PS e PSD estão empatados, dizem-nos (quase) todas as
sondagens. Mas isso não é inédito na história das disputas eleitorais. Já houve
sondagens que deram uma volta de 180 graus.
“O PS e o PSD estão rigorosamente empatados. De acordo
com uma sondagem da Universidade Católica para o JN, registam ambos 36% das
intenções de voto, quando faltam duas semanas para as eleições legislativas. Um
empate conseguido à custa de uma ligeira subida (dois pontos percentuais) dos
sociais-democratas relativamente à última sondagem”. Não, os números não são de hoje – esses contam uma
história ligeiramente diferente. Mas era assim que arrancava a peça do Jornal
de Notícias, publicada a 24 de maio de 2011. Os sucessivos empates técnicos nas
sondagens deixavam antever uma luta renhida entre socialistas e
sociais-democratas até ao final das eleições. A história, no entanto, acabou
por ser diferente: no dia 5 de junho, Pedro Passos Coelho foi eleito
primeiro-ministro com 38,66% dos votos, derrotando José Sócrates, que não foi
além dos 28,05% votos, uma diferença de mais de dez pontos percentuais.
Acelerando o filme, hoje, quatro anos depois, (quase) todas sondagens apontam
para um empate técnico entre a coligação PSD/CDS e PS. Onde é que já vimos
isto?
Nas legislativas de 2009, que colocaram frente a
frente o PS de José Sócrates e o PSD de Manuela Ferreira Leite, as primeiras
sondagens realizadas depois de marcadas as eleições davam conta de uma
distância de cerca de 3 pontos percentuais entre os dois – dentro da margem de
erro e, por isso, passível de ser considerado um empate técnico.
Curiosamente, e no dia em que todas as atenções estão
centradas naquele que se diz poder vir a ser um debate decisivo para as
aspirações de coligação e socialistas, importa recordar que foi depois do duelo
entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite, a 5 de setembro de 2009, que o
PSD começou a descer a pique nas intenções de voto dos portugueses. Em sentido
inverso, José Sócrates disparava nos estudos de opinião.
Os números entraram na linha e, desta vez,
revelaram-se mesmo acertados: o então primeiro-ministro reeditou a vitória de
2005, agora por números bem mais modestos (36,56% dos votos contra 29,11%) e
sem maioria absoluta. O PS acima dos 35,3% vaticinados a 23 dias das eleições e
o PSD bem abaixo dos 32,4% que registava na mesma altura.
O mesmo José Sócrates que quatro anos antes tinha
desmentido as primeiras sondagens. No final de 2004, o Governo de Santana Lopes
caía e o objetivo do PS era agora a maioria absoluta – nunca alcançada pelos
socialistas. Mas as primeiras notícias não eram animadoras: “PS mais longe da
maioria”, titulava o Correio da Manhã com base numa sondagem da Aximage, que
dava 42,8% para os socialistas contra os 28,7 dos sociais-democratas. “Maioria
absoluta por um canudo“, acompanhava a revista Visão, desta vez com uma
sondagem da TNS/Euroteste nas mãos. O mesmo estudo dava a Sócrates o título de
candidato “mais credível, competente, honesto”, ao passo que Santana levava o
troféu de “mais simpático, dialogante e inteligente”.
A partir daí, os números começaram a ser mais risonhos
para José Sócrates – à medida que se aproximavam as eleições, o
ex-primeiro-ministro foi-se aproximando da margem confortável para a maioria
absoluta e Santana Lopes aproximava-se perigosamente da casa dos 26/27%. Mais uma vez pode ser curioso olhar para os números
antes e depois do debate. O antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa
arrancou a corrida para as legislativas com intenções de voto na ordem dos
27/28%. Nas semanas que antecederam o debate com José Sócrates, Santana parecia
recuperar, chegando a fixar-se na casa dos 30% a 18 dias das eleições. Nas sondagens que se seguiram ao debate, o atual
provedor da Santa Casa Misericórdia de Lisboa não mais ultrapassou essa fasquia
e foi descendo nas intenções de voto até atingir os 26,8% a dois dias das
eleições – isto de acordo com uma sondagem da Marktest. Resultado oficial:
28,77% do PSD contra 45,03% do PS. Os resultados pré e pós-debate não explicam
tudo – até podem nem justificar estas variações, tendo em conta que apenas um em
cada oito portugueses assiste aos debates -, mas não deixam de ser um ponto
relevante na cronologia.
Isto significa que as sondagens são um instrumento de análise impreciso? A afirmação merece alguma cautela. Pedro Magalhães, professor universitário e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, diz que há três fatores que podem ajudar a explicar uma eventual discrepância entre sondagens e resultados finais. Primeiro, o que medem as sondagens são as “intenções de voto hoje”, o que pode ser muito diferente do “comportamento dos eleitores no dia das eleições”.
Isto significa que as sondagens são um instrumento de análise impreciso? A afirmação merece alguma cautela. Pedro Magalhães, professor universitário e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, diz que há três fatores que podem ajudar a explicar uma eventual discrepância entre sondagens e resultados finais. Primeiro, o que medem as sondagens são as “intenções de voto hoje”, o que pode ser muito diferente do “comportamento dos eleitores no dia das eleições”.
