"Sendo certo que o CDS, sobretudo quando na oposição, vende a ideia
de que é o partido dos reformados, dos pensionistas e dos agricultores,
assumindo-se como uma espécie de procurador autonomeado dos interesses desses
extractos populacionais, a verdade é que o partido de Portas – que até tem à
frente dos ministérios da segurança social e da agricultura, destacados
dirigentes seus – não consegue dissociar-se, por mais piruetas que dê, ao
pacote de medidas de austeridade cada vez mais criminosa e de descarada
roubalheira que tem vindo a ser paulatinamente divulgado e que não poupam ao
longo dos últimos anos os reformados.
Dos agricultores, e das
trapalhadas resultantes de legislação recente, absolutamente idiota, sobre a
relação impositiva entre o fisco e os agricultores domésticos, que auferem
parcos rendimentos com esta actividade, e que não têm qualquer relação
comercial com terceiros, nem falo. Os danos colaterais dessa medida estão à
vista de todos, as implicações para muitos agricultores idosos são de tal modo
graves – e conheço muitos casos bem como as muitas preocupações de autarcas
incomodados com esta palermice toda, a meses de novas eleições. Bem como não
falo da tributação imposta aos pensionistas e reformados que auferem valores
insignificantes, obrigados também pela primeira vez a apresentarem declarações
fiscais quando antes estavam isentos. Homens e mulheres, como vi, com 70 ou
mais anos, muitos deles com bengalas e curvados pelos anos de uma vida cheia de
agruras, depositados nas filas das finanças para formalizarem a entrega de algo
que nunca antes fizeram e que poderia ter sido feito, por exemplo, nas Juntas
de Freguesia.
Portas, para ser coerente
e não demagógico, como voltou a ser – aliás tal como tinha feito em duas anteriores
situações em que a coligação alegadamente mais balançou – tinha que ter feito
muito mais do que fez pela alegada base eleitoral natural do seu partido. É
hoje fácil à esquerda, por exemplo, ao próprio PS nesta cruzada de
branqueamento do passado recente e na sua onda de sacudir a água do capote e de
lavar a mãos como Pilatos relativamente a responsabilidades pela situação que
vivemos, culpabilizarem o CDS, pelo que acontece aos reformados de
pensionistas, pelas exigências colocadas a milhares de agricultores caseiros e
sem negócios fora-de-portas, com todas as consequências eleitorais daí
decorrentes. O partido de Portas pode ser especialista em trapezismo mas não
consegue o milagre da negação das suas culpas.
Lamentavelmente temo que a
coligação, sobretudo o PSD – porque sendo o maior partido da coligação será o
que mais penalização sofrerá – com estas medidas anunciadas por Coelho acaba de
cavar a sua própria sepultura eleitoral – apesar de ressalvar o que aconteceu nas
eleições recentes da Islândia, demonstrativo de como a memória dos povos é
curta, já que tudo funciona em função de conjunturas e de interesses colectivos
– não para as autárquicas de Outubro, mas quiçá para um ciclo político e
eleitoral mais alargado. O que é dramático, para as estruturas partidárias
locais, é que estas acabam por ser penalizadas, ainda por cima em eleições cuja
natureza deveria afastar qualquer influência do poder central das escolhas
locais. Mas não é mais possível. A situação é de tal movo grave, a austeridade
de tal modo criminosa, o desemprego de tal modo escandaloso, a desmotivação e a
frustração das populações de tal modo graves, a pobreza que cresce de forma tão
vergonhosa, que se gera uma espécie de ciclo vicioso onde ninguém escapa e
todos acabam por pagar, mesmo aqueles que não têm culpas.
Aliás é absolutamente
hilariante, apesar de politicamente complexo, constatar também o esforço do CDS
local para se distanciar de tudo, desde a governação regional à governação
nacional, sobretudo desta, quando sabe que municípios e regiões estão obrigados
a cumprir, ao estilo fascizante do "come-e-cala", as medidas aprovadas e
impostas pelo desprezível governo de coligação de Lisboa, da responsabilidade do
PSD nacional, hoje refém daquela corja de oportunistas, e do CDS de Portas,
Cristas e Mota Soares. Não há volta a dar a esta factualidade.
