segunda-feira, setembro 28, 2015

Guia para perceber como o Novo Banco pode chegar ao seu bolso

A discussão em torno do impacto do Novo Banco no défice tomou conta da campanha eleitoral. O Negócios ajuda-o a perceber que impacto é que a não venda do banco teve nas contas públicas.
1 - Porque subiu o défice com o Novo Banco? 
O Fundo de Resolução (FR) que recapitalizou o Novo Banco com 4,9 mil milhões de euros é uma entidade pública e portanto as suas operações têm efeito nas contas públicas. Se o FR tivesse conseguido vender o banco no espaço de um ano, então o registo no défice orçamental seria feito pela diferença entre o valor da recapitalização e o valor da venda. Como não o conseguiu alienar nesse período, a operação é tratada como uma  injecção de capital público numa qualquer empresa. 
Isto é: 
1) Se se tratar de uma empresa com lucros ou com perspectivas de lucros que garantam uma rendibilidade equivalente a outros investimentos, então a operação não tem impacto no défice; 
2) Se for uma dotação de capital para uma empresa sem perspectivas de viabilidade, a operação entra no défice.
2 - A dívida pública subiu?
Sim, esta operação fez aumentar a dívida pública. Ela só não foi agora revista em alta porque a operação já estava registada desde o ano passado. Dos 4,9 mil milhões de euros aplicados no Novo Banco só 300 milhões de euros estavam nos cofres do Fundo de Resolução. Os restantes 4,6 mil milhões (cerca de 2,7% do PIB) tiveram efeitos na dívida de 2014 que ficou assim mais alta do que sem esta operação. Na quinta-feira Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças, afirmou que "o dinheiro existia nos cofres do Estado" e que portanto não teve impacto na dívida bruta ano. Ou seja, a dívida pública que já havia subido para pagar défices e encher os cofres manteve-se estável com operação, preferindo o Governo baixar o volume depósitos que tinha em carteira. Em 2014, o volume de depósitos do Estado baixou menos que o valor da recapitalização. Em Setembro de 2014 o Governo previu fechar o ano com uma dívida pública de 127,8% do PIB (223,1 mil milhões de euros) e acabou por fechar o ano com 130,2% do PIB (225,8 mil milhões de euros).  
3 - Subida do défice traz mais austeridade?
Não. Dada  importância de garantir a estabilidade financeira nas economias europeias e a necessidade que a crise impôs a vários países de intervir com urgência em instituições financeiras, o Conselho Europeu acordou que não forçará o Governo a medidas de austeridade para compensar os gastos com os bancos. 
4 - O efeito é meramente estatístico?
É tão meramente estatístico como qualquer indicador de contas públicas. A recapitalização do Novo Banco é uma operação financeira do Estado como várias outras ao longo dos anos (por exemplo, as injecções de capital em empresas de transportes). Embora não implique mais austeridade, a operação forçou um aumento de dívida pública no ano passado e, decidiu-se agora, terá também um efeito no défice público – o que é justificado pelo facto de o INE e o Eurostat considerarem que o investimento no Novo Banco não dá garantias de rendibilidade ao Estado. Se essas garantias fossem dadas (com lucros ou planos credíveis de reestruturação), então seria  teoricamente possível que a aplicação  financeira no Novo Banco fosse tratada como um investimento rentável do Estado e nessa medida teria impactos na dívida, mas não no défice.
5 - O NB custará dinheiro aos contribuintes?
A probabilidade de a intervenção no Novo Banco implicar custos para os contribuintes é elevada e por várias avenidas. Aqui importa separar entre Novo Banco  (o banco bom) e o BES (o banco mau). No caso do Novo Banco são prováveis custos, mas espera-se que sejam inferiores ao que aconteceu, por exemplo, com a nacionalização do BPN cuja perda assumida pelos contribuintes poderá chegar aos sete mil milhões de euros (há cerca de 2,5 mil milhões de euros de despesa já concretizada). No curto prazo, a aplicação do Estado no Novo Banco implica pelo menos o custo de oportunidade de ter o dinheiro aplicado numa instituição com uma situação financeira difícil. Isto além de forçar uma dívida pública mais elevada: por exemplo, o falhanço na venda planeada para este ano deverá implicar uma redução mais lenta que o previsto do "stock" de dívida e colocou em causa um reembolso antecipado ao FMI que estava planeado. No longo prazo, a expectativa é de que os bancos suportem integralmente os custos do Novo Banco através de contribuições para o Fundo de Resolução (esta é uma das grandes diferenças face a uma nacionalização). Mas também aqui a factura poderá chegar, embora de forma indirecta, aos contribuintes. Neste caso via CGD, o banco público, que também deverá ter de assumir perdas.
