A cobrança coerciva cresceu 25% entre 2014 e 2015. Em contrapartida, a saúde mental dos devedores tem-se vindo a degradar. Os contribuintes que entram nesta malha sentem-se totalmente desprotegidos. E muitos nem conseguem abrir as cartas das Finanças.
A cobrança coerciva dos impostos directos (IRS e IRC) atingiu os 168,5 milhões de euros nos primeiros seis meses deste ano, contra 146,5 milhões no mesmo período do ano passado. Ou seja 461 mil euros por dia, contra os 401 mil euros em 2014. Em simultâneo, a venda de bens essenciais e serviços correntes angariou para os cofres do Estado 42,1 milhões de euros, que comparam com os 15,2 milhões em 2014. As taxas, multas e outras penalidades somaram 94,5 milhões de euros – 63,7 milhões no ano passado. No total, as cobranças coercivas subiram 25% neste período face ao mesmo de 2014, ou seja de 346,1 milhões passaram para 429,8 milhões.
Também na primeira metade do ano foram cancelados reembolsos no valor de 22,4 milhões de euros, depois de os serviços da Autoridade Tributária terem detectado contradições que puseram em causa o seu montante, como as declarações de IRS que apresentaram divergências face ao valor apurado pela Autoridade Tributária. Os dados constam da Conta Geral do Estado provisória e, do ponto de vista do governo, este aumento traduz o sucesso no combate à evasão e fraude fiscal, o qual resulta essencialmente da melhoria dos meios informáticos da Autoridade Tributária.
Mas apesar de as Finanças terem sido questionadas na segunda-feira sobre se já existe o gabinete de apoio ao contribuinte, se o fisco tem poderes para penhorar contas ordenado depois de penhorar um sexto do vencimento, sobre a não contabilização automática dos juros quando perde em tribunal ou o tempo médio para a devolução das verbas e das reclamações graciosas e ainda sobre o número de penhoras feitas nos primeiros seis meses do ano, não conseguimos obter qualquer resposta até à hora de fecho desta edição.
Em contrapartida, do ponto de vista dos contribuintes, o reforço dos poderes do fisco tem-se traduzido numa verdadeira espada de Dâmocles que paira sobre as suas cabeças, até porque na maioria das vezes não pagam por não terem meios financeiros para o fazer. Quem conhece bem esta realidade é a Deco, a associação de defesa dos direitos dos consumidores.
Embora não intervenha directamente nestes casos – a sua actuação é exclusivamente no âmbito dos conflitos que envolvem consumidores – só no primeiro semestre de 2015 já contabiliza 29 mil famílias sobreendividadas por estas dívidas, face às 170 mil famílias que recorreram aos seus serviços. Nestes casos, a associação fornece informação às famílias sobre os direitos que lhes assistem, encaminhando-as depois para a Autoridade Tributária. Em simultâneo, tem vindo a promover reuniões com o fisco, os grupos parlamentares e vários ministros e secretários de Estado, a fim de os sensibilizar para esta problemática.
Outra das entidades por onde passam inúmeros pedidos de ajuda é a Provedoria de Justiça. Este ano, o provedor já abriu 77 procedimentos sobre penhoras ordenadas pela Autoridade Tributária por violação dos mínimos de impenhorabilidade (quando a penhora vai além dos limites permitidos por lei), morosidade no levantamento/cancelamento de penhoras indevidamente realizadas e penhora de créditos.
Os casos mais frequentes de violação dos mínimos de impenhorabilidade são os cidadãos que, já tendo visto penhorada a parte penhorável do seu vencimento ou pensão, é surpreendido pela penhora do remanescente desse vencimento ou pensão entretanto depositado nas suas contas bancárias.
Nos termos legais, os depósitos bancários são impenhoráveis se tiverem proveniência em créditos originariamente impenhoráveis, como os vencimentos ou pensões. Mas são sempre os contribuintes a terem de fazer prova deste direito e requerer ao órgão da execução fiscal o cancelamento da penhora.
No ano passado, a Provedoria de Justiça realça um caso paradigmático sobre a actuação da Autoridade Tributária. Depois de uma intervenção do provedor relativamente a uma pessoa a quem tinha cobrado um imposto a mais de 1484,36 euros, o fisco acabou por devolver essa quantia. A devolução foi feita com base num despacho da AT, sustentada num parecer elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais no sentido de que o recurso hierárquico deveria ser deferido, dado que “a análise feita da questão controvertida permite tirar a conclusão de que a aplicação legal realizada pela administração é, a um tempo, ilegal e inconstitucional”.
Mesmo assim, o fisco recusou-se a pagar os respetivos juros indemnizatórios. Porque embora sejam obrigatórios sempre que haja um erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária superior à legalmente devida, a direcção de Finanças de Lisboa indeferiu o seu pagamento, argumentando que “o contribuinte não suscitou a questão em sede do processo de reclamação graciosa nem do processo de recurso hierárquico”.
As depressões silenciosas Associado às dívidas ao fisco e às penhoras, a saúde mental deste grupo de contribuintes tem-se vindo a deteriorar. Ao divã do psiquiatra João Luís Pior de Abreu chegam cada vez mais casos de pessoas que entram em depressão profunda por não conseguirem fazer face às suas responsabilidades fiscais. “A minha contabilista, por exemplo, teve um período mau depois da morte do pai. A dada altura não entregou um IRS relativo a um determinado ano. E depois de ter percebido que as dívidas fizeram com que perdesse todo o seu património e como as penhoras recaíam sobre o ganhava, foi à falência e começou a acreditar que ia morrer”.
Mas há também casos em que os contribuintes abandonam as profissões para não verem o seu nível de vida cair drasticamente, como o de uma advogada que deixou de trabalhar por causa das dívidas fiscais.
O psiquiatra refere que muitos destes contribuinte acabam por nem sequer ter coragem de abrir as cartas da AT e alerta para o facto de o Portal das Finanças ser actualmente bastante complexo quer para os mais idosos quer para os infoexcluídos. “Para o ano”, acrescenta, “ainda vai ser mais complicado, porque muitos portugueses não vão perceber que os benefícios que antes eram automáticos vão ter de ser justificados com as efactura. Isso vai complicar ainda mais a vida dessas pessoas” (texto da jornalista MARGARIDA BON DE SOUSA, do Jornal I,com a devida vénia)
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