segunda-feira, dezembro 29, 2025

Confiança melhora, mas desigualdade financeira agrava-se entre os portugueses

Incumprimento aumenta, ansiedade económica cresce e o custo de vida deixa marcas permanentes em mais de metade da população, revela o European Consumer Payment Report 2025. Apesar de alguns sinais de recuperação na confiança dos consumidores europeus, Portugal segue uma trajetória distinta. Os dados do European Consumer Payment Report 2025 (ECPR), divulgado pela Intrum, empresa de cobranças revelam um agravamento do incumprimento financeiro, um aumento da ansiedade económica e um alargamento do fosso entre consumidores com rendimentos altos e baixos.

Em 2025, apenas 77% dos consumidores portugueses afirmam ter pago todas as suas contas dentro dos prazos, uma quebra face aos 85% registados em 2024, contrariando a tendência europeia. Na União Europeia, a percentagem de consumidores que cumprem todas as obrigações aumentou de 63% em 2023 para 76% em 2025, segundo o mesmo relatório. “Apesar de alguns sinais de melhoria na confiança dos consumidores, persistem fragilidades relevantes no bem-estar financeiro das famílias portuguesas”, afirma Luís Salvaterra, director-geral da Intrum Portugal, sublinhando que Portugal “continua a revelar uma evolução distinta da média europeia”.

Salários em atraso e falta de liquidez agravam incumprimento

Um dos dados mais preocupantes do estudo prende-se com o atraso ou ausência no pagamento de salários. A percentagem de consumidores portugueses que não receberam o salário quase duplicou, passando de 12% em 2024 para 21% em 2025. Os homens são os mais afetados (26%, contra 16% das mulheres) e, em termos regionais, o Alentejo destaca-se com 55%, seguido da Área Metropolitana de Lisboa (22%).

Para Luís Salvaterra, este indicador “reflete uma maior exposição dos agregados mais vulneráveis a choques económicos e a uma maior instabilidade no mercado de trabalho”, com impactos diretos na capacidade de cumprir compromissos financeiros. A falta de dinheiro disponível mantém-se como a principal razão para o incumprimento, com impacto particularmente severo na Geração Z, onde 46% afirmam não ter fundos suficientes para pagar as contas. Ainda assim, o relatório mostra que o incumprimento nem sempre decorre de incapacidade financeira: em 2024, 29% dos consumidores indicaram esquecimento, valor que desceu ligeiramente para 27% em 2025.

Desigualdade de rendimentos aprofunda-se

O ECPR 2025 evidencia um contraste cada vez mais acentuado entre consumidores. Enquanto 89% das pessoas com rendimentos acima da média se sentem confiantes na capacidade de pagar todas as contas dentro dos prazos, apenas 36% dos consumidores de baixos rendimentos partilham essa confiança.

“O estudo evidencia um agravamento claro das diferenças entre consumidores com diferentes níveis de rendimento”, alerta Luís Salvaterra. “São os agregados com menores rendimentos que enfrentam maiores dificuldades e uma maior frequência de situações de incumprimento.” Esta fragilidade é particularmente visível na capacidade de absorver despesas inesperadas. Apenas 33% dos consumidores de baixos rendimentos afirmam conseguir suportar uma despesa imprevista de 400 euros, muito abaixo da média europeia de 52%.

Custo de vida deixa impacto permanente

Quase dois terços dos portugueses (62%) consideram que o aumento do custo de vida dos últimos anos teve um impacto negativo permanente no seu bem-estar financeiro, um valor significativamente acima da média europeia (43%). Segundo o director-geral da Intrum Portugal, “o impacto acumulado do aumento do custo de vida continua a pesar de forma estrutural nas finanças das famílias portuguesas”, afetando sobretudo os mais jovens e os grupos com menor margem financeira.

O impacto é mais sentido pela Geração Z (69%) e pela Geração X (68%). A nível regional, Alentejo, Açores e Madeira apresentam os valores mais elevados (67%), seguidos da Área Metropolitana de Lisboa (65%).

Assimetrias regionais persistem

As disparidades regionais mantêm-se acentuadas. O Centro do país surge como a região mais resiliente, com 84% dos consumidores a pagar todas as contas dentro dos prazos, enquanto o Alentejo apresenta o valor mais baixo, com apenas 46%. Na Área Metropolitana de Lisboa, o valor situa-se nos 78%. “Os dados regionais mostram que as fragilidades não estão distribuídas de forma homogénea, o que exige respostas diferenciadas e políticas mais ajustadas à realidade local”, sublinha Luís Salvaterra.

Ansiedade económica trava decisões

Portugal destaca-se também como o país europeu onde mais consumidores referem sentir ansiedade ao acompanhar notícias económicas (47%), com maior incidência entre as mulheres (53%) e a Geração Z (52%). No Alentejo, este valor sobe para 56%.

Esta incerteza traduz-se numa forte contenção do consumo: 68% dos portugueses afirmam adiar a compra de casa ou automóvel, face a uma média europeia de 45%, e 62% receiam mudar de emprego ou iniciar um negócio. Para Luís Salvaterra, “este nível de ansiedade e adiamento de decisões económicas pode comprometer o dinamismo económico, sobretudo num país fortemente dependente das pequenas e médias empresas” (Jornal Económico, texto da jornalista Teresa Cotrim)

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