A ministra do
Trabalho, Rosário Palma Ramalho, quer rever o Código do Trabalho para garantir
maior flexibilidade. O anteprojeto de alteração ao Código do Trabalho
apresentado pelo Governo aos parceiros sociais, já depois de o ter aprovado em
Conselho de Ministros, modifica mais de 100 normas da atual lei laboral, com o
objetivo de “flexibilizar” o regime. A proposta, que ainda terá de ser negociada
com patrões e sindicatos, deixa na lei muito pouco do que foi introduzido há
dois anos por António Costa, no âmbito da chamada “Agenda do Trabalho Digno”.
Do lado dos sindicatos, a CGTP fala num “assalto aos direitos dos
trabalhadores” e a UGT não promete viabilizar a proposta; entre os patrões, as
alterações são positivas, havendo quem considere que deveriam até ir mais
longe. É o caso da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), que defende uma
revisão dos fundamentos para o despedimento, que passe a integrar “a
necessidade de renovação do quadro das empresas” e da Confederação dos
Agricultores de Portugal (CAP), que defende um aumento do período de trabalho.
Caso a proposta do Governo seja aprovada, entram em vigor normas polémicas como o prolongamento da duração dos contratos a termo, a imposição de novos limites para o reconhecimento da dependência económica dos trabalhadores independentes, alterações à licença de amamentação, ao regime de trabalho flexível e de teletrabalho, e outras com impacto profundo para os trabalhadores (ver texto ao lado).
Projeto de alteração legislativa continuará a ser
negociado em setembro com os parceiros sociais
Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, fala em
“mudanças profundamente negativas”. O sindicalista, que logo à saída da reunião
de concertação social e ainda sem analisar o documento em detalhe, classificava
a proposta como “um ataque aos trabalhadores e à lei sindical”, destaca agora
um claro “desequilíbrio” entre os interesses dos patrões e os direitos dos
trabalhadores. “Fomenta a precariedade, a desregulação dos horários de
trabalho, ataca ainda mais a contratação coletiva e os direitos de intervenção
dos sindicatos, a liberdade sindical, perpetua a incerteza e aumenta as
condições para intensificar a exploração”, nota, admitindo que a contestação
social fará eco para travar a “ofensiva”.
Do lado da UGT, o secretário-geral, Mário Mourão,
não quis detalhar ao Expresso a avaliação que faz da proposta antes de a
partilhar com os associados, na reunião que aconteceu já depois do fecho desta
edição. Mas, à saída da reunião de concertação social, foi perentório ao
garantir que não prometia um acordo nesta matéria, tendo transmitido ao
Executivo que “este não era o momento para uma alteração legislativa”.
Maior flexibilidade
As reservas dos sindicatos contrastam com a
posição das confederações patronais, que querem até que se vá mais longe. “O
documento aponta para soluções com potencial relevância, mas tem margem para
significativas melhorias”, destaca ao Expresso presidente da CIP, Armindo
Monteiro. O líder empresarial aplaude medidas como o regresso do banco de horas
individual, o regime de horários flexíveis, a eliminação da proibição imposta
às empresas de recurso ao outsourcing, bem como o alargamento da duração dos contratos
a termo. Mas lamenta a ausência de outras, nomeadamente quanto a despedimentos.
A proposta deveria “consagrar a necessidade de
renovação do quadro das empresas como fundamento objetivo para o despedimento”,
tendo por base a inadaptabilidade do trabalhador, o seu incumprimento ou falta
grave, defende o presidente da CIP. Atualmente a lei prevê que o despedimento
possa ocorrer por justa causa, extinção do posto de trabalho, inadaptação e
motivos económicos, estruturais ou tecnológicos. Contesta ainda a manutenção do
dever de reintegração obrigatória do trabalhador em caso de despedimento
ilícito que, diz, “apenas deveria ter lugar quando estivesse em causa um
despedimento assente em discriminação (racial, de género, orientação sexual ou
outro)”.
As alterações às regras dos despedimentos são um
tema polémico, tratado com pinças pelos vários governos. Até 2003, a lei
protegia o trabalhador e impunha barreiras ao despedimento sem justa causa.
Durão Barroso (2002-2004) reforçou a possibilidade de despedimento por extinção
de posto de trabalho ou inadaptação e, durante o resgate da troika, os
processos foram facilitados por via da redução do valor das indemnizações e
flexibilização do despedimento por inadaptação. António Costa recuou,
reforçando a fiscalização e a proteção aos trabalhadores nos casos despedimento
ilícito.
Além dos despedimentos, Armindo Monteiro defende ainda que “as faltas, mesmo que justificadas, em princípio não deveriam ser remuneradas”. E no teletrabalho, aponta, “é necessário cessar o desequilíbrio de poderes de decisão unilateral das partes”. Já Luís Mira, secretário-geral da CAP, defende que “para sectores fundamentais, que dependem de mão de obra e enfrentam enorme escassez de recursos humanos, seria relevante que a proposta considerasse o aumento do período de trabalho fixado por lei”. Sem clarificar o número de horas em causa, justifica que “a medida daria maior liberdade aos trabalhadores para determinarem as suas escolhas e, às empresas, mais recursos para fazer face às suas necessidades”. Atualmente a lei determina, na generalidade dos casos, horários de 40 semanais, podendo ir até 60 horas nalgumas situações. A propósito desta proposta, já depois da publicação da edição impressa do Expresso, a CAP esclareceu que a sua ideia de alargamento do período de trabalho definido por lei “visa o trabalho suplementar”, algo que não clarificou na informação inicialmente partilhada.
A Confederação do Turismo de Portugal (CTP), também sinaliza margem para ir mais longe, ainda que sem detalhes: “Consideramos positivas as alterações propostas, mas estamos num processo negocial que pode ainda sofrer mais alterações, num sentido ainda mais positivo e numa melhor adequação à realidade empresarial e dos seus trabalhadores”. Já a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) preferiu não tecer comentários, uma vez que “todas as alterações estão a ser analisadas juridicamente”. Contudo, o presidente, João Vieira Lopes já tinha esclarecido que para a CCP “não há temas tabu” (Expresso, texto da jornalista Cátia Mateus)
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