A natureza vulcânica, as iguarias gastronómicas ou a paisagem bucólica fazem das Furnas um dos locais mais visitados dos Açores, mas comerciantes e habitantes pedem soluções porque a freguesia não está preparada para a "invasão" de turistas. Incrustado entre as montanhas, o Vale das Furnas, que serve de barómetro à atividade turística na ilha de São Miguel, encontra-se repleto de turistas à procura das fumarolas que brotam da terra, das nascentes termais, ou do cozido confeccionado debaixo da terra. A presença de vários carros de aluguer é notada e há quem procure contornar o acesso pago à Lagoa das Furnas.
“As Furnas não foram feitas para receber esta gente toda, não foi desenhada para isso, tem muita gente, há zonas estratégicas que estão muito mal pensadas”, começa por dizer à agência Lusa Vítor Pereira, comerciante, apontando para os autocarros que se acomodam para largar pessoas na zona das Caldeiras. Em pleno verão, chegam a ser dez excursões por dia, relata o empresário, responsável por um quiosque nas Caldeiras. É uma das situações que leva Vítor Pereira a defender que as Furnas precisam de ser “repensadas” para a “segurança de todos”, sobretudo ao nível de estacionamento e passeios. “Não estávamos preparados para tantas pessoas e para esta invasão que a gente recebe no verão”, alerta.
Ainda assim, o furnense adianta que existe uma ligeira quebra nas vendas
e a razão poderá estar relacionada com a nova variante que faz a ligação à
Ribeira Quente (onde está uma das praias mais concorridas da ilha) sem passar
pelo centro da freguesia. Uma estrada, inaugurada em abril, que teve como um
dos objetivos retirar trânsito das Furnas.
“Durante o dia está praticamente igual, mas ao final do dia está um
pouco mais fraco. Uma das razões talvez seja a via rápida nova. As pessoas que
vêm da praia já não passam aqui”, afirma, secundado pelos outros comerciantes
das Caldeiras. Nesta altura, o quiosque de Vítor é especialmente procurado
devido às maçarocas de milho cozinhadas nas fumarolas.
“Quem é que aproveita um vulcão para fazer comida?”, interroga, de forma
curiosa, Manuel García, natural de Santander (Espanha).
O espanhol de 37 anos, que decidiu visitar São Miguel devido a sugestões
de amigos, diz estar a “adorar” as paisagens e não considera existir excesso de
turismo, apesar de reconhecer a necessidade de “adaptar algumas zonas”.
“Há muitos carros, às vezes é complicado circular e estacionar. Vê-se
que é um destino em crescimento, é normal. O que importa são as paisagens”,
salienta.
O turismo nas Furnas não é recente, já que foi uma das primeiras
freguesias dos Açores a explorar o setor, com relatos que remontam ao século
XIX.
Nos últimos anos, todavia, o turismo cresceu de forma exponencial com os
Açores a baterem recordes – as dormidas, por exemplo, foram mais de 4,2 milhões
em 2024 (mais 39% face a 2019).
“Todas as pessoas que vêm a São Miguel passam pelas Furnas”, assegura
Amílcar Calixto, proprietário de uma loja de lembranças, que diz estar a
“sentir a falta dos emigrantes”, que “foram poucos ou nenhuns” este verão.
Contudo, as vendas estão ao nível de anos anteriores devido à “explosão”
do turismo, um aumento que também provoca “dificuldades” ao empresário que vive
em Ponta Delgada (a 45 quilómetros de distância) e que diariamente tem de
"lutar" por um lugar de estacionamento.
“Não acho que haja turismo a mais. O turismo nas Furnas também é muito
de passagem, mas que tem havido um turismo bastante em massa ultimamente lá
isso tem. O problema é o estacionamento, principalmente na zona das Caldeiras,
o excesso de trânsito torna-se um caos”, relata.
A necessidade de disciplinar o trânsito também é apontada por Gualter
Carvalho, um dos responsáveis pelo Tonys, um dos restaurantes mais procurados
da freguesia que serve cozido feito nas caldeiras a 380 pessoas por dia.
“Não é questão de ser turismo a mais. Temos é de estar mais bem
preparados, sobretudo ao nível de trânsito e estacionamento. Ainda não
encontraram uma solução. Chateia quem está de férias, chateia quem vive cá”,
lamenta.
Até ao momento, a afluência ao Tonys tem sido um “pouco mais fraca” em
comparação com o ano passado, uma situação constatada pelo número de reservas
de julho.
“Leva-me a crer que poderá ser pelo custo das viagens, alojamento e refeições. A subida do custo de vida. Também estamos a ficar um destino mais caro, poderá afastar algumas pessoas”, justifica Gualter Carvalho. A tendência verifica-se, também, nos vendedores da Lagoa das Furnas. Entre os curiosos que procuram testemunhar como se cozinham refeições com o calor vulcânico, um dos locais mais concorridos é a carrinha da família Amaral.
“Em comparação com o ano passado está um pouco mais fraco”, nota Rui Amaral, realçando que tal não significa um quebra no número de turistas. O empresário defende que é preciso repensar vários espaços na freguesia, onde falta estacionamento e “alternativas de mobilidade”.
Para evitar pagar a entrada na Lagoa das Furnas (três euros por adulto),
dezenas turistas estacionam o carro na berma da estrada e fazem o percurso a
pé, situação que por vezes provoca constrangimentos no trânsito.
“Estacionámos ali ao pé dos outros. Já tinha visto na Internet que se
fazia isso para não pagar. Não me pareceu mal porque, no fundo, estamos a
evitar carregar a natureza com mais carros”, confessa a italiana Alice Piras.
A natural da Toscana mostra-se “encantada” com a ilha, em particular com as lagoas e a gastronomia. Quando instigada a apontar uma recomendação para melhorar a experiência turística, Alice Piras pede para não se “desvirtuar a natureza”. “A ilha é pequena, mas está a crescer. Pode-se pensar como ter mais transportes públicos, mas a sugestão que posso deixar é para não se transformarem num destino de massas”, responde (SAPO, reportagem do jornalista Rui Pedro Paiva, da agência Lusa)
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