Maioria dos inquiridos na sondagem Expresso-SIC, incluindo dos simpatizantes do PSD, acha que país piorou no último ano. Em quase todos os setores – à cabeça, o da habitação. Há duas excepções. Longe vão os tempos em que Luís Montenegro, na altura líder da bancada do PSD, na era Passos Coelho, se referia às conquistas do Governo sob a batuta da troika com bonomia: “A vida das pessoas não está melhor, mas a do país está muito melhor.” A lógica era a de que as medidas tomadas começavam a ter efeito, mas ainda não tinham chegado aos bolsos e à perceção dos portugueses. Como está a vida das pessoas agora, um ano depois de Luís Montenegro ter sido eleito primeiro-ministro e a poucas semanas de ir a votos outra vez? Segundo a sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC, com trabalho de campo realizado entre 5 e 14 de abril, a perceção é de que a sua vida está pior e a do país também — em praticamente todos os sectores, da habitação (o pior) à saúde, passando pelo custo de vida, a criminalidade, a corrupção e a imigração. Salva-se a educação e o ambiente, e o nível dos impostos sobre o rendimento (assim-assim).
Com 803 entrevistas válidas, feitas de forma presencial, a sondagem que coloca a AD um pouco à frente do PS nas intenções de voto, como revelado pelo Expresso na semana passada, mostra como a análise qualitativa que os inquiridos fazem do trabalho do Governo não é boa. A esmagadora maioria dos inquiridos considerou que o custo da habitação e o custo de vida pioraram no último ano (82% e 81%, respetivamente), sendo que só 14% das pessoas abordadas consideram que o custo da habitação ficou na mesma, e só 16% acham que o custo de vida não sofreu alterações durante o primeiro ano da governação da AD. Melhor, ninguém diz que ficou.
Mais de metade dos que exprimem simpatia pelo PSD consideram que o custo de vida piorou no último ano
Em todos os indicadores sectoriais, de resto, a avaliação é negativa. Incluindo naqueles que o Governo fez gala de ter agido com pulso forte: 71% dos inquiridos acham que “as coisas pioraram” na criminalidade, 67% acham que pioraram na corrupção, e a perceção sobre a situação da imigração também não é melhor: 66% dizem que as coisas pioraram, 25% que ficaram na mesma e só 5% admitem que as políticas melhoraram a situação. A imigração e a segurança foram dois temas, de resto, que o Governo de Luís Montenegro agarrou particularmente no último ano, assumindo que não queria deixar partidos como o Chega a falar sozinhos sobre eles: depois de ter dado orientações para aumentar o policiamento de proximidade nas grandes cidades, ficou célebre a rusga policial na rua do Benformoso, no Martim Moniz, originando críticas da oposição por estar a ser feita uma suposta associação entre aumento da criminalidade e aumento da imigração — sem dados que o sustentassem. Neste campo, o Governo pôs fim à manifestação de interesse como condição para os imigrantes acederem a autorização de residência em Portugal (agora só podem entrar com visto de trabalho), mas a perceção, a avaliar pela sondagem feita para o Expresso e a SIC, é a de que, se a situação já era má, pior ficou.
Também é má a perceção sobre o estado do Serviço Nacional de Saúde, um dos temas que o PS mais tem usado para criticar o Governo depois de Luís Montenegro e Ana Paula Martins terem prometido um plano de emergência para os primeiros 60 dias: um ano depois, persistindo os problemas nos serviços de urgência hospitalares, 65% acham que o SNS piorou no último ano, 29% dizem que ficou na mesma, e só 5% acham que melhorou.
Simpatizantes do PSD insatisfeitos
Os únicos dois indicadores onde a avaliação é menos negativa são a educação (ensino público) e o ambiente. As pastas de Fernando Alexandre e Maria da Graça Carvalho são as únicas que têm mais avaliações neutras do que negativas, sendo que também têm uma maior fatia de inquiridos que faz uma avaliação positiva (9% dizem que “as coisas melhoraram” no ensino e ambiente). Outro indicador onde o Governo não chumba categoricamente, mas também não tem nota positiva, é no “nível dos impostos sobre o rendimento”. Aí, as opiniões dividem-se: 53% dos inquiridos acham que as coisas pioraram no último ano, 8% que melhoraram e 34% dizem que ficaram na mesma.
