É um "acordo
histórico" que visa adaptar o sistema fiscal internacional ao século XXI.
Mas o que significa mesmo? E quando se tornará realidade? O ECO preparou um
conjunto de perguntas e respostas.
Os astros
alinharam-se com a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos para se avançar na
reforma fiscal internacional que está há vários anos a ser impulsionada por
alguns países europeus ao nível da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Económico (OCDE). A própria administração norte-americana
avançou com uma proposta para desbloquear as negociações e, agora que há acordo
entre os países do G7, o acordo está à vista, mas terá a resistência de alguns
países, como é o caso da Irlanda.
O que foi acordado
este sábado?
Após anos e anos de discussões, os ministros da Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido chegaram a acordo este sábado em Londres para reformar as regras fiscais de forma a torná-las adaptadas à economia digital e para que sejam “justas”. “Para que as empresas certas paguem os impostos corretos nos locais certos“, resumiu Rishi Sunak num vídeo publicado este sábado.
Para o ministro
das Finanças britânico este é um acordo com “significado histórico” que
“finalmente transporta o sistema fiscal mundial para o século XXI”,
nomeadamente ao abordar a tributação dos gigantes tecnológicos. A principal
mudança é a aplicação de um taxa mínima de IRC a nível mundial de pelo menos
15% “operada numa lógica de país por país” que criará condições equitativas
para as empresas de diferentes dimensões e que ajudará a combater a evasão
fiscal.
De acordo com o
comunicado do G7, as reformas acordadas no G7 definem ainda que as maiores
empresas do mundo com margem de lucro de pelo menos 10% serão incluídas pelas
mudanças: 20% de qualquer lucro acima da margem de 10% será realocado e sujeito
a imposto nos países onde as vendas (as receitas) se realizam.
Como funcionará?
Se avançar, o IRC
mínimo de pelo menos 15% será aplicado pelo Estado onde está a sede fiscal aos
lucros das multinacionais no estrangeiro. Caso os impostos pagos pela empresa
em determinados países resultem numa taxa inferior aos 15%, esse Estado fica
com o direito de cobrar mais impostos até chegar a esse patamar, eliminando a
vantagem do desvio dos lucros. Mas há muitos pormenores técnicos que ainda têm
de ser discutidos e acordados dada a complexidade do tema.
Qual é o objetivo
com esta mudança?
Se se concretizar,
esta será a maior mudança no sistema fiscal internacional num século. O
objetivo é limitar a capacidade das grandes empresas de desviarem os lucros
registados em determinados países para jurisdições com impostos muito
inferiores e também obrigar as gigantes tecnológicas a pagar mais impostos nos
países onde de facto as suas vendas são feitas.
Ao longo das
últimas décadas, muitas multinacionais desviaram o rendimento que têm com
ativos intangíveis — patentes, softwares, propriedade intelectual, entre outros
— para jurisdições com impostos baixos sobre os lucros das empresas ou mesmo
sem impostos, como é o caso das Bermudas. Assim, apesar das receitas dos seus
produtos terem origem em países como os EUA ou os da União Europeia, os lucros
dessas vendas eram tributados fora desses territórios a taxas muito mais
baixas.
O argumento de
quem quer uma mudança no sistema fiscal é que a taxa efetivamente paga pelas
empresas acaba por ser significativamente inferior à taxa marginal do IRC, à
qual se dá mais atenção, por causa de benefícios fiscais, deslocalização de
lucros, entre outras estratégias fiscais. Por exemplo: em Portugal, o IRC pode
ir até aos 31,5%, mas a taxa efetivamente paga pelas empresas anda à volta dos
20%, dependendo do ano em causa, segundo as estatísticas da Autoridade
Tributária.
Estas mudanças
entram já em vigor?
Não. Este é só um
dos muitos passos necessários para que os 139 países cheguem a acordo ao nível
da OCDE, transpondo depois as regras para o enquadramento jurídico nacional e
internacional. Este acordo do G7 é um ponto de partida para as discussões entre
os ministros das Finanças e os governadores dos bancos centrais do G20 na
reunião de julho na Itália, em Veneza. Além disso, ajudarão nas negociações ao
abrigo da OCDE em que estão envolvidos 139 países. A expectativa da Organização
é que se chegue a um acordo formal até ao final deste ano.
Quanta receita é
que será gerada por esta mudança?
As estimativas variam,
mas a OCDE calcula que o IRC mínimo poderá gerar entre 50 a 80 mil milhões de
dólares em impostos para os Estados. Esta semana um estudo do EU Tax
Transparency (Observatório Fiscal) calculava que Portugal poderia arrecadar 600
milhões de euros este ano se taxasse os lucros das multinacionais a 25% (taxa
10 pontos acima dos 15%), enquanto a União Europeia (UE) receberia perto de 170
mil milhões de euros. “Isto representaria um aumento de 50% face ao que [a UE]
coleta atualmente com receitas do imposto sobre as sociedades”, disse o
economista Gabriel Zucman, diretor do recém-criado observatório, à Lusa.
Anteriormente, o
mesmo economista francês especializado em política fiscal, em conjunto com os
dinamarqueses Thomas Tørsløv e Ludvig Wier, tinha estimado que Portugal perde
9% da sua receita de IRC, por causa de países que apelidam de “paraísos
fiscais” (cuja definição é debatida entre os especialistas), num total de 665
milhões de euros. A maior parte (202 milhões) fica na Holanda, seguindo-se o
Luxemburgo (166 milhões) e a Irlanda (138 milhões). Recentemente, Zucman
calculava ainda que em 2020 as gigantes norte-americanas pagaram em impostos
uma percentagem inferior a 20% dos seus lucros: 11,8% no caso da Amazon, 14,4%
no caso da Apple, 16,2% no caso da Alphabet (Google) e 12,2% no caso do
Facebook.
Quem é contra? E
quem beneficia mais?
Não se pode dizer
que a Irlanda é efetivamente contra um acordo, pelo menos segundo o ministro
das Finanças irlandês, mas há resistência a aplicar um IRC mínimo acima da taxa
irlandesa de 12,5%. Em reação ao acordo deste sábado, Paschal Donohoe disse que
pode haver acordo, mas terá de zelar pelas necessidades dos países mais
pequenos, como é o caso do seu. “Há 139 países na mesa [das negociações] e
qualquer acordo tem de ir ao encontro das necessidades dos países pequenos e
grandes e dos desenvolvidos e dos em desenvolvimento“, escreveu no Twitter.
Os EUA, a
Alemanha, o Reino Unido e a França são os países mais penalizados pela
tributação de parte dos lucros das multinacionais para outros locais, de acordo
com os estudos disponíveis. Pelo contrário, países como a Irlanda, Luxemburgo e
Irlanda ou várias ilhas espalhadas por todo o mundo são os locais que
potencialmente mais terão a perder com esta medida dado que é onde uma parte
significativa da receita de IRC vem de multinacionais estrangeiras que deslocam
os lucros para serem tributados nesses sistemas fiscais mais favoráveis, como
mostram os dados da OCDE (ECO digital, texto do jornalista Tiago Varzim)
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