sábado, agosto 09, 2025

Estudo: políticos têm direito ao bom nome, mas...só se forem do partido do eleitor

Estudo mostra como o voto é cego quanto à falta de ética e corrupção. “Dizer que os direitos dos investigados dependem do partido com o qual simpatizamos é uma conclusão que não tranquiliza”, afirma Pedro Magalhães. “Direitos para todos, mas menos direitos para os nossos adversários políticos.” É assim que o investigador e soció­logo Pedro Magalhães descreve ao Expresso, de forma curta e simples, a principal conclusão de um artigo científico acabado de publicar na revista académica “Political Psychology”, da International Society of Political Psychology. O estudo, intitulado “Out-party, out of luck: Partisan biases in public support for due process in corruption investigations”, procurou perceber como a população portuguesa em idade de votar olha para direitos judiciais básicos, como o direito à privacidade, nomeadamente no acesso a escutas, o direito ao bom nome e o direito à presunção de inocência no caso de políticos investigados por suspeitas de corrupção.

Os autores concluíram que, por mais consagrados que esses direitos estejam na lei e na Constituição, os eleitores tendem a menorizá-los se se tratar de um político vindo de um partido com o qual não se identificam. A ideia subjacente é esta: se um político de quem o eleitor não gosta está a ser investigado por corrupção, alguma coisa errada deve ter feito, e se o sistema judicial é incapaz de o punir, é porque funciona mal, e se funciona mal é porque o político — de quem o eleitor não gosta — tem direitos a mais que impedem a Justiça de funcionar. “Esperávamos que os cidadãos dessem muita importância a estes direitos ou que pelo menos nos dissessem que dão muita importância. E, de facto, os valores médios da importância dada são muito altos, mas o que é crucial nos resultados é que os inquiridos tendem a desvalorizá-los quando os sujeitos investigados são de um partido do qual não gostam.” Ou seja, o que vale é a ideia inicial: “Direitos para todos, mas menos direitos para os nossos adversários políticos”, resumiu Pedro Magalhães em resposta ao Expresso, sublinhando que esta tendência é particularmente acentuada entre os que acham que o sistema judicial funciona mal. Que são a maioria.

O estudo, da autoria de Pedro Magalhães, Luís de Sousa, Nuno Garoupa e Rui Costa-Lopes, teve por base uma amostra de 1207 eleitores portugueses (com uma taxa de resposta de 31%), sendo que o trabalho de campo foi realizado entre os dias 14 e 30 de junho de 2024 através de entrevistas feitas pessoal­mente. Sem referência a casos concretos, a dada altura do inquérito os inquiridos foram postos a “imaginar” uma situação com variantes: imaginar que um político era investigado por suspeitas de corrupção, que esse político era de um dos vários partidos do sistema português, que esse político era o líder desse partido ou ainda que esse político era um mero militante de base. “Depois de apresentar estes vários cenários, questionámos qual a importância que davam aos direitos judiciais numa investigação criminal”, explicam os autores do estudo.

O voto é cego

A conclusão foi de que a propensão dos cidadãos a adotar uma atitude mais punitiva depende da distância, em termos de simpatia política, a que estão dos vários partidos. Ou seja, as chamadas lealdades partidárias, que já se sabia serem definidoras na forma como os cidadãos exercem o direito de voto, parecem mexer também na forma como eles entendem que a investigação judicial deve ser conduzida. “Dizer que os direitos dos investigados dependem do partido com o qual simpatizamos é uma conclusão que não tranquiliza”, afirma Pedro Magalhães.

Segundo explica, a ideia de aprofundar esta temática surgiu na sequência de haver muita investigação já publicada que mostra que a informação sobre corrupção ou falta de ética tem poucos efeitos eleitorais. O voto tem-se revelado cego para este tipo de suspeitas. Um estudo feito no Brasil a propósito do caso Lava Jato provou isso mesmo: quando simpatizam com os partidos dos suspeitos, os eleitores tendem a ver as investigações judiciais como motivadas politicamente e, nesse sentido, menos justas. As conclusões neste caso são comparáveis. “As pessoas que se sentem próximas de um partido tendem a ignorar ou desvalorizar informação que liga políticos desse partido a casos de corrupção ou falta de ética”, continua o investigador, explicando que foi a partir daqui que os autores do estudo quiseram ver o que pensavam então as pessoas quando se tratava da fiscalização que instituições como os tribunais exercem sobre políticos e governantes e os direitos supostamente inquestionáveis que todos os ‘suspeitos’ devem ter.

“O desejo de ver políticos de que não se gosta punidos parece sobrepor-se ao cumprimento integral e universal da aplicação da lei”, lê-se nas conclusões do estudo, publicado esta semana. Segundo Pedro Magalhães, a conclusão a que os investigadores chegaram não é “tranquilizadora”, apesar de o poder judicial ser independente do poder político e, em teoria, não ser influenciado pela opinião pública. “Claro que quem investiga e julga não são os cidadãos, mas o poder judicial precisa da confiança dos cidadãos para exercer o seu papel, e, nesse sentido, a opinião pública afeta indiretamente o funcionamento das instituições”, diz. “Não tenhamos ilusões.”

Medidas anticorrupção ainda a conta-gotas

O relatório mais recente do Grupo de Estados contra a Corrupção do Conselho da Europa (GRECO) diz que Portugal “devia” “reforçar” as medidas de “prevenção de corrupção entre juízes, procuradores e deputados”. Uma maneira simpática de dizer que Portugal ainda não implementou as recomendações deste grupo (de que Portugal faz parte) feitas há cerca de 10 anos (das 15 sugestões, só cinco estão totalmente implementadas). A agenda anticorrupção do Governo também ainda não saiu do papel. O prazo para a consulta pública do anteprojeto de lei, que prevê a perda de bens mesmo em casos em que não tenha havido condenação em tribunal, terminou na última quinta-feira e agora o Ministério da Justiça vai apreciar as contribuições antes de tentar aprovar a nova lei no Parlamento. As 32 medidas anticorrupção apresentadas pelo Governo ainda em 2024 continuam na fase de anteprojeto, à espera de serem apresentadas e discutidas na Assembleia da República (Expresso, texto dos jornalistas Rita Dinis e Rui Gustavo)

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