Segundo
a jornalista do Publico, Isabel Arriaga e Cunha, "responsáveis
alemães demarcam-se da austeridade imposta aos países periféricos. Críticas são
particularmente duras contra a Comissão Europeia e o seu presidente, Durão
Barroso. Já não é só em Portugal, Grécia ou Irlanda que as receitas de
austeridade impostas pelas troikas de credores internacionais estão a
ser criticadas: na Alemanha, as equipas da Comissão Europeia, Banco Central Europeu
(BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI) também são acusadas de impor
receitas erradas aos países sob programa de ajuda externa. Mais de três anos
passados desde o início da crise da dívida europeia, os responsáveis alemães já
estão mais do que habituados, e mesmo resignados, a serem apontados como os
responsáveis pelas dificuldades vividas pelos países periféricos. Esta
resignação não os impede, no entanto, de se demarcarem muito claramente do
mantra da austeridade a todo o vapor que tem imperado na Europa desde 2010.
O
termo "austeridade" tem em alemão uma conotação particularmente
negativa de sofrimento extremo, o que os responsáveis em Berlim garantem que
está longe de ser o que defendem. Olhando para a sua própria experiência com a
unificação, os alemães acreditam que os países mais frágeis só sairão da crise
pela via da competitividade das suas economias, o que, reconhecem, é o caminho
mais difícil. É por isso que a sua solidariedade, expressa através dos
empréstimos a estes países, é justificada em nome da necessidade de lhes dar
tempo para procederem às reformas estruturais necessárias para eliminar a
rigidez das economias e liberalizar os mercados de trabalho, associadas a uma
disciplina orçamental aplicada de forma inteligente e tendo em conta a
conjuntura económica.
Medidas
como aumentos de impostos que, segundo Berlim, podem ser consideradas por
muitos governos como o caminho mais fácil para reduzir os défices orçamentais,
são, pelo contrário, encaradas como um erro que penaliza as populações mais
desfavorecidas e mata o crescimento económico. O aumento do IVA para a
restauração e hotelaria no país de turismo que é a Grécia como foi imposto pela
troika a Atenas causou, aliás, a maior surpresa em Berlim, sobretudo
pelo facto de a concorrência feroz dos vizinhos não ter sido tida em conta. Em
contrapartida, reformas como o aumento do horário de trabalho da função pública
em Portugal para 40 horas por semana são apontadas como exemplos positivos de
medidas viradas para o reforço da competitividade do país.
A
fúria de Berlim contra a troika resulta igualmente da dupla linguagem de
alguns dos seus dirigentes que se pronunciam sobre os limites da austeridade,
mas recusam, no terreno, qualquer desvio nos programas dos países ajudados. As
pessoas que impõem as receitas de austeridade são as mesmas que dizem que os
programas de ajustamento nunca vão funcionar, acusa um alto responsável alemão,
insurgindo-se pelo facto de, na troika, ninguém assumir a responsabilidade
pelos erros dos programas. Dentro da troika, a irritação de Berlim
dirige-se sobretudo contra a Comissão Europeia, incluindo o seu presidente,
Durão Barroso, o que não deixa de ser paradoxal quando muitas das exigências de
austeridade aplicadas aos países sob programa de ajuda são implicitamente
apresentadas em Bruxelas como resultantes de exigências alemãs.
Incompetente,
ineficaz ou rígida são críticas recorrentes ouvidas em Berlim contra a
Comissão, o que denota o total cepticismo dos responsáveis alemães sobre a sua
capacidade para gerir a saída da crise e, mais ainda, assegurar as novas
responsabilidades que a zona euro terá de assumir para sobreviver, a começar
pela união bancária que está actualmente em construção. Exemplos de críticas
incluem os milhares de milhões de euros de fundos estruturais comunitários
atribuídos entre 2007e 2013 que ainda estão por usar em Portugal ou Grécia e
que poderiam apoiar medidas potenciadoras de crescimento económico, mas que
continuam parados devido à rigidez das regras europeias.
A
política europeia da concorrência (que tem sido criticada nalgumas capitais por
dificultar o saneamento dos bancos mais frágeis, ou por terem impedido o
Governo português de assumir uma fiscalidade mais vantajosa para os novos
investimentos em Portugal) também não é poupada. Os alemães defendem, aliás,
que os países sob programa de ajuda externa deveriam beneficiar de um regime
especial de derrogação temporária às regras da concorrência para poderem
assumir medidas inovadoras e porventura menos ortodoxas em favor do crescimento
económico. Uma sugestão feita nesse sentido por Berlim à Comissão foi rejeitada
em nome das regras, acusa um responsável alemão. Por todas estas razões, o
cansaço em Berlim contra Bruxelas é patente e assumido sem rodeios. Os alemães
continuam a insistir na necessidade de alterar o Tratado da União Europeia (UE)
para permitir a criação de uma autoridade europeia responsável pela liquidação
e reestruturação dos bancos falidos no quadro da nova união bancária. Se
depender de Berlim, esta oportunidade será aproveitada para proceder,
igualmente, a uma alteração dos poderes e competências da Comissão de modo a
corrigir os defeitos que lhe são apontados".