O segundo concelho mais rico do país tem acesso privilegiado aos fundos, pois está integrado no Norte, a região menos desenvolvida de Portugal. O país tem 308 municípios, mas há um que se destaca de todos os outros pela capacidade de aceder aos fundos da União Europeia (UE). Chama-se Porto e conseguiu captar mais de €1,4 mil milhões do Portugal 2020, o quadro comunitário que arrancou em 2014.
Só este concelho ficou com uma fatia equivalente a 6% do bolo total de €24,5 mil milhões de fundos europeus já aprovados pelos diferentes programas do Portugal 2020 até 31 de março de 2020. Em causa estão 129 mil projetos espalhados por todo o país, seja em prol das empresas e da competitividade e internacionalização da economia portuguesa, da sustentabilidade e eficiência no uso de recursos, do capital humano, da inclusão social e do emprego no continente e nas regiões autónomas.
O Porto responde por 14% dos fundos aprovados à região Norte e por 34% dos fundos captados pela sua área metropolitana. Os dados sobre a repartição das verbas do Portugal 2020 por município — que o Expresso pedia há vários anos à Agência para o Desenvolvimento e Coesão — estão finalmente disponíveis no portal Mais Transparência.
O total captado por cada município corresponde à soma
das verbas aprovadas do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), do
Fundo Social Europeu (FSE), do Fundo de Coesão e do Fundo Europeu dos Assuntos
Marítimos e das Pescas (FEAMP). Só não inclui o Fundo Europeu Agrícola de
Desenvolvimento Rural (FEADER), cujos dados ainda não estão disponíveis neste
novo portal destinado a reforçar o escrutínio da Administração Pública pelos
cidadãos.
SEGREDO ESTÁ NO NORTE
No portal Mais Transparência lê-se que “a distribuição
dos investimentos procura fazer uma repartição equitativa dos fundos e garantir
o desenvolvimento do país e das suas regiões. Para tal, os investimentos são
distribuídos pelos vários concelhos do país de acordo com as prioridades
estratégicas de cada fundo europeu”.
A questão é que os fundos da coesão devem privilegiar
o desenvolvimento dos territórios mais pobres. O estudo do Instituto Nacional
de Estatística (INE) sobre o poder de compra concelhio indica que o Porto é o
segundo mais rico do país, a seguir a Lisboa.
O Expresso ordenou os 308 municípios portugueses em função do montante aprovado pelo Portugal 2020 (ver ranking nesta página). E notou que os 112 municípios a contar do final da lista — de São Vicente, que nem €2 milhões conseguiu, até Vieira do Minho, que obteve quase €21 milhões — viram aprovados, no seu conjunto, apenas um total de €1387 milhões de fundos europeus. Ou seja, o Porto captou mais verbas do que a soma destes 112 municípios. Juntos, eles têm quase quatro vezes mais população do que os 217 mil habitantes da “capital do Norte”, conhecida pelo seu empreendedorismo e dinamismo empresarial. Em segundo lugar, a capital do país tem metade dos fundos do Porto (€792 milhões) e mais do dobro dos habitantes (510 mil).
Em comum, as duas cidades mais ricas do país chegam ao
topo do ranking graças aos milhões de euros de fundos extra para a extensão das
suas redes de metropolitano e demais infraestruturas de transporte, fora os
hospitais centrais, as maiores empresas, as universidades e demais entidades e
programas da Administração Pública central que se localizam maioritariamente na
capital.
Em termos per capita, a intensidade dos apoios
comunitários chega a ser quatro vezes superior, entre os quase €6500 por
portuense e os menos de €1600 por lisboeta. O Porto fica bem acima da média
nacional, que não chega aos €2400 por português. E os lisboetas ficariam ainda
mais abaixo desta fasquia se virem expurgados do seu concelho todos os fundos
europeus atribuídos a organismos públicos que prosseguem políticas de âmbito
nacional.
Lisboa — o município mais rico do país — integra a
Área Metropolitana de Lisboa (AML), a chamada região mais desenvolvida do país
em termos estatísticos (NUTS II). Segundo o INE, tem um PIB per capita
equivalente a 102% da média da UE, quando medido em paridades de poder de
compra. Quem está em Lisboa tem, assim, menor acesso aos fundos europeus. Por
exemplo, o programa regional Lisboa 2020 tem cerca de €800 milhões para os 18
municípios da AML. A taxa de cofinanciamento ronda os 50%, o que significa que
os fundos só costumam comparticipar metade dos investimentos feitos pelos autarcas,
universidades, empresas e demais beneficiários.
O Porto — o segundo município mais rico do país —
integra a Área Metropolitana do Porto (AMP), que já tem um PIB per capita
superior a 75% da média europeia. Esta é a fasquia acima da qual um território
deixa de ser considerado menos desenvolvido para a política de coesão da UE.
Mas, ao contrário da AML, a AMP é só uma das oito sub-regiões (NUTS III) da
grande região (NUTS II) Norte. E esta mantém-se como a região mais pobre do
país, valendo apenas 67% do PIB per capita europeu.
Ao ser tratado como qualquer pobre município do Norte,
o Porto tem livre acesso aos fundos europeus desta região menos desenvolvida
da UE, seja do Norte 2020 (que é o maior programa de fundos regionais, com €3,4
mil milhões), seja de grandes programas como o Compete 2020 (que tem €4,4 mil
milhões). E a taxa de cofinanciamento pode chegar aos 85%.
No fundo, é a situação inversa à que se passa com os
municípios da estatisticamente “pobre” Península de Setúbal. Nas últimas semanas,
esta tem sido notícia por se querer emancipar da “rica” AML. O objetivo é
ganhar acesso aos apoios comunitários condizentes com o seu estatuto de região
menos desenvolvida.
AMP ESMAGA CONCORRÊNCIA
As sub-regiões NUTS III mais pobres da região Norte — e do país — são o Tâmega e Sousa (48% do PIB per capita da UE) e o Alto Tâmega (50%). Juntas, têm 17 municípios e mais do dobro da população, mas só conseguiram ver aprovados pouco mais de dois terços dos fundos captados pelo concelho do Porto. Para o Tâmega e Sousa foram €785 milhões e para o Alto Tâmega €187 milhões, o que nem chega a €1900 e €2200 por habitante dos territórios mais pobres do país, respetivamente.
Aliás, nenhuma outra sub-região (NUTS III) menos
desenvolvida do Norte captou tantos fundos como o município do Porto, seja em
milhões ou em euros per capita (ver notícia na página ao lado).
O Douro (que só tem 57% do PIB per capita da UE) conseguiu €504 milhões. As Terras de Trás-os-Montes (60%), €360 milhões. O Alto Minho (61%), €662 milhões. O Ave (66%), €1001 milhões. E o Cávado (também com 66% do PIB per capita europeu) obteve €1042 milhões. Em termos per capita, a intensidade dos apoios comunitários vai da casa dos €2400 no Ave à dos €3400 das Terras de Trás-os-Montes. A AMP viu aprovados pelos diferentes fundos do Portugal 2020 quase €4,2 mil milhões para os seus 1,7 milhões de habitantes. Mais concretamente, €4179 milhões, o que dá uma média de €2400 por habitante. Em causa estão cerca de 42% de todos os fundos aprovados pelo Portugal 2020 na região Norte e de 17% no país. Quase metade dos municípios da AMP entram no top 30 dos que receberam mais fundos em Portugal (Expresso, texto da jornalista JOANA NUNES MATEUS)
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