As sondagens indicam que nas eleições autonómicas da Catalunha será eleita uma maioria independentista. A separação catalã ameaça tornar-se no único tema das legislativas em Espanha. Estará pronta?
Os partidos pró-independência da Catalunha estão próximos de vencer as eleições autonómicas catalãs que se realizam este domingo, relançando as ambições separatistas da região e prometendo mudar os temas da campanha das eleições legislativas espanholas, que se realizam dentro de dois meses. As sondagens apontam para a vitória nas autonómicas de uma coligação denominada Junts pel Si, que reúne o núcleo central da antiga CiU, o partido liberal que dominou a política catalã durante a democracia (agora Convergência Democrática Catalã), e a esquerda republicana da ERC, além de três outras formações menores. Estes surpreendentes parceiros juntaram-se numa plataforma com um único tema: a independência.
Frustrados com a oposição de Madrid à realização de um referendo vinculativo, os dirigentes catalães defendem a ideia de que estas eleições autonómicas equivalem a um plebiscito sobre a separação. O presidente da Generalitat, Artur Mas, que será reeleito, já afirmou que uma vitória independentista “abrirá um processo de negociações”, visando “a criação de um Estado independente da Catalunha”. O próximo governo regional deverá criar em ano e meio um banco central capaz de emitir moeda e as estruturas essenciais de um Estado, nomeadamente nas áreas da justiça, fisco e relações externas. Seguir-se-á um referendo observado pela comunidade internacional.
Este plano pode chocar já na segunda-feira com um primeiro obstáculo: a confirmarem-se as sondagens, Junts pel Si ficará ligeiramente aquém da maioria absoluta, o que exigirá uma aliança ainda mais estranha, com um partido de esquerda (Candidatura de Unidade Popular), que defende a independência, mas também a saída da União Europeia.
O problema constitucional
Os partidos pró-Espanha, que estarão em minoria no parlamento catalão, recusam a retórica separatista, mas continuam divididos em relação ao que se pode fazer para manter a integridade do país. A direita recusa rever a Constituição de 1978. Não apenas o PP, no poder, mas também o partido Ciudadanos, formação que terá um bom resultado na Catalunha e que surge em quarto lugar a nível nacional. Dos dois maiores partidos da Esquerda, PSOE e Podemos, chegam posições menos claras, mas alguns dirigentes têm defendido a alteração da Constituição, em entendimento com os catalães, permitindo um Estado federal que possa evitar a secessão.
Os partidos pró-Espanha, que estarão em minoria no parlamento catalão, recusam a retórica separatista, mas continuam divididos em relação ao que se pode fazer para manter a integridade do país.
Com as sondagens para as legislativas a dar o PP e o PSOE quase empatados, e ambos precisando de outro partido para conseguir um governo estável após dezembro, a questão da Catalunha ganha espaço central no debate político nacional. Mas o argumentário tem outra complexidade quando se olha para o texto fundamental de Espanha.
O problema é que a Constituição espanhola de 1978 tem dupla legitimidade, o que significa que resultou de uma Assembleia Constituinte eleita e da respectiva aprovação em referendo popular. Na altura, 92 % dos catalães votaram a favor (em comparação, a Constituição portuguesa de 1976 também foi redigida por Assembleia Constituinte, mas nunca referendada). Tendo em conta o carácter democrático do documento, qualquer mudança constitucional pode implicar a consulta a todo o país. É o argumento do filósofo Fernando Savater: num hipotético referendo sobre a independência da Catalunha, que implica uma alteração constitucional profunda, todos os espanhóis teriam direito a voto.
Nestes debates sobre independência, os argumentos e precedentes podem ser labirínticos: há quem mencione o Kosovo ou a Eslovénia como exemplos de processos de independência que foram possíveis, mas estes países não se separaram de membros da UE. A Escócia fez um referendo legal, lembram os independentistas catalães, mas os defensores da união explicam que esse referendo, onde venceu o não, só se tornou possível num quadro constitucional totalmente diferente do espanhol. A legalidade do processo escocês foi exemplar.
