sábado, junho 04, 2022

Miguel Albuquerque ao DN-Lisboa: "PSD nacional ou faz a mudança ou corre o risco de desaparecer como alternativa"



Presidente do Governo Regional da Madeira quer uma "nova lei das finanças regionais" que permita "50% de diferencial fiscal" em relação ao continente e colocar o IRC "à semelhança do que a Bulgária tem, que é de 10%". E o PSD nacional? "Tem que mudar quase tudo."

Qual é a diferença do PSD/Madeira de hoje para aquele que foi o de Alberto João Jardim?

É um PSD renovado, mas a matriz identitária é a mesma. Houve uma adaptação das políticas, há uma abertura do partido à sociedade e, neste momento, é um partido que, tendo uma agenda moderna e, sobretudo, assumindo e liderando a transição para a economia digital na Madeira, tem muitos jovens a votar. Conseguimos fazer a renovação geracional e isso é essencial, pois só conseguimos isso abrindo o partido à sociedade, não tenho dúvidas sobre isso.

Essa renovação está a captar eleitores jovens?

Constato isso nos resultados eleitorais. As camadas jovens estão a votar em nós e isso é muito significativo para o partido.

E o que é que falta fazer na Madeira?

​​​​​​​Precisamos de uma solução a nível da lei fiscal. Precisamos de ter uma capacidade de instrumentos fiscais no sentido de garantir mais atratividade para a fixação de empresas internacionais e nacionais aqui. Uma das questões que se tem discutido é a circunstância de o Centro Internacional de Negócios não ter a igualdade competitiva que a Holanda, e isso significa que as grandes empresas nacionais estão fixadas lá e não estão em território nacional. É fundamental que tenhamos a capacidade, sobretudo nas chamadas novas empresas digitais, de ser atrativos para que as empresas se fixem na Madeira. E para isso é necessário um reforço da capacidade de atração fiscal.

Como é que se faz isso?

Precisamos de uma lei das finanças públicas no sentido de garantir uma majoração e uma possibilidade de ultrapassarmos os 50% de diferencial fiscal, sendo que neste momento temos 30%. O IRC na Madeira é de 14,7%, temos os dois primeiros escalões do IRS com um diferencial de 30%, o terceiro escalão tem 20% e vai passar para 30% no próximo ano, e o quarto escalão tem um diferencial de 15%. O que pretendemos é ter um diferencial maior, no sentido em que, do ponto de vista de atração fiscal, possamos fixar aqui empresas internacionais e tecnologia de ponta. Portugal, como país periférico da Europa, e a Madeira, como região insular, têm de acompanhar a transição digital, porque é algo que está a acontecer em todas as áreas.

Qual é o pacote fiscal atrativo para que possa acontecer aquilo que pretende?

Pretendia colocar o IRC à semelhança do que a Bulgária tem, que é de 10%, mas não posso, porque estou no limite dos 30%, e para isso preciso de uma autorização da Assembleia da República e de uma mudança da lei, no sentido de me autorizarem essa alteração.

É possível essa alteração?

Temos duas hipóteses: ou o Estado, através da lei das finanças regionais, reconhece a insularidade ou outra periferia, ou, se não o quer fazer - como, aliás, não tem feito -, porque todos os anos as transferências do Orçamento do Estado para a Madeira são cada vez menores, se não o quer fazer e não o assume, pelo menos dê-nos os instrumentos para nos desenvolvermos.

O que é que prefere: o dinheiro ou os instrumentos?

Prefiro os instrumentos, mas acho que Portugal não se pode resumir às responsabilidades constitucionais, tem de assumir aquilo que são sobrecustos no campo da saúde e da educação, por exemplo. Ou até mesmo os custos de soberania, que já estamos a assumir, o que é absolutamente patético. Os custos da saúde neste momento, das Forças Armadas, da GNR e da PSP, sendo exercícios de soberania, são assumidos pelos contribuintes da região, quando são funções essenciais do Estado. Chegámos a este patamar de ridículo.

O que é que devia mudar?

É preciso perceber que as políticas têm de mudar, temos de ter um país ambicioso, com uma agenda reformista, para criar riqueza, fixar os jovens e aproveitar a nova geração.

E não vê nada disso?

Vejo muita conversa, mas políticas concretas não vejo. Continuamos com uma carga fiscal altíssima. Estamos numa situação de estagnação económica e de empobrecimento do país face aos parceiros europeus que eram muito mais pobres. Comparando com a Irlanda, por exemplo, que está a crescer 22% depois da pandemia, Portugal irá crescer 4,7%. Neste momento não vejo que haja políticas no sentido de assegurar que Portugal cresça, e tem de crescer a um ritmo superior a 4% todos os anos.

