sábado, abril 20, 2024

Sondagem Expresso/SIC: Sem mudar, a Constituição está hoje mais ‘neutra’

Dez anos depois da troika, os portugueses já não veem a Constituição como favorecendo a direita. E desvalorizam as divisões geradas pela Revolução, mostra uma sondagem. A caminho também dos seus 50 anos — fez 48 no início de janeiro —, até que ponto “a Constituição reflete hoje mais os interesses da esquerda, da direita ou de nenhum sector em especial?” A pergunta, quando foi feita há 10 anos, revelava uma ideia de desequilíbrio: 29% dos portugueses diziam que refletia os interesses da “direita” e apenas 10% diziam que os da “esquerda”. Passada uma década, a mesma pergunta aponta para um empate: 20% acreditam que reflete os interesses da esquerda, 19% da direita — e 34% entendem que de “nenhum sector em especial”. Dado a adicional a registar: de 2014 até hoje nem uma linha mudou na Constituição da República Portuguesa.

O que mostra a sondagem rea­lizada pelo ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC (em parceria com a Comissão Comemorativa 50 Anos 25 de Abril) é que mudou a perceção. Mas para isso é essencial lembrar o que estava a acontecer naquela altura. O Governo de então, liderado por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, tentava ainda cumprir os objetivos impostos pela troika para que o Programa de Assistência Financeira fosse cumprido. Esse objetivo só seria cumprido alguns meses depois de abril desse mesmo ano. E o país estava ainda na ressaca de várias decisões difíceis e de um braço de ferro entre Governo e Tribunal Constitucional (TC). Nos últimos, o TC tinha bloqueado decisões de cortes de salários adicionais no sector público, o Governo tinha recuado na decisão de cortar na Taxa Social Única e, em negocia­ção com a troika, tinha optado por um “enorme aumento de impostos” (assim anunciado pelo então ministro das Finanças Vítor Gaspar). O aumento de impostos, claro, não tinha nada de inconstitucional, mas pesava bastante sobre os contribuintes.

Passados 10 anos sobre essa sondagem — e oito de governação do PS —, o choque parece desfeito e as tensões políticas com o TC foram reduzidas ao mínimo. Face a isso, a ideia de uma Constituição em ponto de equilíbrio político impera, como não tinha acontecido até aqui. Exemplo disso é que, há 20 anos, uma pergunta igual feita numa sondagem (à época para o “Público” e RTP) mostrava também um desequilíbrio: 28% acreditavam que a Constituição refletia interesses da “direita” e só 12% apontavam para os da “esquerda”.

Recuando no tempo, os portugueses olham para a Constituição original (a de 1976) com a ideia de que esta refletia mais os interesses da esquerda (42%) do que os da direita (12%) — um valor que se mostra no essencial estável ao longo dos últimos 20 anos. Porém, anote as respostas a outra pergunta do questionário: para 43% dos portugueses as divisões na sociedade geradas no período que se seguiu ao 25 de Abril “têm hoje menos importância do que tinham na altura”, “já não têm qualquer importância” para 30% e só têm a mesma importância para 20%.

FICHA TÉCNICA

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 20 de março e 4 de abril de 2024, resultando de uma parceria entre o Expresso e a SIC e a Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de abril. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do Iscte — Instituto Universitário de Lisboa (Iscte-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis sexo, idade (4 grupos), instrução (3 grupos), região (5 regiões NUTII) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados aleatoriamente 145 pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI (Computer Assisted Personal Interviewing). Foram contactados 4239 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 1206 entrevistas válidas (taxa de resposta de 28%, taxa de cooperação de 41%). O trabalho de campo foi realizado por 47 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação, de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 1206 inquiridos é de +/- 2,8%, com um nível de confiança de 95%. A maior parte das questões deste inquérito reproduz integralmente as de dois estudos anteriores, realizados em 2004 e 2014. O estudo de 2004 (“30 anos depois do 25 de Abril”) foi realizado pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa para a RTP e o jornal “Público” e tinha uma amostra de 1214 inquiridos. O estudo de 2014 foi realizado pela GfK Metris para o ICS/ULisboa, o Expresso e a SIC e tinha uma amostra de 1254 inquiridos. Por sua vez, os questionários destes inquéritos foram parcialmente adaptados de um estudo do Centro de Investigaciones Sociológicas de Espanha (“Estudio 2401, 25 años después”, dezembro de 2000) sobre as atitudes da população espanhola em relação à transição para a democracia. Todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso)

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