No caso do banco mau, o grau de incerteza é ainda maior. A litigância por parte dos que perderam dinheiro no BES contra o Estado e o Banco de Portugal pela decisão de resolução ainda está a começar. Dependendo das decisões do tribunais, os impactos poderão ser maiores ou menores.
6 - Mas o Estado não recebeu já 120 milhões de euros?
O número foi avançado pelo primeiro ministro Pedro Passos Coelho e refere-se aos juros que o Tesouro já recebeu do Fundo de Resolução pelo empréstimo que lhe concedeu. No entanto em termos consolidados o número é irrelevante nas contas públicas. 
Ou seja, como o Fundo de Resolução (FR) é uma entidade das Administrações Públicas, o pagamento de 120 milhões de euros do FR ao Tesouro é simplesmente um pagamento do Estado ao próprio Estado, que se cancela: a receita do Tesouro é despesa do FR. Na perspectiva dos contribuintes a operação pesa nas contas públicas no curto prazo e tem um impacto incerto no longo prazo. No curto prazo, a operação exigiu um nível superior de dívida pública com o correspondente juro a ser suportado pelos contribuintes. No longo prazo o Governo, as autoridades europeias e o Banco de Portugal garantem que os bancos suportarão todos os custos e que o Fundo de Resolução – e dessa forma os contribuintes – será compensado pelas contribuições que a banca pagará. 
Do ponto de vista da gestão de Tesouraria o Estado já terá recebido 120 milhões de euros do Fundo de Resolução, mas esse valor sobrestima o impacto financeiro da operação do Tesouro: o Estado recebeu juros do Fundo de Resolução, mas ao mesmo tempo endividou-se para poder emprestar esse dinheiro, estando por isso a pagar juros à troika e aos mercados. A receita para o Tesouro numa lógica de Tesouraria será assim a diferença entre juros pagos e juros recebidos – "spread" – que começou em apenas 0,2%. Além disso, o Fundo de Resolução também está a pagar juros aos bancos pelos cerca de 600 milhões que emprestaram à instituição. A favorecer as contas públicas estão as contribuições regulares dos bancos pagam o Fundo de Resolução, as quais rondaram os 200 milhões de euros em 2014, e que são consideradas uma receita do Estado. 
7 - O Novo Banco terá mais impactos orçamentais?
Sim. Se for necessária uma recapitalização da instituição com dinheiro do Fundo de Resolução – o que poderá acontecer no final deste ano, início de 2016 – essa injecção de capital terá consequências para o défice (e a dívida pública). A forma de evitar esse impacto será conseguir que o Novo Banco venda activos ou encontre investidores para dispensar dinheiro do FR. Cobrar uma taxa extraordinária à banca para financiar a recapitalização poderia ser outra hipótese.  Quando o Novo Banco for vendido e o FR pagar os empréstimos ao Estado e aos bancos a dívida publica, que agora subiu, baixará. 
8 - Que riscos se colocam à Estabilidade Financeira?
No caso de uma venda futura do Novo Banco abaixo de 3,9 mil milhões de euros, a banca terá de suportar a diferença. Mas continua sem estar em cima da mesa de que forma tal será conseguido, até porque o valor da alienação é ainda uma incógnita – os três finalistas do concurso internacional iniciado em Dezembro, entretanto cancelado, não apresentaram valores "satisfatórios", como admitiu o Banco de Portugal. Não se sabe se terá de haver um aumento de capital, após os exames do BCE, nem qual o papel de eventuais empréstimos dos bancos. Certo é que, havendo uma venda com prejuízo, há já uma garantia dada pelo Banco de Portugal. "Em qualquer caso, o financiamento será estruturado de modo a não pôr em causa a solvência de qualquer banco e, naturalmente, preservar a estabilidade financeira", asseverou, em Novembro, José Berberan Ramalho, vice-governador do Banco de Portugal e presidente do FR (pelos jornalistas do Negócios,  Diogo Cavaleiro, Nuno Aguiar, Rui Peres Jorge, com a devida vénia)

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