domingo, dezembro 07, 2025

Turismo na Madeira. Crescimento não gera consenso



Entre números que batem recordes e vozes que pedem contenção, a Madeira enfrenta um dilema: crescer quanto e até quando? Os dois lados da moeda deste crescimento do turismo. Os números são claros e positivos para a economia madeirense: o turismo tem crescido muito e a Madeira está cada vez mais na moda. A comprovar isso mesmo, está o Aeroporto Cristiano Ronaldo: alcançou, pela primeira vez, os 5 milhões de passageiros num único ano, um novo marco na história da aviação regional: um crescimento de 13,1% face a 2024.

«A Madeira é hoje mais do que um destino turístico. É um destino de investimento, de crescimento económico e de conhecimento», defendeu, nesta ocasião, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz. Ao Nascer do SOL, a Associação de Promoção da Madeira (APM) diz que «essa marca é simbólica e demonstra a vitalidade do destino». 

Como vamos detalhar mais à frente, o turismo tem crescido na Madeira mas fontes madeirenses ouvidas pelo Nascer do SOL consideram este crescimento excessivo. Defendem que já não há espaço para os locais, que os preços dispararam – seja em restauração ou habitação – e que o turismo acarreta vários problemas que têm que se travados.

Sofia Caldeira, produtora de vinhos, diz ao nosso jornal não ter dúvidas de que o turismo prejudica a população. «É a outra face da moeda», confessa. Fala do caso do Seixal, em Porto Moniz.:«Aqui, a população acaba por não ter onde estacionar o carro. O aumento do turismo fez com que houvesse um aumento brutal, desmedido e sem planeamento de carros de rent-a-car. E eles têm que estacionar em algum sítio». Só que o aumento de carros faz com que a população não tenha lugares para estacionar. «O Seixal, por ser uma terra que é muito procurada por turistas, porque é muito ‘instagramável’, acaba por atrair uma carga de carros de tal maneira que a população fica muito prejudicada, porque param os carros onde querem. Há uma falta de respeito pelos locais».

Mas este não é o único problema que Sofia Caldeira identifica, acrescentando que existe muito lixo pelas ruas da Madeira. «A Madeira é uma terra que sempre foi limpa, e noto que há muito lixo pelas estradas, deixado pelos turistas, não é pelos madeirenses», atira.

Fala ainda no aumento dos preços, defendendo que os valores praticados nos restaurantes dispararam. Atividades ao fim de semana também começaram a ser um problema. «Nos sítios que era habitual irmos, não podemos porque está cheio de turistas por todo o lado, é desagradável até para os próprios turistas. Temos que nos reinventar à procura de sítios para nos divertirmos ao fim de semana, que sejam ainda locais escondidos. Já não podemos ir onde queremos, a ilha já deixou de ser nossa», diz a empresária.

Será possível travar o crescimento excessivo?

Ciente deste lado da moeda mais negativo que o turismo possa trazer para a ilha, Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional, já tinha dito que a massificação do turismo na Madeira não vai acontecer e, recentemente, anunciou que prefere apostar no turismo de qualidade e não de quantidade. O presidente atirou ainda que a região tem em curso «um processo de reorganização desta indústria» e está a realizar «todo o trabalho para evitar a grande pressão sobre as zonas mais sensíveis do ponto de vista dos ecossistemas».

Sofia Caldeira não acredita muito numa mudança, porque «o que já está instalado, está instalado», defendendo, no entanto, que a intenção do Governo «pode não ser má». Mas acrescenta: «Mas não estou a ver conseguir fazer isso. Agora é muito difícil voltar para trás».

Ao nosso jornal, a APM defende que «a Madeira pode continuar a crescer, mas esse crescimento está a ser feito com critério e com limites bem definidos», acrescentando que a prioridade «é garantir que cada incremento de procura não compromete a qualidade de vida dos residentes, nem a experiência de quem nos visita». Sobre as declarações de Miguel Albuquerque, a associação adianta que o «objetivo não é ‘ter mais’, é ter melhor. Apostar na qualidade significa valorizar segmentos que representam maior retorno económico, que ficam mais tempo, gastam mais, respeitam o destino e procuram experiências diferenciadas».

A outra face da moeda

Nem todos olham para o turismo da mesma forma. Um empresário madeirense ouvido pelo nosso jornal atira: «A Madeira não tem turismo a mais, a Madeira não tem pressão turística, nós estamos a uma distância muito grande dos territórios que se encontram com esse fenómeno presente, os factos estão completamente regulados pela Organização Mundial do Turismo para aferir sobre a pressão turística no território», começa por dizer, justificando a sua opinião: «Basta pegar nas dormidas e dividir pelos residentes, e pegar no fluxo turístico e dividir pelos quilómetros quadrados da região, percebe-se que estamos a uma distância grande de estar em pressão». O que existe, diz, é «muito ‘achismo’, infelizmente, é mais fácil seguir essa lógica das pessoas que acham, mas que não calculam, que entendem, mas que não provam».