A exclusão europeia – e a questão económica
Madrid tem uma bateria de argumentos jurídicos, económicos e políticos, como mostra este documento oficial do governo, mas os opositores à independência apostam sobretudo na persuasão resultante das consequências da separação – o que faz perspetivar uma dura batalha política, que passará pelas legislativas de dezembro mas pode bem não parar aí.
Madrid tem uma bateria de argumentos jurídicos, económicos e políticos para travar uma tentativa de autoproclamação da independência da Catalunha.
A Comissão Europeia já reconheceu que os Tratados da UE são claros na matéria. Se conseguir a independência, a Catalunha terá de sair da União Europeia e pedir de novo a adesão, o que por sua vez exige aprovação por todos os Estados-membros. Este processo pode ser longo e, se houver complicações, levará anos. A saída da UE implica a saída da zona euro. Enfim, a Catalunha pode usar a moeda única, mas a sua exclusão da supervisão, da união bancária e dos mecanismos de emergência do BCE tornariam o exercício altamente perigoso.
A Catalunha é obviamente viável, pois com um PIB um pouco superior ao de Portugal e 7,5 milhões de habitantes, concentra um quinto da riqueza espanhola. Mas a saída da UE poderá ter mesmo forte impacto económico. Vejamos os riscos possíveis: a independência implicaria perda de fundos comunitários e de confiança dos mercados, quebra no investimento externo, falências, desemprego, dificuldades de financiamento e empobrecimento. O comércio seria perturbado e as empresas mais poderosas perderiam no mercado espanhol, que para elas deixaria de ser um mercado interno. As organizações empresariais catalãs estão a fazer sérios avisos sobre os prejuízos de uma eventual independência, dando o exemplo de grande número de deslocalizações já realizadas.
A força da vontade chega?
Apesar dos avisos, a ideia de independência é popular na Catalunha. Nos últimos anos, tem havido gigantescas manifestações a favor da separação e, em Novembro do ano passado, foi realizado um referendo (considerado ilegal pelas autoridades de Madrid) que registou 80% a favor da independência, 1,8 milhões de votos, mas com abstenção decepcionante, tendo em conta o universo de 6,3 milhões de eleitores. Os independentistas acusam Madrid de “opressão” e dizem que estão a pagar pelo resto da Espanha, pois a Catalunha é uma das regiões mais ricas do país. Justificando as suas pretensões, os catalães reclamam uma forte identidade cultural, linguística e histórica.
Em Portugal, onde este tema tem sido pouco discutido, há sobretudo duas teses: a eventual independência catalã vai criar problemas económicos à Espanha, o nosso principal parceiro comercial, o que por sua vez causará efeitos negativos na economia portuguesa; outra tese antevê uma transição sem problemas e o aumento de influência de Portugal numa Península com três nações.
Com o voto de amanhã veremos se os resultados confirmam a tendência das sondagens. E a partir daí se verá até que ponto se começa a abrir, de facto, uma discussão de fim imprevisível no país vizinho.
Seis personagens centrais nos próximos dias
Artur Mas. O grande protagonista destas eleições regionais na Catalunha é o presidente da Generalitat, Artur Mas, que já prometeu demitir-se em caso de derrota. Embora não seja o número um da lista Juntos pelo Sim, a sua reeleição como presidente regional está garantida, se a coligação vencer as eleições. A maioria absoluta é o seu cenário ideal, para não depender da Candidatura de Unidade Popular (CUP), a outra formação separatista. O presidente catalão promete um programa de reformas independentistas inconstitucionais, nomeadamente nomeação de juízes, criação de um corpo diplomático e de uma máquina fiscal. O choque com o governo de Madrid será inevitável e a grande incógnita do próximo mandato está na viabilidade destas decisões ilegais, que os tribunais espanhóis vão anular.