Portas cometeu um segundo erro, o de
julgar que um simples momento de trapezismo mediatizado com 48 horas de
antecedência, como foi o caso da sua lamentável intervenção de domingo passado,
resolve o problema político e o esvaziamento eleitoral do CDS. Não resolve
coisa nenhuma.
Bastaria recordar, por exemplo,
estudos cientificamente sustentados que associam uma larga fatia da abstenção
ao distanciamento crescente dos eleitores mais idosos, particularmente nos
últimos 4 a 5 anos, devido não só ao aumento das dificuldades que regra geral
lhes estão a ser impostas pela governação, mas pela frustração de perceberem
que as gerações posteriores, a dos seus filhos e dos seus netos, estão hoje desempregadas,
sem trabalho, obrigadas a emigrar, nalguns casos a passar por privações
desumanas e criminosas, e que são eles, os mais idosos, que em vez de se
preocuparem com a sua reforma e os seus últimos anos de vida, ou são obrigados
a trabalhar para ajudar filhos e netos ou constatam que os seus rendimentos
desaparecem rapidamente para os ajudarem nas necessidades mais prementes. Qual
é o estado de espírito destas pessoas? Acham mesmo que eles vão votar em quem
os anda a tramar todos estes anos, os que lá estão ou os que por lá passaram
mesmo que digam agora que nunca lá estiveram? Coloquem-se no lugar deles…
Portas é um político inteligente,
hábil, experimentado, mas sabe certamente que contra factos não há argumentos
credíveis que possam afrontar ou neutralizar esta realidade altamente
degradante para os partidos em geral. E para os políticos, o que não deixa de
ser lamentável porque sem partidos não há democracia e sem uma classe política
credibilizada e respeitada mais fragilizada e vulnerável fica qualquer democracia
constitucional. Acredito que Portas terá recuado nas suas intenções iniciais,
pressionado directamente, quer pelas declarações de Coelho que em certa medidas
constituíram uma advertência ao CDS, quer sobretudo pela ameaça de um Conselho de
Estado pretensamente a ser convocado por um incomodado.
É penoso, acredito, um avô perceber
que investiu tudo do que tinha e sabia nos seus filhos para depois os ver, de
um momento para outro, desempregados e sem direitos nem protecção. É penoso,
acredito, para um avô olhar para os netos, filhos dos seus filhos, e perceber
que os seus filhos investiram também tudo do que tinham, nalguns casos indo
buscar o que não tinham, na sua formação para que depois desse esforço todo os
seus netos, estejam agora confrontados com a frustração da dura alternativa, ou
o desemprego ou os riscos da emigração. Basta, como foi o caso, uma análise
cuidado e cientificamente elaborada, aos resultados nas diferentes secções de
voto eleitorais, para se perceber – embora hoje não exista essa facilidade de
identificação, como no passado, das mesas dos eleitores mais idosos e dos
eleitores mais jovens, sobretudo depois da mudança nos cadernos eleitorais,
associando a residência ao cidadão – que a abstenção alimenta-se, e muito, nos
idosos, nos tais avós que olham para a situação portuguesa e não encontram nela
nenhuma razão para votar, e nos jovens, principais vítimas da crise económica,
da falta de emprego, das asneiradas do poder e da incompetência de quem nos
governa ou governou.
Portas, sabe que, pela sua natureza,
características e perfil, o seu partido dificilmente alargará a sua base
eleitoral de apoio, pelo contrário, quanto muito tenderá a perdê-la, dada a
relação entre as votações e o envolvimento dos partidos na governação e
responsabilidade pelas conjunturas sociais e económicas. A principal ameaça ao
CDS tem a ver com a perda eleitoral para a abstenção ou para outros partidos,
já que os centristas, a exemplo do que acontece com o PSD e com o PS,
beneficiam muito dos chamados eleitores flutuantes.
O que se passou, portanto, com a declaração de
domingo passado de Portas – para dizer que concorda com todas as medidas
anunciadas pelo governo de coligação de que faz parte, menos com uma – é pouco
mais do que nada. Em linguagem popular, a montanha pariu uma ratazana do
tamanho do mundo. Exactamente porque Portas se refugiou em banalidades. O CDS
precisa e quer o poder, não tem condições políticas para se envolver numa crise
política, sobretudo quando dela pode resultar um mais acentuado enfraquecimento
eleitoral" (LFM-JM)