Esta campanha eleitoral tem sido uma tristeza franciscana, adjectivação moderada porque em circunstâncias normais teria de ir mais longe, muito mais longe, na caracterização de uma campanha eleitoral que mais de 40 anos depois de democracia revela a mediocridade da nossa classe política. Uma campanha vazia, sem conteúdo, sem mobilização, sem esperança, sem coerência, sem cativar a atenção das pessoas, pensada e executada em função do espectáculo mediático para as televisões, com autocarros a transportarem de um lado para outro militantes dos partidos a quem são distribuídas bandeiras e tambores, enfim, a encenação do costume. Eu sei bem, muito bem, como é que essas coisas se fazem, do que se faz e como se faz quando se pretendem determinados objectivos eleitorais.
Falou-se de educação, quando é sabido que aumentam os que fogem da escolaridade obrigatória porque as famílias preferem lançar os seus filhos e familiares com idade escolar no mercado de trabalho ou para "biscates" diários que lhes rendam mais uns trocos que aumentem os rendimentos dos agregados familiares?
Falou-se de educação, quando é sabido que a educação especial, que congrega as nossas crianças mais carenciadas da nossa atenção e do nosso apoio, perderá apoios?
Falou-se da educação na sua vertente do ensino superior quando é sabido que aumentam aqueles que desistem das universidades ou que a elas nem concorrem, conscientes de que não têm condições financeiras para suportarem os encargos com essa valorização fundamental numa sociedade que continua a separar os "doutores" (licenciados) dos outros, embora não seja essa a postura do mercado de trabalho?
Falou-se da saúde onde são cada vez mais aqueles que a ela não têm acesso, porque o sistema não tem condições, porque não têm recursos financeiros para comprarem medicamentos ou pagarem consultas, quando recorrem aos privados por incapacidade de resposta em tempo útil do sistema público?
Falou-se de saúde, das listas de espera, para consultas, para exames ou para operações, que atiram para o desespero milhares de pessoas?
Falou-se da justiça cada vez mais cara e cada vez mais distante das pessoas, à qual milhares de pessoas não conseguem aceder porque é cara e lenta? Falou-se do que é preciso fazer para que uma democracia garanta direitos iguais a todos os cidadãos em vez de obrigarem os portugueses a pagar milhares de euros, de forma injustificada, para que a porcaria de um tribunal superior qualquer emita um parecer ou um acórdão, no quadro de um percurso processual em que as pessoas legitimamente reclamam por justiça em defesa dos direitos que dizem ser os seus até à última instância possível?
Falou-se a sério do problema da democracia que afecta as sociedades europeias dos nossos tempos, particularmente Portugal um dos países mais afectados pelo crescente desequilíbrio populacional que a prazo terá efeitos negativos no nosso quotidiano colectivo?
Falou-se da roubalheira, melhor dizendo, da gatunagem representada pela carga fiscal vergonhosa em vigor, que massacra famílias e empresas, que vive das execuções fiscais, da penhora de bens por causa de valores ridículos e patéticos em dívida, um fisco que persegue cidadãos, que não respeita os mais pobres e carenciados que virou instrumento de pressão, coação ou de propaganda ao serviço do poder? Falou-se destes gatunos que brilham com os défices e com as "almofadas" da trampa - nas quais podem sentar as peidas à espera da próxima crise - à custa do roubo que fazem todos os dias às pessoas?
Falou-se a sério do futuro das pensões para que todos os cidadãos tenham garantida uma reforma digna e justa, pela qual trabalharam e pagaram?
Falou-se dos idosos e dos seus problemas e dramas ou angústias, que não têm apenas a ver com a vergonhosa roubalheira das suas pensões e reformas, mas com outras situações nas quais ninguém fala porque atestam o fracasso e a desumanidade das políticas governativas dos sucessivos governos de Lisboa?
Claro que não. Ainda esta semana foi divulgado um estudo europeu segundo o qual "Portugal é dos países da Europa onde as pessoas idosas são mais abandonadas, com menos profissionais a elas dedicados e menos dinheiro alocado, diz um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT)".
E isso para esta corja de medíocres que por aí andam interessa para quê? Para nada. Interessava se os idosos fossem todos votar e tivessem a dignidade de votar contra os que os têm lixado. Os que lhes roubam milhares para depois darem milhares de milhões de euros aos bancos falidos, aos corruptos do sistema financeiro, aos buracos abertos nos bancos pela gatunagem de colarinho branco e com ramificações e tentáculos ainda não devidamente desvendados pela investigação policial e pela justiça. Como isso é uma utopia, pensar no que nem é imaginável, teremos mais do mesmo. Não se queixem depois.
O que se assistiu foi a uma luta de galos tontos, entre PSD e PS, entre Passos e Costa, que saltitam de terriola em terriola, animando os média, fazendo as empresas de sondagens e barómetros encherem a pança, dois bobos da corte, que se limitam a provocações e a enviar recados um ao outro, insultando-se por vezes, mas sem dizerem nada às pessoas sobre o que realmente propõem para futuro.
Passos fala de futuro tantas vezes quantas arrota. Mas não diz mais nada. Futuro para ali, futuro para acolá, défice a 7,2% - passa ao lado - futuro para cima e futuro para baixo. E Costa? Futuro até dizer basta. Rodeou-se de um grupo de iluminados de pacotilha, na sua maioria antigos dirigentes socialistas, deputados actuais ou antigos, docentes universitários próximos, mais uns, menos outros, do PS e de Costa. Ei-los que se julgam os maiores deste mundo e arredores e toca a perorar um esboço de programa de governo que depois esbarra na ausência de explicações sobre a sua exequibilidade. Mas será que isso interessado ao Zé Povinho? Não tenho tanta certeza disso.
E o povo é arrastado nesta festa de hipócritas, beijando, abraçando, gritando, berrando, dizendo mal deste ou daquele, com mais batata ali ou menos socaria acolá, tudo em nome de uma encenação a que se juntam as sondagens ou estudos de opinião de intencionalidade duvidosa, construindo-se assim o maior embuste da democracia portuguesa.
Misturam-se sondagens com barómetros, ignora-se os valores que essas trampas indiciam e eis que todos os dias uns descem outros sobem. Se isto da campanha demorasse muito ainda veríamos estas sondagens da trampa rebentarem as escalas todas, para cima ou para baixo. É o descaramento levado ao extremo na manipulação das pessoas, no condicionamento da sua liberdade. É a campanha eleitoral transformada numa trampa mal-cheirosa na qual nadam os hipócritas e a mediocridade que gostam desde cenários, que vivem nesta merda e que com esta merda se sentem realizados. E o coitado do povo? Vai votar a 4 de Outubro, vai ser enganado, vai levar depois disso uma cacetada valente e depois vai cramar para os jornais e protestar quando lhe pedirem que o faça. Protestar? Ladrar, como diz o outro, depois do mal feito? Quando já é tarde? Quando legitimarem os gatunos e a roubalheira que eles personificam? Ou quando escolherem os que nos levaram em 2011 para esta desgraça da troika e da austeridade e que agora pretendem apresentar-se aos nossos olhos como virgens imaculadas que na política andaram sempre firmes e hirtos pelos caminhos da competência e da decência ? Vão mas é todos pró... Se me fizeram o favor. Tá bem? Fiquem bem.
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