Olhando à lupa para a caracterização sócio-ideológica dos eleitores que disseram, sector a sector, que “as coisas pioraram” no último ano, a insatisfação atinge inclusive os simpatizantes do PSD e os eleitores de centro-direita. Mais de metade dos inquiridos que se identificam como simpatizantes do PSD (68%) entendem que o acesso à habitação piorou no último ano; 65% dos que exprimem simpatia pelo PSD também consideram que o custo de vida piorou; 58% dos potenciais votantes PSD julgam que a criminalidade ficou pior, e 53% destes eleitores acreditam que a corrupção também piorou. Só na imigração, SNS e impostos a fasquia baixa dos 50%, mas por pouco. Mesmo assim, 38% dos simpatizantes do PSD acham que as coisas pioraram no último ano no plano do peso dos impostos sobre o rendimento. O cenário não é melhor entre os que não têm simpatia partidária e que são, por isso, potenciais eleitorais a conquistar.
Governo mal, economia pior
Com trabalho de campo realizado na semana em que arrancaram os debates televisivos, em plena pré-campanha eleitoral, depois de se conhecer a averiguação preventiva do Ministério Público à empresa familiar do primeiro-ministro (e antes de se conhecer a averiguação à compra de casas de Pedro Nuno Santos), a sondagem do ICS/ISCTE mostra que são mais as avaliações negativas ao desempenho global do governo, do que as positivas: 61% dizem que o governo está a fazer um “mau” ou “muito mau” trabalho, contra 33% que lhe atribuem um “bom” ou “muito bom” trabalho. Paralelamente, a avaliação sobre a situação da economia não é melhor: quase metade dos inquiridos (49%) acham que a economia piorou, ou piorou muito, no último ano, e só 17% dizem que “melhorou” ou “melhorou muito”.
As avaliações negativas têm particular expressão junto dos eleitores que dizem ter simpatia pelo Chega (seguido dos que têm simpatia pelo PS), mas também não deixam de ser expressivas junto dos eleitores que dizem não ter simpatia partidária e junto dos que se posicionam, ideologicamente, “ao centro”. Exemplo: 8 em cada 10 inquiridos que dizem não ter simpatia partidária acham que o custo de vida piorou no último ano, e a mesma proporção de inquiridos que se identifica como “de centro” partilha dessa opinião.
Na sondagem do ICS/ISCTE de janeiro, antes de rebentar a crise política, o cenário era mais favorável para Luís Montenegro: 41% dos inquiridos avaliavam positivamente o Governo (hoje são 33%), e 45% avaliavam negativamente (hoje são 61%). Ainda assim, apesar de o Governo aparecer com má imagem neste retrato, há outros indicadores que parecem favorecer o incumbente e, nesse sentido, colocam a AD à frente nas intenções de voto: ninguém queria esta crise, a imagem de Luís Montenegro não mudou para 55% dos inquiridos face ao caso Spinumviva, e para a esmagadora maioria das pessoas (77%), as controvérsias dos últimos meses afetam “pouco” ou “nada” a decisão que vão tomar no dia 18 de maio. Mais: o desejo por maiorias estáveis parece ter regressado em força, na mesma proporção em que a base eleitoral da AD foge do Chega como diabo da cruz. Estabilidade precisa-se. O apelo ao voto útil vai mesmo dominar a campanha.
FICHA TÉCNICA
Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 5 e 14 de abril de 2025. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos de ambos os sexos com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis sexo, idade (4 grupos), instrução (3 grupos), região (NUTS II, 7 regiões) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados aleatoriamente 93 pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto nas eleições legislativas recolhida através de simulação de voto em urna. Foram contactados 2815 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 803 entrevistas válidas (taxa de resposta de 29%, taxa de cooperação de 44%). O trabalho de campo foi realizado por 35 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes em Portugal Continental, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 11). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 803 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. As percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto das jornalistas Rita Dinis e Sofia Miguel Rosa)
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