em Portugal, estamos perante o segundo caso - há mais pessoas recenseadas do aquelas que estão realmente a morar no país. Uma das consequências é um aumento na taxa de abstenção. De acordo com o estudo “Afinal, quantas pessoas se abstêm em Portugal?”, Portugal tem uma das maiores “assimetrias” da Europa. “Portugal é o quinto país entre os 27 países da União Europeia em que a assimetria entre o número de recenseados e de residentes é maior, ficando atrás da Roménia, da Letónia, da Grécia e da Bulgária”, lê-se na investigação.

A explicação com maior peso está no número de emigrantes que, apesar de viverem fora de Portugal, continuam inscritos para votar no país. “Falamos de uma emigração que não se traduziu em alteração da morada oficial por parte dos cidadãos eleitores, que, por conseguinte, continuam recenseados em território nacional apesar de não estarem efetivamente cá”, explicou ao Expresso José Santana Pereira, investigador no ISCTE e um dos autores do estudo, juntamente com João Cancela (NOVA-FCSH) e João Bernardo Narciso (ISCTE). Com o aumento “considerável” de pessoas a saírem de Portugal nos últimos anos, o estudo apurou que “por cada três adultos portugueses que emigraram entre 2019 e 2021, pelo menos um deles não se terá recenseado no estrangeiro, conservando a sua morada e inscrição eleitoral em Portugal”.

Ao contrário do que se podia pensar, esse fator é mais relevante para empolar a abstenção do que o número de eleitores já falecidos (os chamados eleitores-fantasma). “A hipótese de que existem ainda números substanciais de eleitores-fantasma que inflacionam os números de recenseamento eleitoral não é confirmada pelo nosso estudo”, concluíram. De acordo com os dados analisados, o desvio no escalão mais idoso da população “apenas justificaria cerca de 5,5% do desvio total”. Aliás, o maior desvio encontra-se mesmo nas faixas etárias mais jovens (25-29 anos e 20-34 anos) que batem certo com as idades de quem deixa o país.

INFLAÇÃO DA ABSTENÇÃO PODE DIMINUIR SE VOTO NO ESTRANGEIRO FOR “MAIS APELATIVO”

Há vários motivos que contribuem para que quem sai de Portugal mantenha a residência no país, uns de origem mais “prática” outros mais “emocional”. “Alguns poderão achar que a sua permanência no estrangeiro é de curto prazo e não justifica uma alteração, escusando-se à burocracia associada a duas alterações de residência. Outros podem desejar manter o vínculo por motivos de identidade ou afeto. Outros podem ainda ter benefícios fiscais ou similares (manter um determinado imóvel como habitação própria permanente, por exemplo)”, apresentou o estudo.

Por outro lado, a perda do valor do voto também é identificada como potencial explicação, mesmo podendo ser a “menos representativa”. “Não é de excluir que alguns [emigrantes] possam também achar que o seu voto perde valor se acabarem por ficar inscritos num círculo eleitoral de baixíssima magnitude (os círculos de emigração elegem apenas dois deputados cada)”, explica a investigação. A isto, somam-se ainda as “dificuldades” no exercício do voto no estrangeiro: há poucos locais onde votar o que implica "maiores deslocações" aos não residentes, assim como "ineficiências" no voto postal com eleitores que "nunca chegam a receber os boletins de voto" ou que veem os votos "devolvidos".

Para diminuir a diferença entre eleitores e residentes e, consequentemente, aproximar a percentagem de abstenção da realidade, os autores deixaram algumas sugestões para incentivar os emigrantes a mudar de morada. Nomeadamente, tornando o voto no estrangeiro “mais apelativo” através do aumento do número de deputados eleitos nos dois círculos eleitorais no estrangeiro (Europa e fora da Europa) ou da fusão destes dois círculos eleitorais. Além disso, os investigadores propõem facilitar o voto à distância no estrangeiro, com extensão do voto antecipado em mobilidade à rede de embaixadas e consulados no estrangeiro.

Mesmo que estas recomendações fossem cumpridas, os autores reconhecem que “não sabem” quanto tempo levaria a acertar o valor da abstenção. “Depende dos timings de possíveis alterações dos incentivos e procedimentos e, ao mesmo tempo, da maneira como os mesmos são aceites pela população”, explicou o investigador e professor no ISCTE. Assim sendo, é expectável que a percentagem de abstenção volte a estar acima da realidade nas próximas eleições legislativa de março de 2024 e até nas europeias de junho (Expresso, texto da jornalista Margarida Coutinho). Veja aqui os documentos da FFMS que serviram de suporte a esta notícia.

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