Cinquenta anos após o processo de descolonização, uma parte
significativa da sociedade portuguesa continua a revelar uma relação
ambivalente com o passado imperial. Uma sondagem recente indica que 31,5% dos
portugueses gostariam que Portugal ainda tivesse colónias, num resultado que
evidencia a persistência de uma visão imperial na memória coletiva, apesar das
transformações políticas, sociais e históricas ocorridas desde o fim do regime
colonial.
De acordo com dados divulgados pelo Público, o estudo foi desenvolvido
pelo Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de
Lisboa (IPRI-NOVA) em parceria com a DOMP–Instituto de Estudos, no âmbito do
projeto “Legados do Colonialismo Português em África — Os portugueses, o
Império e a Guerra Colonial”, envolvendo uma amostra representativa de 1.116
inquiridos. A investigação é coordenada cientificamente por António Costa
Pinto, Bernardo Pinto da Cruz e Teresa Furtado.
Apesar de mais de 31% manifestarem nostalgia pelo império, a maioria dos inquiridos avalia positivamente o processo de descolonização: quase 58% consideram que as independências foram boas ou muito boas para Portugal, enquanto 34% as classificam como más ou muito más. Em termos comparativos, Portugal surge como o país europeu com maior percentagem de respostas favoráveis à manutenção de um império colonial, superando o Reino Unido e os Países Baixos, um dado que, segundo os autores, traduz uma relação simultaneamente marcada pela rejeição política e pela valorização simbólica do passado imperial.
O estudo revela ainda que o sentimento de orgulho prevalece sobre a
vergonha quando os portugueses são questionados sobre o império colonial: 50,6%
afirmam que é algo de que se deve sobretudo orgulhar, enquanto 20,3% dizem que
é motivo de vergonha, e 26,3% optam por uma posição intermédia. Os autores
destacam que Portugal apresenta uma das relações mais polarizadas com o seu
passado colonial, combinando níveis elevados de orgulho com uma percentagem
igualmente relevante de associação à vergonha, num padrão semelhante ao
observado em países como a Alemanha ou o Japão.
Quanto à caracterização do regime colonial, 41,8% dos inquiridos
concordam que foi racista, embora uma percentagem próxima — 35,3% — considere
que deve ser avaliado à luz dos valores da época. Cerca de 19,3% rejeitam a
ideia de que o colonialismo português tenha sido racista. No que respeita à
Guerra Colonial, a maioria entende que os crimes foram cometidos tanto por
portugueses como por africanos, com uma forte tendência para reconhecer o
sofrimento como transversal e evitar a hierarquização das vítimas, ainda que se
registem ligeiras diferenças geracionais na identificação dos principais
prejudicados.
A sondagem evidencia também clivagens políticas claras. A aceitação da ideia de um império colonial concentra-se sobretudo entre eleitores do Chega e do CDS-PP, e, em menor grau, do PSD, enquanto à esquerda a rejeição é mais expressiva, sendo praticamente total entre eleitores do Livre. No plano das soluções para lidar com o passado colonial, as opções mais consensuais passam pela abertura de arquivos, criação de monumentos comuns e apoio aos retornados, enquanto propostas como julgamentos internacionais, sanções retractivas ou pedidos oficiais de desculpa não reúnem consenso, refletindo uma resistência generalizada à judicialização ou culpabilização formal do passado (Executive Digest)



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