Os casos são aos milhares e têm todos um denominador comum: dívidas ao fisco que os contribuintes não conseguem pagar e que rapidamente se transformam num verdadeiro pesadelo. Desde as penhoras dos vencimentos, a que se soma o congelamento das conta-ordenado. E mesmo o exílio.
Os bancos estão a receber diariamente milhares e milhares de pedidos da Administração Tributária para penhorarem contas dos seus clientes que estão na situação de cobrança coerciva. Só numa dessas instituições financeiras entram semanalmente cerca de 30 mil ordens nesse sentido, o que faz com que os funcionários não tenham mãos a medir. E como o sistema informático é automático, não distingue os vencimentos onde já houve retenção dos ordenados mínimos nacionais e das pensões abaixo dos 505 euros, que são impenhoráveis e podem ser levantados na hora pelos devedores.
Em contrapartida, os meios informáticos não são tão lestos a enviar a ordem para a suspensão das penhoras. Nesses casos, cabe aos contribuintes andarem de Herodes para Pilatos, entre o banco e a repartição de finanças, para resolverem a situação. Que não tem solução até as repartições de finanças enviarem um fax que permita ao contribuinte voltar a aceder à sua conta. Mas o que o fisco não explica é que a penhora só é levantada depois dos meios informáticos corroborarem a informação escrita junto dos serviços jurídicos das instituições bancárias.
É por isso que, ao contrário do que a Administração Tributária quer fazer crer aos devedores, inúmeras vezes o dinheiro só fica acessível duas ou três semanas depois de todo o processo estar concluído. Sem que os bancos possam agilizar o desbloqueamento das contas.
Exilados Fiscais
O caso da fadista Cristina Branco, que trocou Portugal pela Holanda por causa do sistema fiscal mais favorável, é paradigmático. Foi-lhe feita uma inspecção da qual resultou correcções ao IRS retroactivas a cinco anos, com base em estimativas e não em factos nem números concretos. As Finanças não fizeram o rastreio da conta imputada, nem o levantamento voluntário do sigilo bancário bem como a demonstração de ausência de sinais exteriores de riqueza. Mas isso não foi suficiente para que a repartição de Almeirim mudasse de opinião, fixando um valor e avançando para uma cobrança coerciva de milhares de euros. Dois dos cinco anos revistos perfizeram quantias duas vezes superiores aos dos restantes três, que por sua vez representaram a média do pagamento de impostos anual desde o casamento. Ou seja, apesar do volume de trabalho e as entradas de capital nesses dois anos, mais uma vez a Administração Fiscal não quis ceder. A fadista considera também que caso tivesse sido feito o cruzamento de dados com os restantes elementos envolvidos na sua actividade (músicos, técnicos e agentes) seria fácil apurar que as verbas não lhe foram pagas na totalidade. Cristina Branco sempre quis acertar as contas com o fisco, mas com base no que efectivamente ganhou. Hoje paga mensalmente cerca de 1200 euros, depois de um acordo extensível a 11 anos e com penhora de todos os bens que tem em Portugal. A Autoridade Tributária aplicou ainda a dupla tributação, ignorando a retenção na fonte feita em alguns países com os quais Portugal tem acordo.
Apesar de ilegal, teve o Ordenado e as contas penhoradas
Maria, nome fictício, viu-lhe a conta ordenado penhorada pelo fisco, muito embora já não recebesse mensalmente um sexto do seu vencimento. Dirigiu-se ao banco para saber o que se passava por não conseguir movimentar o dinheiro e foi-lhe dito que havia uma penhora da Autoridade Tributária. Pensou, e face ao erro, que a situação se resolvesse rapidamente – o fisco não pode fazer duas penhoras sobre esta fonte de rendimentos. Mas desenganem-se aqueles que ainda acreditam que estes casos se resolvem de um dia para o outro, independentemente dos contribuintes poderem passar por situações verdadeiramente dramáticas, como não conseguirem pagar o empréstimo da casa ou fazerem face às situações mais comezinhas do dia a dia. Depois de se deslocar às Finanças, foi-lhe dito que era preciso uma declaração do banco a justificar que aquela era uma conta ordenado, declaração essa que lhe custou cerca de 20 euros. Aliviada, dirigiu-se de novo à sua repartição e entregou-a, garantindo-lhe o funcionário que nesse mesmo dia, ou no máximo na manhã seguinte, enviaria um fax para o banco a fim de que este desbloqueasse a sua conta. A saga começou num dia 8 e só duas semanas depois ficou resolvida. Obrigou a segunda ida às Finanças, onde teve de voltar só para a informarem que afinal era preciso mais um requerimento e que só depois desse preenchido é que o seu caso seria analisado. Ainda demorou mais dois dias para que o fax, finalmente, chegasse ao banco. As Finanças deram uma informação importante: como o sistema é cego, pode a qualquer momento voltar a penhorar a conta que por lei não pode penhorar – a conta onde recebe o salário. “Nem imagina os casos que aqui aparecem”, desabafa a própria funcionária das Finanças.