Qual é o caderno de encargos que precisa para a Madeira?

O que precisamos, em primeiro lugar, é que nos deem liberdade para seguirmos o nosso caminho de desenvolvimento. Precisamos de ter autonomia fiscal e, no campo dos poderes de decisão aqui, termos um alargamento do poder legislativo, mais poder legislativo.

Que alargamento?

Por exemplo, a nível das políticas e da capacidade de desenvolver parcerias com instituições internacionais. No campo da exploração do mar, temos uma das maiores plataformas continentais da Europa e do mundo, mas são precisas políticas concretas no sentido de garantir, por exemplo, que vamos ser líderes em áreas como produtos farmacêuticos do mar, alimentação, alterações climáticas, busca de metais raros, como fez o Japão, drones subaquáticos e toda a tecnologia de drones - que já estamos a desenvolver para as Forças Armadas na nossa universidade -, precisamos de ter autonomia para que essas políticas sejam cumpridas.

É preciso ter autonomia para decidir?

Para decidir e para enquadrar. Há uma mentalidade demasiado centralista no país e que se tem perpetuado, o que é catastrófico para o nosso desenvolvimento como país.

Daí a mais alta taxa de pobreza de que se fala sobre a Madeira?

A taxa de risco de pobreza existe nas Canárias, na Sardenha, nos Açores, e é sempre mais alta do que a continental, porque, sendo ilhas, há um conjunto de fatores que acentua esse risco. As ilhas têm dependências e vulnerabilidades potenciais que estão contabilizadas nesse risco de pobreza.

E aqui quais são as vulnerabilidades?

É estarmos numa ilha, é o isolamento, a falta de escala de mercado, o distanciamento físico dos grandes centros, transportes, tudo isso acentua esse potencial risco.

Há uma margem curta de diversificação da economia?

O nosso grande objetivo é avançar para a diversificação da economia, o que, aliás, já estamos a fazer. A nossa região já tem empresas tecnológicas sediadas e o seu volume de negócio já ascende a 300 milhões de euros. Se compararmos com o turismo, que representa 460 milhões de euros, não estamos assim tão mal. A minha ideia é, dentro de cinco ou seis anos, ultrapassar o turismo em volume de negócio. Isto significaria 500 milhões de euros por ano da área tecnológica e o turismo à volta dos 460 milhões de euros.

E há margem para mexer nos impostos?

Sim, e temos baixado os impostos. Baixámos a derrama em 30%, baixámos os primeiros quatro escalões do IRS e para o ano ainda vamos baixar mais.

O líder socialista diz ser necessário baixar mais os impostos, mas não percebe porque é que o senhor não o faz...

Ele é que não sabe de contas, por isso é que é o líder socialista. Há uma tradição no socialismo de não saberem fazer contas. Não posso baixar mais os impostos porque o governo não me autoriza.

Mas pode ir até aos 30% em todos os escalões no IRS?

Todos os anos temos um diferencial de nove milhões de euros pagos a menos, desde 2016, a nível do IRS, e menos 14,8 milhões de euros de IRC. O que diz é que era importante, segundo a conversa dele, baixar o IVA, mas o IVA não vou baixar. Cada 1% de IVA significa 24 milhões de euros de receita na Madeira e, obviamente, sendo o IVA um imposto sobre o consumo, não é, do meu ponto de vista, um imposto justo de baixar.

Não?

​​​​​​​Não, quando se fez a baixa do IVA da restauração, e houve um estardalhaço por causa disso, essa diferença foi absorvida pelas cadeias de retalho, nem sequer foi para o bolso do consumidor. Como eles [PS] querem só beneficiar as cadeias de distribuição, não ia ter impacto no consumidor.

E o que é que vai fazer pelas empresas?

Vamos continuar a fazer o que estamos a fazer, não posso baixar mais, estou com 14,7%, não posso ultrapassar por lei os 30%, daí precisar de uma revisão da lei.

Está convicto de que isso é possível?

Nunca se sabe, depende. Neste momento temos condições para falar e resolver estas questões, que são importantes para a Madeira e para o país.

Porque é que tem condições?

Primeiro, porque não estamos dependentes daqueles partidos excêntricos, como o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. Uma vez que o Partido Socialista está livre dessa gente, e ainda bem e para o bem do país, agora já podemos falar.

Mas agora o PS não está pressionado por nada.