Em 2011, a duas semanas das eleições, PSD e PS estavam
"rigorosamente empatados" com 36% das intenções de voto. A luta
prometia ser renhida, mas Passos venceu com mais de dez pontos percentuais. Depois, é impossível saber com precisão se os
eleitores que dizem que vão votar, o vão fazer de facto. “É uma incógnita”,
sublinha. E, em terceiro lugar, os indecisos auscultados são também um fator a
ter em conta – vão votar? Como vão votar? É difícil prever. E porque é de um empate técnico entre socialistas e
coligação de que (quase) todas as sondagens falam, é possível afirmar-se que um
cenário de grande disputa eleitoral pode motivar os eleitores a irem às urnas?
O investigador acredita que sim, que “a perceção de que existe indecisão e
incerteza” nos resultados pode mobilizar os eleitores. Ao ponto de poderem
fazer a diferença na hora de contar os votos? Numa eleição como esta, é
possível que isso venha a acontecer, reconhece.
Uma ideia partilhada também por António Costa Pinto. O
politólogo acredita que a ideia de que existe um empate entre socialistas e
coligação não “motiva per si os indecisos” a irem às urnas. Mas “provoca um
esforço mais acrescido por parte dos dirigentes políticos” de forma a
capitalizarem essa indecisão.
Numa análise mais atenta, Costa Pinto acredita que, o
que as sondagens demonstram, é que o PSD está a conseguir “recuperar uma parte
do seu eleitorado” que, “face à
austeridade”, deixou “transitoriamente” de ter a certeza se iria votar nos
sociais-democratas. Essa parte do eleitorado, antes indecisa, está agora “a
regressar”, sublinha. E isso faz crescer a coligação nas intenções de voto.
Ligeiramente diferente é assumir como certo que, à
medida que os empates técnicos nas sondagens se vão sucedendo, exista uma
grande mobilização dos eleitores para o voto útil, considera, por sua vez,
Pedro Magalhães. “É uma boa hipótese”, reconhece, mas “não é assim tão claro” que
isso aconteça. “As pessoas que decidem já perto das eleições” tendem a não se
“inclinar para os grandes partidos”. PS, PSD e a CDU têm, por natureza, um
eleitorado mais fiel. Já o “perfil do eleitor indeciso” – “mais jovens, mais
instruídos e com menos identificações partidárias”, está mais próximo do típico
eleitor de CDS e BE. É o que Pedro Magalhães chama, numa análise publicada no
seu blogue, de “padrão invariável”.
O investigador Pedro Magalhães considera que "a
perceção de que existe indecisão e incerteza" nos resultados pode
mobilizar os eleitores. Numas eleições renhidas como estas, os indecisos podem
fazer a diferença. António Costa Pinto, por sua vez, considera que a
incerteza associada à ideia do empate técnico pode ser capitalizada pelos partidos
para o apelo ao voto útil. Sobretudo à esquerda: o PS “ensaiando a
bipolarização”; PCP e BE tentando “bloquear” essa estratégia, atacando o PS e
agarrando o eleitorado mais à esquerda, explica. Os resultados são
imprevisíveis, mas podem existir oscilações entre os indecisos que depois não
se refletem nas sondagens.Mas há falhas e falhas, catástrofes e catástrofes. Se
lá fora ainda está na retina o falhanço das sondagens realizadas durante as
últimas eleições britânicas, em Portugal, a “maior sondagem já realizada“,
feita na véspera das eleições legislativas de 1991, é um verdadeiro caso de
estudo de como as sondagens podem estar erradas. De acordo com a sondagem feita
na altura pela Marktest e a Euroexpansão, o PS ganharia com 38,8%, contra os
35,3% do PSD. Uma margem curta, praticamente um empate.
Resultado das eleições? Cavaco Silva consegue reeditar
a maioria absoluta conseguida em 1987 – a primeira atribuída a uma força
política não coligada – e ainda consegue aumentar votação – 50,6% contra 29,13%
do PS.
“A dimensão da catástrofe é difícil de descrever. É
certo que todos “acertaram” no vencedor. Mas acertar no vencedor é coisa que um
extraterrestre chegado a Portugal no dia 5 de outubro podia fazer com uma moeda
com 50% de probabilidade de acertar, ou, se quisesse 100%, lendo os jornais de
Setembro de 1991. De resto, em média, as sondagens subestimaram a margem de
vitória do PSD sobre o PS em 12%, enquanto que o desvio absoluto médio entre os
resultados das sondagens para os quatro principais partidos e o resultado que
vieram a ter foi de quase 4% (acima de qualquer concebível margem de erro
amostral)”, chegou a analisar Pedro Magalhães.
