sábado, junho 11, 2022

OCDE: "É altamente provável" que portugueses falhem mais nas prestações do banco a partir de agora


Mais de 70% dos novos contratos em Portugal estão amarrados a taxas de juro variáveis, ou seja, dívida dos particulares à banca (em juros) sobe automaticamente se BCE agravar taxas diretoras. Já está, de facto, a acontecer e a partir de julho é a doer "É altamente provável" que as famílias portuguesas falhem mais nas prestações da casa (aumento do malparado, incumprimento) a partir de agora, num contexto garantido de subida rápida das taxas de juro em reação à escalada dos preços no consumidor (inflação), diz a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), num estudo sobre a situação de Portugal, divulgado esta semana. No novo panorama económico (outlook) sobre as mais de três dezenas de países considerados ricos e desenvolvidos, a OCDE afirma que existe "uma probabilidade elevada e prevalecente" de haver novo incumprimento quando os países em causa têm um maior peso de contratos de crédito imobiliário indexados a taxas de juro variáveis. Embora esta regra da indexação a taxas variáveis não seja a norma ou média no grupo da OCDE, ela impera em algumas economias.

Em Portugal, domina. Segundo o novo outlook da organização sediada em Paris, mais de 70% dos novos contratos assinados nos últimos dois anos estão amarrados a taxas de juro "adaptáveis", ou seja, a dívida dos particulares aos bancos em forma de juros sobe quase automaticamente se o Banco Central Europeu (BCE) também subir as suas taxas diretoras. É o que já está a acontecer. Em julho, o BCE vai aumentar, pela primeira vez desde 2016, as taxas de referência e é bem possível que, a seguir, em setembro, aumente o patamar ainda mais para deter a cavalgada da inflação. Não se prevê quando pode terminar este ciclo de aperto monetário. Num cenário mais sombrio, o BCE admite que a guerra da Rússia contra a Ucrânia pode arrastar-se.

Nesse cenário "mais desfavorável", as taxas de juro definidas a partir de Frankfurt terão de continuar a subir 2023 a dentro, apesar de a economia da zona euro entrar claramente em recessão. É um cenário adverso, mas o BCE calcula ser plausível: a economia do euro pode quebrar 1,7% em 2023, por exemplo.

Se a guerra não se prolongar (cenário central, de base), a zona euro ainda pode crescer 2,8% este ano. Mas neste quadro menos pessimista, a inflação prevista por Frankfurt chega na mesma a uns problemáticos 6,8% em 2022. É por isso que o BCE decide agora. Movido por um objetivo de ancorar a inflação do euro nos 2%, é preciso subir taxas de juro e terminar os enormes programas de compras de ativos, onde a fatia de leão é dívida pública. A partir de julho, começa a nova era, de facto. As taxas iniciam um ciclo de subidas.

As compras de ativos terminam de vez em julho, revelou o BCE. Até à semana passada, ainda havia a esperança de injeção de dinheiro fresco e a custo zero até ao segundo ou terceiro trimestre. Mas não. Agora acabou, de facto. roblema. Em Portugal, dados citados pela OCDE, cerca de 70% dos empréstimos contratados pelas famílias em Portugal (celebrados nos últimos anos, portanto, com tudo por pagar ainda) são indexados a taxas de juro variáveis.

"É maior a probabilidade de incumprimento das hipotecas quando as taxas de juro sobem em vários países do sul da Europa (Portugal e Grécia), do leste (Polónia, Bulgária, Roménia e países bálticos) e do norte europeu (Suécia, Finlândia e Noruega)", afirma a OCDE.

Em 2021, tinha o equivalente a 69% do produto interno bruto (PIB) estacionado em crédito às famílias, um valor acima da média da OCDE (62,6%). No entanto, o peso dos empréstimos hipotecários indexados a taxas de juro variáveis está muito acima da média. Como referido, estes representam 70% do total em Portugal.