Está pressionado pela questão de governar para bem do país e a Madeira é Portugal e, por conseguinte, é obrigação do governo garantir o desenvolvimento de todas as regiões do país.

Antevê intransigências?

Não há intransigências, estamos abertos. Isto não é uma questão de valores, é uma questão de olharmos para Portugal e percebermos que estamos a ficar para trás. Neste momento é necessário tomar decisões rápidas, olhar para o futuro, não se pode viver no passado. Agora temos uma excelente geração de jovens e precisamos de os aproveitar.

Até onde está disposto a ir?

Estou disposto a dialogar, desde que seja para desenvolver o meu país e ter uma agenda de crescimento económico, de captação de quadros, de captação de investimento estrangeiro. Se não, vamos distribuir o quê? Vamos distribuir a pobreza?

Como encara a possibilidade de os três deputados do PSD/Madeira serem sancionados por terem violado a disciplina de voto na votação do Orçamento do Estado?

​​​​​​​Penso que isso não vai acontecer. Mas, se acontecer, não há nada a fazer, uma vez que não violamos os nossos princípios de defender os interesses da Madeira.

Como olha para os últimos tempos do seu partido?

Acho que o PSD, neste momento, tem um trabalho ciclópico pela frente, e por isso é que me meti na candidatura do [Luís] Montenegro. Agora, ou o PSD consegue fazer uma mudança substancial ou corre o risco de desaparecer como partido alternativo.

E o que é essa mudança substancial?

É construir uma alternativa à governação do PS, e para isso é preciso que o partido tenha uma agenda mobilizadora, que se abra às novas gerações, que seja urbano, moderno e reformista e que tenha um programa e, sobretudo, um conjunto de quadros - que também devem ir buscar-se à sociedade - suficientemente aliciantes para captar os jovens quadros nacionais. Tem de mudar quase tudo e tem de o fazer neste tempo, que tem uma interação e uma abertura à sociedade. É preciso visitar as empresas, falar com os empresários, falar com a sociedade, com as universidades, é preciso captar essas pessoas.

E não o estava a fazer?

Não estava a fazer, mas agora tem de o fazer. O partido tem de perceber o que é que as novas gerações da sociedade querem. Há uma parte da sociedade portuguesa que está conformada, e não é com essa parte que vamos fazer a mudança, as pessoas que querem segurança, que querem ganhar aqueles ordenados miseráveis porque preferem segurança em vez de mudança. Temos de ter, como sempre fizemos, a parte mais dinâmica e mais reformista da sociedade do nosso lado.

No próximo ano será novamente candidato ao governo regional?

Vou ser candidato e espero ganhar as eleições, vou sempre para as eleições como se fosse a primeira vez.

O que é que irá fazer de diferente?

Tenho uma obra fundamental a concluir, que é o Hospital da Madeira, e depois quero melhorar um conjunto de áreas muito importantes para nós, como a área de investigação na universidade. Vamos fazer um novo edifício para que possamos ter mais bolsas, mais investigadores, e também as startups vão melhorar ainda mais, é preciso internacionalizar a Madeira cada vez mais. Quero criar aqui um hub para o desenvolvimento das ciências da saúde, vou criar dois centros de inteligência artificial - o primeiro já vai avançar no próximo mais -, portanto, quero que a Madeira seja uma referência na transição digital e nas áreas tecnológicas.

E como é que se junta a universidade a tudo isso?

A universidade faz um trabalho excecional, pois a área de investigação tem 300 investigadores que estão ligados à universidade. Há coisas que temos aqui que as pessoas nem conhecem. Por exemplo, temos o maior centro de investigação de plasmas do mundo aqui na universidade. As grandes empresas americanas e alemãs financiam este centro de investigação e está entre os melhores do mundo, se não for mesmo o melhor.

Há algum desajuste no ensino universitário e profissional com aquilo que são as necessidades empresariais?

Neste momento conseguimos uma coisa que acho muito importante, que é 92% dos jovens da Madeira terem concluído o 12.º ano e, desses, 92%, 89% irem para a universidade. Isso significa que para os trabalhos não qualificados, no futuro, vamos ter de importar mão de obra, o que acho ótimo, e não vejo nenhum problema nisso.

E consegue fixar os jovens licenciados madeirenses?

​​​​​​​Por isso é que é fundamental termos aqui um hub tecnológico. Temos de ter grandes empresas, quanto maior a empresa, quanto mais know-how de formação, quanto maior escala tem, melhor é. Paga melhores salários, pois são as empresas grandes que pagam melhor, e temos de ter esta capacidade de as atrair para cá (DN-Lisboa, texto do jornalista Artur Cassiano)

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