Enquanto a administração fiscal tem cada vez mais poderes, as empresas e os particulares têm cada vez menos. E nem mesmo os tribunais arbitrais conseguem equilibrar a balança.
A opinião dos fiscalistas é mais ou menos generalizada. Depois das mudanças nos códigos de IRC e do IRS, é agora preciso alterá-lo no sentido de melhorar a defesa dos contribuintes perante a administração tributária.
Diogo Feio, da Sérvulo & Associados, refere que nos últimos anos houve uma grande mudança na administração tributária portuguesa, que se tornou muito mais eficaz no combate à fraude e evasão fiscal, ocupando agora o 7ª lugar entre as mais eficazes da União Europeia a 28.
“À maior informatização e complexidade dos meios informáticos da Administração Tributária”, salvaguarda, “não correspondeu uma mudança no código tributário que defenda melhor os contribuintes. É preciso também avançar nessa área de forma a equilibrar a situação”. E para isso, defende, é necessário que se desça verdadeiramente ao terreno de forma a perceber-se onde estão as lacunas.
“É verdade que a Administração Tributária extravasa às vezes os direitos dos contribuintes, mas isso acontece porque não existe um cruzamento de dados entre as várias instituições”, diz. “E claro que há abusos, mas sobretudo devido à falta de informação informática. Nos casos mais mediáticos, como as penhoras das casas, a Autoridade Tributária acabou por recuar, mas é preciso que os princípios sejam extensíveis a todos os contribuintes, no âmbito da liberdade direitos e garantias”.
Para o ex-deputado europeu, os tribunais arbitrais foram uma das melhores medidas adoptadas dos últimos anos, possibilitando cada vez mais a um maior número de contribuintes recorrerem das decisões do fisco. Mas o principal, na sua opinião, é que seja modificado o código do direito fiscal.
“Houve uma reforma do código do IRS recentemente e do IRC”, diz, “falta agora avançar para o mesmo do ponto de vista dos contribuintes. Mas tem de se olhar com profundidade para a situação, que é complexa, a fim de se encontrarem soluções e se minimizarem as situações de arbitrariedade”.
O fiscalista Tiago Caiado Guerreiro tem uma visão mais pessimista da Administração Tributária e sobre o crescente número de penhoras. “Uma coisa é ter uma administração fiscal eficaz e outra coisa é massificar as penhoras sem se verificar se o Estado tem razão. E em muitos casos não tem. Primeiro penhora e a seguir verifica se tem ou não tem a legitimidade para o fazer”, diz.
Para Tiago Guerreiro, há actualmente erros massivos em inúmeras penhoras de empresas e pessoas, com enormes prejuízos para as mesmas e para a economia.” Primeiro vai-se pela cobrança e depois pela justiça, o que é problemático”, acrescenta.
Para o advogado, os direito e garantias dos contribuintes têm vindo a ser reduzidos drasticamente desde 2004, enquanto os privilégios de execução da administração fiscal aumentaram significativamente. “O que cria não a eficácia mas insegurança e duvidas, bem como a redução no investimento”, diz.
Outro dos pontos que aponta é o aumento excessivo da da burocracia, com as efacturas e outros procedimentos. “O Estado está centrado quase exclusivamente na cobrança de impostos e muito pouco, embora tenha melhorado, no controlo da despesa. E a equação é vista de uma forma muito parcial”.
Os casos mais comuns que lhe chegam são erros de enquadramento das situações, falta de clareza, normas cuja interpretação não têm qualquer ligação à letra da lei e muitos processos crimes que não fazem sentido. “E não os consigo resolver num timing relativamente curto porque todos os mecanismos não estão orientados para isso“, diz.
Quanto aos tribunais arbitrais, considera-os positivos, “embora comecem a haver casos em que a administração fiscal quando nomeia os árbitros fá-lo porque sabe que a defendem. E isso não é justiça. Está-se a fazer uma deformação do papel dos árbitros, que têm de defender a justiça quer na parte do contribuinte quer da parte da administração fiscal. E quando isso não acontece, devem ser responsabilizados e penalizados.
Outro fiscalista, Bruno Botelho Antunes, considera que o sistema automático, apesar de trazer bastantes benefícios, permitindo ao Estado reagir de forma mais ou menos célere nos pagamentos e nos incumprimentos, é por vezes cego. “Na verdade”, diz “e como não há meios humanos suficientes para reajustar os excessos cometidos pelo automatismo, e como as situações são muitas das vezes discutíveis e o próprio sistema não possui todas as informações, há um ataque absolutamente feroz contra os contribuintes. E quando este reage à situação ou tenta explicar que é um erro informático, não há funcionários para responder”.
O fiscalista reconhece que é dificílimo desbloquear estes casos, que são extremamente onerosos para os contribuintes. “E falo de pessoas que têm capacidades económicas para recorrer a advogados ou fiscalistas. Mas há milhares de pequenos contribuintes que vivem das suas pensões ou dos seus parcos salários, que às vezes por erro ou distracção, são apanhados nas malhas do fisco. E fica-lhes mais caro resolver a situação recorrendo a um advogado ou a um solicitador, acabando por pagar para conseguirem parar uma máquina que é surda”. Bruno Antunes considera também que na execução fiscal os prazos são curtíssimos, acabando por haver muita injustiça. “E essas pessoas ficam em situações verdadeiramente dramáticas”, diz (texto da jornalista MARGARIDA BON DE SOUSA, do Jornal I, com a devida vénia)
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