O país não está sozinho nesta vulnerabilidade. Na zona euro, a Finlândia (também com 69% do PIB em crédito às famílias) regista um nível de indexação a juros variáveis de 96%. Seja como for, Portugal não é a Finlândia. O potencial de crescimento português é muito inferior, o fardo da dívida pública finlandesa é de 66% do PIB este ano, o de Portugal continua perto de 120%, segundo a Comissão Europeia.

É quase o dobro da carga. Quando o governo for compelido (e o ministro das Finanças, Fernando Medina, já disse que está pronto a fazê-lo) a descer ainda mais o rácio da dívida e a comprimir o défice público), Portugal terá sempre menos graus de liberdade neste processo. A dívida, mesmo a cair, continua muito elevada, é uma das maiores da Europa, da OCDE, do mundo desenvolvido. Assim, o processo de ajustamento orçamental implica uma gestão minuciosa do endividamento e custos associados, resultados excecionais no uso dos fundos europeus, do investimento público e privado e na execução orçamental.

A OCDE "espera que a política orçamental traga apoio a 2022", bem como os fundos do quadro Próxima Geração da UE (subsídios e empréstimos), "impulsionando o investimento público". No entanto, os fundos "evidenciam riscos de atraso". É a OCDE a alinhar com as dúvidas do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Governo tem de ser bom aluno, pedem avaliadores

A OCDE avisa para o malparado latente no setor privado. O BCE alerta para os custos no horizonte da dívida pública. A Comissão Europeu, há menos de um mês, na avaliação aprofundada a Portugal no âmbito do Semestre Europeu, foi mais direta.

Preocupada com o curso da despesa pública, Bruxelas deu o toque no aumento extraordinário de até 10 euros para as pensões mais baixas (inferiores a 1108 euros brutos) e na atualização de 0,9% para os salários dos funcionários públicos em 2022. As medidas caíram mal na Comissão Europeia, tal como noticiou o Dinheiro Vivo. Ato contínuo, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, também apontou para a questão da função pública, do número de trabalhadores. Disse que "há dinâmicas que preocupam". "O ritmo de crescimento do emprego público duplicou no período pandémico face aos anos anteriores", constatou. Há algumas dinâmicas neste setor de emprego que, "a manterem-se, terão consequências para a sustentabilidade das finanças públicas".

Moody"s faz primeiro raio-x aos "países do sul"

E mal o BCE falou em subidas persistentes e continuadas de juros e fim de programas de compras de dívida pública, eis que apareceu logo a Moody"s a levantar questões sobre os "países europeus do sul". A primeira agência de rating que classificou a dívida portuguesa como "lixo", ativo especulativo, na altura da troika e do resgate, voltou à ribalta perorando já sobre a capacidade financeira dos Estados do sul da Europa nesta nova era de subidas de juros do BCE. No caso de Portugal, reconhece que o país reduziu muito o défice (até atingiu um excedente histórico antes da pandemia, em 2019) e que tem havido esforço para baixar o fardo da dívida, apesar de ser um dos maiores da zona euro e do mundo desenvolvido.

Assim, para já, a normalização das taxas do BCE "não irá fazer descarrilar a redução da dívida, muito embora enfraqueça a sustentabilidade e a acessibilidade em termos de custo". Este novo ciclo monetário "desencadeou já um aumento dos custos de financiamento em toda a zona euro, particularmente em Itália, Espanha e Portugal", refere o estudo coordenado pela analista Sarah Carlson que também é responsável por seguir o dossiê Portugal na agência de rating.

"Essa mudança [do BCE] inverterá parte da melhoria dos indicadores de endividamento registada desde a crise financeira mundial". "No entanto, desde que os países mantenham a confiança dos investidores e o Banco Central Europeu (BCE) não seja forçado a aumentos rápidos das taxas, ainda levará tempo até que as taxas de juro mais elevadas se comecem a traduzir em pagamentos de juros mais elevados, tendo em conta as maturidades relativamente longas da dívida destes países" (DN de Lisboa, Dinheiro Vivo)

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