O mesmo investigador explica também como, do seu ponto
de vista e contrariando as primeiras interpretações, a última sondagem da
Aximage dá, na prática, um empate técnico entre PS e coligação PSD/CDS. Através
de uma análise comparativa entre as últimas sondagens da Eurosondagem e da
Aximage, Pedro Magalhães concluiu que tanto a diferença de 1 ponto percentual
(Eurosondagem) como de 5,6 pontos (Aximagem) “não são estaticamente
significativas”. O segredo está na dimensão das amostras – 1040
entrevistas realizadas na sondagem da Eurosondagem, 602 entrevistas na Aximage,
isto, claro, sem retirar os abstencionistas (36% dos entrevistados). Ou seja,
uma resposta na Aximage tem proporcionalmente mais peso no valor final a que a
sondagem chega. “Em suma, na Aximage também temos um ‘empate técnico’, embora
não pareça, bem sei. [Mas] a direcção geral das coisas para o PS e para a
coligação é semelhante para as duas empresas: PS a descer, coligação a subir”.
Como eles odeiam as sondagens
As sondagens “tornaram-se quase armas de destruição
política” verdadeiras “perversões do funcionamento das democracias”. “Não podem
ser vistos como uma coisa menor” pois “influenciam uma escolha democrática”.
Quem o escreveu? Santana Lopes, primeiro, e Paulo Portas, depois.
Social-democrata e centrista escrevem, respetivamente, o prefácio e posfácio do
livro “Insondáveis Sondagens”, de Diogo Agostinho e Alexandre Guerra, onde
aproveitam para tecer duras críticas ao modelo. Os dois concordam num ponto: as sondagens sempre os
prejudicaram. Santana diz que pode dizer “com rigor que nunca nenhuma sondagem
[o] favoreceu. “Pelo contrário”, acrescenta. “Sempre [teve] de lutar contra as
sondagens”. Portas assina por baixo, considera que o CDS tem sido vítima do
chamado “voto oculto” e dá três exemplos de como o partido foi prejudicado. Nas
europeias de 2009, houve sondagens a dar ao CDS 5% quando acabou por ter 8,4%.
Nas legislativas de 2011, era dado empate PS-PSD para um “claro apelo ao voto
útil” e os dois partidos acabaram por ficar com mais de 10 pontos de diferença.
Nas regionais da Madeira em 2015, contra todas as previsões, manteve-se como o
segundo partido mais votado.
(Ainda este ano, o CDS chegou a ponderar avançar com
uma proposta de lei para proibir a divulgação de sondagens em plena campanha
eleitoral. A hipótese foi levantada na reunião da Comissão Política do CDS mas
acabou por não ter seguimento).
As primeiras sondagens antes do duelo decisivo entre
Santana Lopes e José Sócrates não eram (muito) animadoras para os socialistas.
"Maioria absoluta por um canudo", escreveram os jornais. No final, o
PS conseguiu a primeira maioria da história do Largo do Rato E se Paulo Portas já dirigiu mesmo um centro de
sondagens da Universidade Moderna (a Amostra), Manuela Ferreira Leite, então
líder social-democrata, chegou a colocar-se nessa pele. “Se eu fosse directora
de uma agência de sondagens nunca publicaria uma sondagem a oito dias de
eleições dizendo que tinha 30 por cento de indecisos. Diria que não tinha
reunido as condições para a publicar. Porque evidentemente uma sondagem com 30
por cento de indecisos significa que qualquer partido, mesmo aquele que na
sondagem aparece atrás de todos os outros, pode ganhar as eleições. Não tem
nenhum significado uma sondagem dessas”, afirmou na altura, em entrevista ao
Correio da Manhã (sem link disponível). Mas as críticas também se fazem à esquerda. Mais
recentemente, a 11 de julho deste ano, o líder do PCP, Jerónimo de Sousa,
acusou as sondagens de serem “marteladas” e de “formatarem a cabeça dos
portugueses“. “Mas, o pior é mesmo a ‘martelagem’ em relação à interpretação
dessas sondagens que são publicadas”, acrescentava na altura. Mais prudente foi António Costa, quando confrontado
com a primeira sondagem que dava a coligação à frente do PS nas intenções de
voto. A 19 de junho deste ano, a sondagem da Universidade Católica para o JN
atribuía a PSD/CDS 38% dos votos, enquanto os socialistas se ficariam pelos
37%. O secretário-geral do PS reagia assim: “As sondagens que contam são as das
urnas. Em relação às que têm saído, umas são melhores e outras piores e o que
dizem é que temos de continuar a trabalhar, a fazer o que nos compete e a
reforçar a confiança”. Quase três meses depois das declarações de Costa, a
sondagem da Aximage dá uma vantagem de 5,6 pontos percentuais. Se é verdade que as sondagens que contam são as das
urnas e que sondagens há muitas, as previsões – imprevisíveis – não deixam de
agitar os partidos. E numa altura em que mesmo os estudos de opinião mais
otimistas dão uma um vantagem residual ora a PS, ora à coligação, até os mais
descrentes se agarram às sondagens – assim lhes convenha. O melhor mesmo é
esperar por dia 4 de outubro” (texto do jornalista Miguel Santos, Observador)
Sem comentários:
Enviar um comentário