Estudo mostra como o voto é cego quanto à falta de
ética e corrupção. “Dizer que os direitos dos investigados dependem do partido
com o qual simpatizamos é uma conclusão que não tranquiliza”, afirma Pedro
Magalhães. “Direitos para todos, mas menos direitos para os nossos adversários
políticos.” É assim que o investigador e sociólogo Pedro Magalhães descreve ao
Expresso, de forma curta e simples, a principal conclusão de um artigo
científico acabado de publicar na revista académica “Political Psychology”, da
International Society of Political Psychology. O estudo, intitulado “Out-party,
out of luck: Partisan biases in public support for due process in corruption
investigations”, procurou perceber como a população portuguesa em idade de
votar olha para direitos judiciais básicos, como o direito à privacidade,
nomeadamente no acesso a escutas, o direito ao bom nome e o direito à presunção
de inocência no caso de políticos investigados por suspeitas de corrupção.
Os autores concluíram que, por mais consagrados que esses direitos estejam na lei e na Constituição, os eleitores tendem a menorizá-los se se tratar de um político vindo de um partido com o qual não se identificam. A ideia subjacente é esta: se um político de quem o eleitor não gosta está a ser investigado por corrupção, alguma coisa errada deve ter feito, e se o sistema judicial é incapaz de o punir, é porque funciona mal, e se funciona mal é porque o político — de quem o eleitor não gosta — tem direitos a mais que impedem a Justiça de funcionar. “Esperávamos que os cidadãos dessem muita importância a estes direitos ou que pelo menos nos dissessem que dão muita importância. E, de facto, os valores médios da importância dada são muito altos, mas o que é crucial nos resultados é que os inquiridos tendem a desvalorizá-los quando os sujeitos investigados são de um partido do qual não gostam.” Ou seja, o que vale é a ideia inicial: “Direitos para todos, mas menos direitos para os nossos adversários políticos”, resumiu Pedro Magalhães em resposta ao Expresso, sublinhando que esta tendência é particularmente acentuada entre os que acham que o sistema judicial funciona mal. Que são a maioria.
O estudo, da autoria de Pedro Magalhães, Luís de
Sousa, Nuno Garoupa e Rui Costa-Lopes, teve por base uma amostra de 1207
eleitores portugueses (com uma taxa de resposta de 31%), sendo que o trabalho
de campo foi realizado entre os dias 14 e 30 de junho de 2024 através de
entrevistas feitas pessoalmente. Sem referência a casos concretos, a dada
altura do inquérito os inquiridos foram postos a “imaginar” uma situação com
variantes: imaginar que um político era investigado por suspeitas de corrupção,
que esse político era de um dos vários partidos do sistema português, que esse
político era o líder desse partido ou ainda que esse político era um mero
militante de base. “Depois de apresentar estes vários cenários, questionámos
qual a importância que davam aos direitos judiciais numa investigação
criminal”, explicam os autores do estudo.
O voto é cego
A conclusão foi de que a propensão dos cidadãos a
adotar uma atitude mais punitiva depende da distância, em termos de simpatia
política, a que estão dos vários partidos. Ou seja, as chamadas lealdades
partidárias, que já se sabia serem definidoras na forma como os cidadãos
exercem o direito de voto, parecem mexer também na forma como eles entendem que
a investigação judicial deve ser conduzida. “Dizer que os direitos dos
investigados dependem do partido com o qual simpatizamos é uma conclusão que
não tranquiliza”, afirma Pedro Magalhães.
Segundo explica, a ideia de aprofundar esta
temática surgiu na sequência de haver muita investigação já publicada que
mostra que a informação sobre corrupção ou falta de ética tem poucos efeitos
eleitorais. O voto tem-se revelado cego para este tipo de suspeitas. Um estudo
feito no Brasil a propósito do caso Lava Jato provou isso mesmo: quando
simpatizam com os partidos dos suspeitos, os eleitores tendem a ver as
investigações judiciais como motivadas politicamente e, nesse sentido, menos
justas. As conclusões neste caso são comparáveis. “As pessoas que se sentem
próximas de um partido tendem a ignorar ou desvalorizar informação que liga
políticos desse partido a casos de corrupção ou falta de ética”, continua o
investigador, explicando que foi a partir daqui que os autores do estudo
quiseram ver o que pensavam então as pessoas quando se tratava da fiscalização
que instituições como os tribunais exercem sobre políticos e governantes e os
direitos supostamente inquestionáveis que todos os ‘suspeitos’ devem ter.
“O desejo de ver políticos de que não se gosta
punidos parece sobrepor-se ao cumprimento integral e universal da aplicação da
lei”, lê-se nas conclusões do estudo, publicado esta semana. Segundo Pedro
Magalhães, a conclusão a que os investigadores chegaram não é
“tranquilizadora”, apesar de o poder judicial ser independente do poder
político e, em teoria, não ser influenciado pela opinião pública. “Claro que
quem investiga e julga não são os cidadãos, mas o poder judicial precisa da
confiança dos cidadãos para exercer o seu papel, e, nesse sentido, a opinião
pública afeta indiretamente o funcionamento das instituições”, diz. “Não
tenhamos ilusões.”
Medidas anticorrupção ainda a conta-gotas
O relatório mais recente do Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho da Europa (GRECO) diz que Portugal “devia” “reforçar” as medidas de “prevenção de corrupção entre juízes, procuradores e deputados”. Uma maneira simpática de dizer que Portugal ainda não implementou as recomendações deste grupo (de que Portugal faz parte) feitas há cerca de 10 anos (das 15 sugestões, só cinco estão totalmente implementadas). A agenda anticorrupção do Governo também ainda não saiu do papel. O prazo para a consulta pública do anteprojeto de lei, que prevê a perda de bens mesmo em casos em que não tenha havido condenação em tribunal, terminou na última quinta-feira e agora o Ministério da Justiça vai apreciar as contribuições antes de tentar aprovar a nova lei no Parlamento. As 32 medidas anticorrupção apresentadas pelo Governo ainda em 2024 continuam na fase de anteprojeto, à espera de serem apresentadas e discutidas na Assembleia da República (Expresso, texto dos jornalistas Rita Dinis e Rui Gustavo)
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