Cruzamento de dados incluiu fiscalização às contas dos filhos
Entre os acertos e desacertos do fisco, há situações kafkianas. Em surdina, há já quem considere a Administração Tributária como um verdadeiro braço armado dos sucessivos governos para intimidar quem é incómodo. Este é provavelmente o caso do gestor de uma grande empresa, que teve de contratar um advogado só para lhe resolver os problemas com a Administração Tributária. Mais uma vez, foi feita uma correcção aleatória do imposto a pagar, fixando o fisco um valor do qual recorreu. O gestor tem cinco filhos da primeira mulher e mais dois de outro casamento, que também acabou. E paga pensões quer às ex como a todos os filhos, que ainda não atingiram a idade legal para deixarem de a receber. Mas o fisco não acreditou e chegou ao ponto de cruzar esta informação com as contas bancárias de todos os envolvidos. E como a política é pagar primeiro e reclamar depois, três anos passados continua à espera que a reclamação seja aceite e lhe devolvam as quantias que pagou a mais.
Nunca foi notificado porque estava no estrangeiro
Arnaldo Santos foi para o estrangeiro porque a empresa onde trabalhava faliu. Trabalhou alguns anos em França, sem nunca esperar que, quando regressasse a Portugal, tivesse caído nas malhas do fisco. Mas foi o que aconteceu. Durante meses e meses recebeu cartas das Finanças, exigindo o pagamento de impostos em atraso, até que a Administração Tributária avançou com uma cobrança coerciva que incluiu a penhora de bens imóveis. Tal como noutras situações, não se recusou a pagar mas demorou mais de um ano para conseguir recuperar a casa de família que por uma unha negra não foi a leilão.
Acordo com o Fisco não conseguiu evitar penhora das contas
Os meios informáticos da Autoridade Tributária disparam automaticamente, deixando pouca margem de manobra aos contribuintes quando alguma coisa corre mal. A começar pelos acordos de pagamento que são feitos nas repartições de Finanças e que não são introduzidas no sistema a tempo e horas de evitar erros. Foi o que sucedeu a João, outro nome fictício, proprietário de uma empresa que a dada altura contraiu dividas ao fisco. O empresário acabou por conseguir a verba necessária para avançar para um acordo, que mesmo assim não chegou para evitar a penhora de todas as suas contas bancárias, quer as privadas quer as da empresa. Quando foi ao banco, nem queria acreditar no que lhe estava a acontecer. E teve de se deslocar uma série de vezes às Finanças e falar com dezenas de funcionários para resolver o caso. No entretanto, ficou quase um mês sem conseguir movimentar o dinheiro que tinha no banco.
Salvou as casas mas ficou sem poder movimentar as contas
A crise mergulhou muitas famílias portugueses numa realidade bem mais difícil da que existia em Portugal em 2007. Muitos pais e avós tiveram de abrir as portas aos filhos e netos, que entretanto perderam os empregos. Foi o caso de Lurdes Sousa, que aos 65 anos abrigou as duas filhas desempregadas. E por causa disso deixou de conseguir pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis. E tal como milhares de outros contribuintes, também teve as suas contas penhoradas, o que agravou ainda mais a situação familiar. Agora já respira de alívio porque, como uma das filhas já está a trabalhar, conseguiu fazer um acordo com a Administração Tributária para pagar o que o que devia. Mesmo assim sente-se uma privilegiada porque os imóveis não foram a hasta pública (texto da jornalista MARGARIDA BON DE SOUSA, do Jornal I, com a devida vénia)
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