sábado, abril 20, 2024

Sondagem Expresso/SIC: 25 Abril é o dia mais importante da história de Portugal (e resiste à polarização)

Revolução é o Dia D da História de Portugal para 65% dos portugueses, o nível mais alto das duas últimas décadas. Salazar e Salgueiro Maia são as personalidades mais associadas ao dia da revolução, seguidos de Mário Soares e Otelo. Estudo do ICS/ISCTE, em parceria com a Comissão Comemorativa 50 Anos 25 de Abril, mede a evolução dos valores da Revolução. Dois em cada três portugueses apontam o dia 25 de abril de 1974 como o “mais importante para a História” do país. São 65%, mais seis pontos percen­tuais do que os que o indicavam há 10 anos e também 13 pontos acima do valor de 2004. A sondagem do ICS/ISCTE, que resulta de uma parceria entre o Expresso, a SIC e a Comissão Comemorativa 50 Anos 25 de Abril, mostra que os valores de Abril não só resistem como se reforçaram, sobretudo na última década, apesar dos tempos de maior polarização política. Uma conclusão mais evidente quando se comparam as respostas de hoje às que foram dadas a duas sondagens anteriores (em 2004 e 2014) exatamente com as mesmas perguntas.

Há, de resto, um largo consenso sobre a evolução social nos últimos 50 anos — e o papel decisivo do 25 de Abril nesse processo —, sobre a perda de importância das divisões resultantes da Revolução, do equilíbrio da Constituição, assim como um consenso razoável sobre o funcionamento da democracia e nas atitudes sociais e políticas, no geral alinhadas com as de uma democracia liberal. Num momento-chave da evolução do sistema político — mais fragmentado e com o surgimento de uma direita radical que abriu espaço à afirmação de ideias mais nacionalistas ou saudosistas —, as comemorações dos 50 anos partem, afinal, com um amplo otimismo na sociedade sobre os ideais e efeitos da Revolução.

Na primeira pergunta desta sondagem — colocada aos inquiridos ainda antes de estes saberem o seu tema —, foram apresentados seis factos históricos, perguntando-se qual deles era considerado “mais importante para a história de Portugal”. E as respostas mostram que a diferença do 25 de Abril para os restantes factos marcantes da História de Portugal é cada vez maior. Se em 2014 (um ano ainda marcado pelo ajustamento financeiro e pela troika) a “implantação da República” recolhia 11% das escolhas, agora ela desce para 8%. Já a “adesão à CEE” (hoje União Europeia) ganha o segundo lugar com 11%, mas a 54 pontos percentuais de distância da Revolução.




As outras hipóteses seguem ainda mais abaixo: a restauração da independência de 1640 (6%), a Batalha de Aljubarrota e a chegada de Vasco da Gama à Índia (3%). De resto, a vantagem do 25 de Abril verifica-se em todos os escalões sociodemográficos, embora menos forte entre os homens, os que se posicionam mais à direita e quem tem ensino superior (ainda que sempre acima dos 50%).

As respostas à questão sobre “como o 25 de Abril devia passar à História” consolidam a importância decisiva que os portugueses atribuem ao dia do fim da ditadura: 56% dizem que teve “consequências mais positivas do que negativas” (estável face há 10 anos), 32% consideram que teve consequências tão positivas quanto negativas — restando 10%, que olham com saudades para o antigo regime.

E como acham os portugueses que “devia passar à História o regime político que existia antes do 25 de Abril?” Em espelho, 50% dos portugueses afirmam que foi “um período que teve mais coisas negativas do que positivas — oito pontos acima de 2014 — e 26% acreditam que teve tantas negativas como positivas. Nesta pergunta, porém, sobressaem os 20% que olham para o antigo regime como tendo “mais coisas positivas do que negativas”, que se percebe ter maior preponderância entre os que se posicionam mais à direita, os que assinalam ter hoje menor capacidade económica e os que têm menos estudos. Este valor, ainda assim, é apenas 1 ponto superior ao de há uma década e 3 acima de há 20 anos.

