Miguel Albuquerque encomendou um estudo para "implementar" uma moeda virtual. Ministério das Finanças não comenta. Banco de Portugal esclarecerá em breve as dúvidas. PS avisa: "São aventuras financeiras." Pode a Região Autónoma da Madeira emitir e gerir uma moeda eletrónica? O Ministério das Finanças considera que não é matéria da sua alçada. O Banco de Portugal, contactado pelo DN, não respondeu até à hora de fecho desta edição - responderá mais tarde. Sérgio Gonçalves, líder do PS/Madeira, diz que "os madeirenses têm que se questionar se são estas as prioridades de governação: criptomoedas e moedas eletrónicas na região do país com maior taxa de risco de pobreza e exclusão social e menor poder de compra".
Rui Barreto, secretário regional da Economia, que contratualizou "um estudo" com a Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados, no valor de 100 mil euros, para saber se "quer do ponto de vista legal, em matéria de enquadramento jurídico, quer em termos de deveres e responsabilidades fiscais e financeiras" essa possibilidade - emitir e gerir moeda eletrónica - é realizável ou se o "enquadramento jurídico" aponta, por exemplo, outro caminho: a constituição de uma "sociedade para o efeito" [questão que também está dependente do estudo], que aguarda pelos "resultados do estudo sobre a viabilidade dessa implementação".
A "viabilidade jurídico-regulatória" [saber se o Estatuto Político-Administrativo e demais legislação em vigor permite que a Região Autónoma da Madeira possa implementar uma moeda eletrónica] está a ser "alvo", explica Rui Barreto, "do estudo que encomendámos. Vamos aguardar, primeiro, os resultados desses pareceres fundamentados, para então, depois, decidirmos e procedermos aos ajustamentos ou eventuais alterações que tenham de ser feitas".
Que moeda?
A decisão do governo de Miguel Albuquerque de "implementar um sistema de pagamento convertível equiparado, à semelhança do que já hoje acontece em grandes superfícies por via de transações por cartão" e que pretende "colocar a região na vanguarda tecnológica", garante o secretário regional da Economia, "nada tem a ver com as criptomoedas".
"Quando falamos em moeda eletrónica, temos de entendê-la como um valor monetário, representado por um crédito sobre a entidade emissora, o qual é armazenado num suporte eletrónico emitido contra a receção de fundos e aceite como meio de pagamento por diferentes entidades. Outra das características a ter em conta face às criptomoedas é que a moeda eletrónica, além de reembolsável, é também fiscalizada por uma entidade supervisora [o Banco de Portugal]. Por outras palavras, as moedas eletrónicas são sistemas controlados por instituições financeiras oficiais. Pelo contrário, no caso das criptomoedas não existe uma autoridade específica pela a sua criação, emissão e controle, além de que as transações são registadas em blockchain", esclarece Rui Barreto.
As certezas
A intenção de dotar a Madeira de "uma moeda eletrónica" tem levado a desmentidos e polémicas políticas, depois de ter sido anunciado em conferência de imprensa, durante a apresentação do novo Centro de Investigação da Universidade da Madeira, que o governo regional iria criar a criptomoeda osean, tendo ao seu dispor para o fazer "uma parceria entre a empresa Naoris Protocol e o novo centro de investigação".
David Carvalho, CEO da Naoris Protocol, assegurou nesse dia, 24 de maio, que a osean teria um valor equivalente ao euro, que seria gerida pelo governo regional e que "será mais ou menos similar ao Revolut ou TransferWise, exceto que neste caso nem sequer um cartão é necessário e também não existe uma ligação bancária. A pessoa só precisa de uma aplicação, e em qualquer circunstância, como seja para comprar fruta, para pagar o alojamento ou restaurante, é simplesmente usar a aplicação para ler o QR code e não é necessário qualquer serviço ou máquina de pagamento".
E foi ainda mais claro: "A criptomoeda fará com que os turistas, convertendo o seu dinheiro em oseans, que valem euros, esse numerário fique na ilha, e faz também com que as pessoas que estão na ilha tenham benefícios em fazer compras locais, incentivando as transações locais. Quanto mais uma pessoa gastar, mais descontos e facilidades terá nas transações."
Scott MacAndrew, presidente da Cypher by Holt Global Digital Banking, empresa que supostamente irá apoiar este processo, garantiu, nessa altura, que a "Madeira tem condições para ter a sua própria criptomoeda, que poderá ser equiparada ao euro e às mais diversas moedas".
Um projeto que representaria, pelo que foi dito, 60 milhões de euros.
Os desmentidos
Poucas horas depois, o governo regional, em comunicado, desmentiu o seu envolvimento, dizendo que "a afirmação de que o governo irá gerir uma moeda não só é falsa como afeta a imagem do governo regional".
Quase de imediato as certezas de David Carvalho ficaram reduzidas, como explicaria, citado pelo DN Madeira, a uma situação "hipotética"; que está a ser "investigada a possível utilização da criptomoeda", mas não tendo o governo regional "qualquer intervenção na iniciativa".
Questionado pelo DN, Rui Barreto reforça o argumento de que "não existe qualquer ligação formal ou informal entre o estudo que solicitámos e as entidades e projetos que aponta. Temos de reconhecer que esta é uma matéria que está a ser acompanhada pelas universidades e entidades financeiras de todo o mundo, incluindo a Universidade da Madeira, pelo que estaremos sempre atentos a todos os eventuais contributos".
E será mais ou menos similar ao Revolut ou ao Transfer Wise? "As soluções que aponta têm a ver com uma abordagem que foi tornada pública pelos seus autores, não quer dizer que seja essa a opção ou estratégia do governo regional", responde.
"Derivas e trapalhadas"
Para o líder socialista madeirense, Sérgio Gonçalves, "esta questão da moeda eletrónica na Madeira junta-se a um conjunto de derivas financeiras de Miguel Albuquerque às despesas do erário público madeirense". E dá exemplos: "À recente despesa de 100 mil euros do erário público regional gastos num escritório de advogados para estudar a implementação de moeda eletrónica região somam-se os mais de 26 mil euros pagos para ser orador durante um minuto e meio numa conferência de bitcoin em Miami." Ou seja, "derivas e trapalhadas", diz.
Que trapalhadas? O "diz que não disse", explica, que "levou, inclusivamente, o governo regional a desmentir nos jornais internacionais a afirmação de que a Madeira iria adotar o bitcoin como moeda oficial depois da ida de Miguel Albuquerque a Miami" e o desmentido sobre "a participação na criação da primeira moeda virtual madeirense, a osean, num investimento de 60 milhões de euros, alegadamente do governo regional", que são, acentua, "episódios que colocam em causa as obrigações de soberania monetária da região e a reputação da região".
Sérgio Gonçalves afirma que Miguel Albuquerque "não pode confundir os seus interesses particulares com o interesse comum da Região Autónoma da Madeira" e deixa um aviso: "Se ele quiser fazer os investimentos a título pessoal, que os faça, mas não envolva os madeirenses nestas suas aventuras financeiras." (DN de Lisboa, texto do jornalista Artur Cassiano)
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