sexta-feira, junho 24, 2022

Pilotos e gestão de costas voltadas aumentam pressão sobre a TAP

Os nervos estão à flor da pele na TAP. Paira no ar a ameaça de greve por parte do poderoso Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) e os sinais de que há uma ala dos pilotos a pressionar nesse sentido vão crescendo. Chegou a estar planeado pelo SPAC, para esta sexta-feira de manhã, um plenário que previa juntar no refeitório da TAP cerca de 400 pilotos, uma reunião que (apesar de legal) não foi autorizada pela administração, com o argumento de que estavam em causa “serviços essenciais” e que isso afetaria 120 voos e 20 mil passageiros. Era uma convocatória com contornos inéditos, pois as reuniões dos pilotos costumam realizar-se fora das instalações da transportadora (na sede do SPAC ou em hotéis) e a horas com menor impacto na operação (esta seria entre as 7h30 e as 10h30). A TAP tem 1216 pilotos e reina entre a maioria um sentimento de injustiça provocado por cortes salariais (acordados pelo SPAC) e que estão nos 45% em 2022, numa altura em que a operação recupera em força.

ATO DE GESTÃO VISTO COMO PROVOCAÇÃO

A tensão tem vindo a aumentar nos últimos dias, com a gestão e pilotos de costas voltadas, num momento-chave para a companhia, que enfrenta uma retoma acelerada, e um verão com um aeroporto congestionado, com o preço do jet fuel galopante, atrasos e cancelamentos e a falta de tripulantes. Caiu muito mal a decisão unilateral da TAP, que anunciou, num ato de gestão, uma redução dos cortes sala­riais dos trabalhadores no domingo, ao início da noite — 10% para os pilotos, que passariam a ter uma redução na remuneração de 35%, e cerca de €80 para os restantes trabalhadores, cujo corte é de 25%. Se o objetivo da equipa liderada por Christine Ourmières-Widener era aliviar a pressão, o efeito foi precisamente o contrário. O caldo entornou-se. Os sindicatos leram a decisão como uma “provocação”, e não só consideraram a redução dos custos “insignificante” como não gostaram que a gestão avançasse nas suas costas.

Os pilotos, que defendiam que a redução dos cortes fosse de 20%, foi quem reagiu com mais violência. Vieram, horas depois, falar em “terrorismo empresarial” e afirmar que a companhia os estava a tentar empurrar para uma greve para camuflar erros de gestão. Mais prudentes, os restantes sindicatos afastam a hipótese de uma paralisação, por considerarem que neste momento poderia ter um efeito contraproducente, sabe o Expresso.

Bruxelas poderá considerar que o plano está a ser incumprido se as contas começarem a divergir dos valores aprovados

Há cerca de uma década que os pilotos da TAP não fazem greve — pediam então aumentos salariais, acabaram por não ter sucesso, e só foram aumentados já com a gestão privada. Os pilotos têm o poder de parar a empresa, a greve é uma arma de pressão, mas numa altura destas há quem tema que ajude a afundar a companhia, ainda a lutar pela sobrevivência. Aliás, numa conferência de imprensa relâmpago, na quarta-feira, a presidente da TAP veio dizer que uma greve nesta altura seria “incompreensível”. Christine Ourmières-Widener defendeu que “qualquer interrupção da operação teria um impacto crítico para o futuro” da transportadora. O Governo, para já, sobre este tema tem preferido manter o silêncio.

Apesar do aumento exponencial da procura — a operação está a 90% de 2019 —, as contas da TAP estão sob forte pressão, o preço do fuel disparou nos últimos dois meses e as tarifas dos bilhetes não estão ainda a refletir os novos preços dos combustíveis e os custos operacionais mantêm-se muito elevados. A TAP teve um prejuí­zo de €1,6 mil milhões em 2021 e os primeiros meses deste ano não foram brilhantes: a companhia perdeu €121 milhões.

BRUXELAS PODERÁ TIRAR O TAPETE?

A TAP não terá muita margem de manobra para fugir ao acordo feito com a Comissão Europeia na sequência da aprovação do plano de reestruturação que permitiu ao Estado português libertar €3,2 mil milhões para salvar a transportadora. E este é um tema sensível, até porque em breve a empresa estará em Bruxelas a fazer o balanço do primeiro meio ano do plano. A Direção-Geral da Concorrência Europeia (DG Comp) está atenta à forma como o plano está a ser executado. E se as decisões que a gestão está a tomar, nomeadamente em matéria de remunerações, tiverem um impacto nas contas que façam os números divergir do previsto no plano, a Comissão Europeia pode considerar que este tem probabilidade de ser incumprido e notificar o Estado português para repor a situação, explica fonte comunitária. Em última análise, e se o nível de incumprimento for muito elevado, Bruxelas pode sempre considerar o auxílio ilegal — cuja consequência seria devolver o empréstimo. É preciso lembrar, refere a mesma fonte, que a decisão de aprovação do auxílio do Estado foi condicionada ao cumprimento do plano e ao regresso ao lucro em 2025. A TAP caminha em cima de gelo fino.

“AMADORISMO” NAS NEGOCIAÇÕES

Falta diálogo nas reuniões de discussão de alteração aos acordos de emergência que se têm feito entre a gestão executiva da TAP e os sindicatos da companhia. Fontes sindicais admitem “amadorismo”, “inexperiência” e “inabilidade” na forma como as reuniões têm estado a ser conduzidas pela equipa liderada por Christine Ourmières-Widener. Não há uma língua comum, alguns sindicatos recusam-se falar inglês. Faltam competências que antes existiam na transportadora e que facilitavam o diálogo da cúpula com os sindicatos, sublinham fontes conhecedoras da TAP, nomeadamente diretores com décadas de experiência. A inexperiência é também sentida do lado sindical, o SPAC, exemplificam, tem uma estrutura dirigente nova (Expresso, texto da jornalista ANABELA CAMPOS)

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