Oriol Junquera. O presidente da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) é historiador e tem 46 anos. Junquera é um político pragmático que, ao fazer um pacto de poder com Artur Mas, viabilizou uma mudança radical na política catalã. A impensável coligação entre ERC e os liberais da então CiU foi uma jogada de alto risco que acelerou o caminho para a independência. Sem Junquera, Artur Mas não teria conseguido impor a sua estratégia independentista, mas estes dois partidos discordam em muitos assuntos e é bem possível que, com a consolidação no poder, as contradições da coligação comecem a ser mais difíceis de gerir.
Lluis Rabell. Este tradutor de 62 anos poderá ser a grande decepção das eleições autonómicas catalãs. A sua lista, Catalunya Si Que es Pot (Podemos Catalunha) tem o apoio da presidente da câmara de Barcelona, Ada Colau, e de Pablo Iglesias, o líder da formação de esquerda Podemos. No entanto, Rabell não deverá ir além de 15%, o que será um mau resultado, tendo em conta o bom desempenho dos partidos radicais nas eleições municipais de Junho (Colau conseguiu mais de 25% em Barcelona). A razão pode estar na questão da independência da Catalunha, que o Podemos trata com pinças. Rabell tentou uma campanha centrada nos temas sociais, tal como Iglesias faz na luta pelas legislativas, mas o declínio relativo do Podemos acentua-se: já liderou as sondagens, agora ronda 16% nas intenções de voto dos espanhóis.
Lluis Rabell, no final da campanha
Mariano Rajoy. Embora o chefe do governo espanhol não vá a votos, o seu Partido Popular (PP) estará nestas eleições regionais, embora com escasso entusiasmo do público, o que corresponde a 7% das intenções de voto. Rajoy é o grande adversário de Artur Mas e joga noutro campeonato, o das eleições nacionais de Dezembro. Os catalães acusam-no de recusar negociar qualquer dose adicional de autonomia. Nas intenções de voto das legislativas, o Partido Popular está a subir e o chefe do governo tentará usar as controvérsias catalãs para consolidar as suas hipóteses de vitória. Nos últimos três meses, o PP subiu entre quatro a seis pontos percentuais, para um pouco menos de 30% (há números diferentes, mas todos com a mesma tendência), enquanto o maior partido da oposição, o PSOE, terá estabilizado em torno de 22 a 24%. Rajoy tem 60 anos e, embora lhe falte carisma e empatia, está no poder desde 2011.
Albert Rivera. Catalão, jovem advogado de 35 anos, o líder do novo partido Ciudadanos também não concorre directamente, mas as sondagens nacionais indicam que os centristas podem ser decisivos na definição do futuro político da Espanha. Na questão catalã, Ciudadanos está próximo do PP. O mesmo se pode dizer em muitas questões económicas e sociais. As sondagens dão-lhe 15% na Catalunha e um pouco menos a nível nacional. Insuficiente para travar Artur Mas, porventura suficiente para decidir quem será o próximo presidente do governo espanhol.
Pedro Sánchez. O líder socialista, Pedro Sánchez, economista de 43 anos, também joga no campeonato nacional e tem aqui uma presença apenas indirecta. O Partido Socialista Catalão já foi um dos maiores da região, mas entrou em declínio e nestas autonómicas não irá muito além dos 12%. Os socialistas não escondem o seu embaraço perante a ideia da independência e o partido tem defendido um pacto constitucional que permita federalizar a Espanha. Se a campanha das legislativas se transformar num debate sobre o futuro do país, será mais difícil discutir o impacto da crise. O facto é que nos últimos três meses, Sanchez foi incapaz de inverter a tendência de estagnação do seu eleitorado, embora o problema possa não estar no secretário-geral do PSOE, pois o somatório da esquerda está em queda (texto do jornalista do Observador, Luís Naves, com a devida vénia)
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