Curiosas são as respostas sobre a figura pública que o 25 de Abril de 1974 faz lembrar primeiro. A pergunta era aberta (ou seja, de resposta livre e sem hipóteses predefinidas) e as respostas mais frequentes vêm em duplas — uma do antigo regime e outra do pós-Revolução. Assim, António de Oliveira Salazar e Salgueiro Maia são os mais mencionados em proporções similares (16% e 15%, respetivamente), sendo seguidos por Mário Soares e Otelo Saraiva de Carvalho, referidos cada um por 9% dos inquiridos. Depois destas figuras, surgem (com valores mais baixos) Ramalho Eanes (6%), António de Spínola e Marcelo Caetano (4%), Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Zeca Afonso (2%).


A transição portuguesa para a democracia é um “orgulho”

“Acha que a forma como se levou a cabo a nossa transição para a democracia constitui um motivo de orgulho para os portugueses?” Tal como aconteceu há 20 e 10 anos, esta sondagem do ISCTE/ICS feita para o Expresso e SIC quis medir se o método de deposição do antigo regime reunia consenso em Portugal. E se, num espectro político mais à direita ainda há quem lamente que não tenha acontecido uma mudança progressiva e negociada como aconteceu em Espanha (embora com grandes tensões e episódios dramáticos), percebe-se pelas respostas que não há, entre a esmagadora maioria dos portugueses, qualquer sombra de dúvidas.

Assim, contam-se 81% de respostas positivas, ligeiramente acima das registadas nos inquéritos de décadas anteriores. Os que dizem que “não”, não é um “orgulho”, mantêm-se estáveis nos 13%. E a proporção dos que não respondem reduz-se para os 6%. Curiosamente, não há sequer diferenças de posicionamento político entre os que respondem afirmativamente.

Já relativamente aos políticos do anterior regime, os portugueses são cada vez mais da opinião de que deviam ter sido julgados. Dizem-no, hoje, 59% dos inquiridos, oito pontos acima do que diziam há 20 anos. Mas, curiosamente, sobem também para 29% os que concedem que foi positivo permitir a sua saída do país. Os que não respondem, esses, são agora apenas 12% — mostrando que o tempo dá certezas que o momento não permitia. Quanto aos funcionários da PIDE/DGS “responsáveis pela repressão”, as respostas são ainda mais determinadas: 64% afirmam que “não” se fez justiça (mais 19 pontos do que há uma década), apenas 14% respondem que “sim”.

FICHA TÉCNICA

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 20 de março e 4 de abril de 2024, resultando de uma parceria entre o Expresso e a SIC e a Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de abril. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do Iscte — Instituto Universitário de Lisboa (Iscte-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis sexo, idade (4 grupos), instrução (3 grupos), região (5 regiões NUTII) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados aleatoriamente 145 pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI (Computer Assisted Personal Interviewing). Foram contactados 4239 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 1206 entrevistas válidas (taxa de resposta de 28%, taxa de cooperação de 41%). O trabalho de campo foi realizado por 47 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação, de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 1206 inquiridos é de +/- 2,8%, com um nível de confiança de 95%. A maior parte das questões deste inquérito reproduz integralmente as de dois estudos anteriores, realizados em 2004 e 2014. O estudo de 2004 (“30 anos depois do 25 de Abril”) foi realizado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa para a RTP e o jornal “Público” e tinha uma amostra de 1214 inquiridos. O estudo de 2014 foi realizado pela GfK Metris para o ICS/ULisboa, o Expresso e a SIC e tinha uma amostra de 1254 inquiridos. Por sua vez, os questionários destes inquéritos foram parcialmente adaptados de um estudo do Centro de Investigaciones Sociológicas de Espanha (“Estudio 2401, 25 años después”, dezembro de 2000) sobre as atitudes da população espanhola em relação à transição para a democracia. Todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto dos jornalistas Cláudia Monarca Almeida e David Dinis e da jornalista infográfica Sofia Miguel Rosa)

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