No entanto, aponta algumas coisas mal feitas, como a aplicação da taxa turística em cada município, lembrando que a responsabilidade de «assegurar que os pontos mais visitados e que recebem maior pressão por parte dos visitantes, não é apenas do Governo Regional e dos institutos de ambiente que zelam pela sua preservação, é também de cada município que recebe os milhões da taxa turística e que tem esses pontos turísticos na sua área de intervenção».

Por isso, defende uma «estratégia concertada de gestão desses pontos, por exemplo, quando pagam a taxa turística, terem o acesso a uma plataforma de gestão dos pontos turísticos de maior afluência que pretendem visitar, evitando assim que seja insuportável visita-los». E critica também as regras às agências de rent-a-car, «essas sim completamente desproporcionais da realidade, tornando os acessos insuportáveis. Muitas vezes por essas mesmas rent-a-car terem mais carros do que os seus próprios parques de estacionamento conseguem acolher, fazendo uma luta desenfreada ao aluguer sem regras», finaliza.

A APM dá números para justificar que não há turismo a mais. «Se avaliarmos a intensidade turística na hotelaria (dormidas por 1.000 habitantes), dados disponibilizados pela Direção Regional de Estatística revelam que, nos arquipélagos espanhóis das Baleares e das Canárias, este indicador mantém-se muito superior à registada na Madeira: em 2024, verifica-se que, por cada 1.000 residentes, a Madeira registou 32,1 mil dormidas, rácio superado pelas regiões espanholas das Baleares (58,1 mil) e Canárias (44,2 mil). De notar que as ilhas de Menorca (61,9 mil) e de Tenerife (37,1 mil) também ultrapassam o valor da Madeira».

O que existe, alega, «é uma concentração de visitantes em determinados locais e ao mesmo tempo. A Madeira continua a ter capacidade para receber quem nos procura», recordando que, a partir de 1 de janeiro de 2026, será implementado na região «um novo modelo de gestão de fluxos turísticos nos percursos recomendados e nas áreas de elevada procura». Este modelo resulta de um estudo realizado pela Universidade da Madeira, «que permitiu determinar a capacidade de carga diária dos 42 trilhos e de vários pontos naturais sensíveis». A associação explica que, «para evitar o impacto ambiental e melhorar a experiência de visita, a Região implementará um sistema de reservas através do portal Simplifica, com slots de 30 minutos e controlo em tempo real da presença de visitantes. A estratégia inclui, ainda a criação de parques estruturados, disciplina rigorosa no estacionamento e soluções de transporte mais sustentáveis, aplicadas inicialmente no Pico do Areeiro, Ribeiro Frio, Ponta de São Lourenço, Queimadas, Fanal e Rabaçal».

O que dizem os números

A região autónoma da Madeira continua a atravessar um período de forte expansão turística. Os dados mais recentes mostram subidas consistentes no número de visitantes, dormidas e proveitos – resultado de uma combinação de atrativos naturais, clima ameno e diversificação da oferta turística.

Segundo a APM, «os últimos anos foram marcados por um crescimento consistente», com «aumentos expressivos no número de hóspedes, nas dormidas e também no movimento aeroportuário». Em 2024, o alojamento turístico na Região Autónoma da Madeira registou 2,2258 milhões de hóspedes (crescimento de cerca de 6,5% em relação a 2023). As dormidas ultrapassaram os 11,8 milhões – um crescimento de +7,4% face a 2023 e +44,8% relativamente a 2019. Este ano, até setembro, registou já cerca de 1,9 milhões de hóspedes e 9,8 milhões de dormidas, crescimentos homólogos, respetivamente, de 9,7 e 8,8%. Outro sinal da atratividade da Madeira é o turismo de cruzeiro, que alcançou números recorde em 2024. Foram recebidos mais de 700 mil passageiros, distribuídos por 316 escalas de navios, com um incremento de 16,7% relativamente ao ano anterior.  Este tipo de turismo complementa o tradicional, beneficiando setores como restauração, comércio e serviços, e ampliando o impacto económico da indústria turística. 

O crescimento sustentado do turismo na Madeira traz benefícios claros: geração de receitas, criação de emprego, valorização do alojamento local e da hotelaria, e reforço do perfil internacional da região. A diversificação de mercados emissores e de tipologias de alojamento torna o setor mais resiliente.

Por outro lado, este boom turístico suscita desafios: a pressão sobre infraestruturas, a necessidade de controlo ambiental, a gestão da sazonalidade e a garantia de que o crescimento beneficie os residentes locais de forma sustentável (Sol, texto da jornalista Daniela Soares Ferreira)

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