quinta-feira, junho 10, 2021

As teias familiares do PAN que uma moção tentou (e não conseguiu) eliminar

 


Além da união em prol das causas, há outros laços que reforçam o funcionamento dos órgãos do PAN. A teia é complexa: há irmãos, maridos e mulheres no mesmo órgão e até assalariados do partido no meio dessas ligações familiares. Este panorama não agrada a todos os militantes e foi alvo de uma moção, mas a tentativa de limitar estas relações levou um chumbo no Congresso do PAN. Ainda assim, marcou o final da manhã. Luís Teixeira foi a voz da proposta para impedir relações pessoais de primeiro grau ou de interdependência financeira dentro do mesmo órgão no partido, mas não conseguiu contrariar a hegemonia de delegados que estão ao lado da direção do PAN.

A proposta de alteração de Estatutos recebeu apenas 12 votos, contra os mais de 100 da proposta da nova direção que, entre outros, reforça os poderes de suspensão de militantes. Mas foi suficiente para suscitar uma troca de argumentos entre os militantes do PAN. Ainda que o principal alvo fosse aparentemente Bebiana Cunha — que volta a contar com a companhia do marido Albano Lemos Pires na nova direção — este está longe de ser o único caso de relações familiares no PAN. Há um enredo à volta de membros destacados do partido que integram a Comissão Política Nacional. E não só.

Desde logo, a futura porta-voz Inês Sousa Real, familiares tem dois familiares nos dois principais órgãos partidários. O marido, Pedro Soares, integra a atual Comissão Política Nacional ao seu lado. É um facto que não integra os lugares efetivos da lista que sairá deste Congresso, mas se agora é membro cessante, em março assegurou a liderança da concelhia de Lisboa do PAN, cargo deixado vago por Inês Sousa Real. A concelhia de Lisboa ficou, literalmente, em casa. Ao longo dos anos que dedicaram ao partido têm mantido uma alternância entre os vários órgãos internos, com especial destaque para a concelhia e a distrital de Lisboa.

Inês Sousa Real, em entrevista ao Observador, rejeita qualquer incompatibilidade no facto de o marido liderar uma das mais importantes concelhias do país e frisa que “ambos tomaram parte de diferentes órgãos do partido” ao longo dos mais de 10 anos de envolvimento ativo no PAN. “Fizemos o nosso caminho separadamente e o meu marido não perdeu os seus direitos políticos pelo facto de estar casado comigo. Ainda para mais, dá-se o caso de ele estar na concelhia e eu estar na distrital. Não estamos sequer no mesmo órgão. Mas, ainda que estivéssemos, parece-me que mal seria se o meu marido perdesse os seus direitos políticos por minha causa”, justificou Sousa Real ainda que atualmente coincida com Pedro Soares na Comissão Política Nacional (que cessa funções neste Congresso).

Sousa Real garante ainda que “jamais” nomearia para um cargo remunerado “ou tiraria qualquer benefício pessoal em torno da relação matrimonial” que têm: “E, evidentemente, eu própria jamais iria aceitar uma situação dessas. Aliás, nunca trabalhei para o partido — nem eu, nem o meu marido. Todo o trabalho que fizemos ao longo de uma década foi sempre em regime de voluntariado. Por isso, não me parece que faça qualquer sentido excluí-lo da vida política interna só por ser casado comigo”.

Mas não é apenas o marido de Inês Sousa Real que a acompanha no partido. Segundo apurou o Observador, o irmão, Jorge Sousa Real, presidiu durante pelo menos dois mandatos ao Conselho de Jurisdição Nacional, órgão a quem compete “zelar, a nível nacional, pelo cumprimento das disposições constitucionais, legais, estatutárias e regulamentares”. Atualmente, não é possível verificar se a situação se mantém porque o PAN não divulga publicamente os nomes dos membros do Conselho de Jurisdição Nacional.

Mas há mais casos. Nelson Silva, que ocupará o lugar de André Silva no Parlamento e integra a próxima Comissão Política Nacional, é casado com Alícia López. Alícia López não ocupa nenhum lugar na nova direção do partido, mas é assessora do PAN na Assembleia Municipal de Loures e está ao lado de Nelson na concelhia de Odivelas.

Ainda na nova direção do partido, Susana Santos é casada com Alfredo Vaz, o primeiro suplente da distrital do PAN em Faro (onde Susana Santos também figura como suplente).

Já Catarina Pinto, que é funcionária do PAN no Porto e membro da concelhia política de Espinho, é também ela casada com um dos membros da nova CPN, Ernesto Morais. Note-se que além das relações familiares de primeiro grau, na proposta de estatutos que gerou maior inquietação no Congresso os filiados queriam também vedar as dependências económicas entre membros dos órgãos no partido.

Exemplificando com assessores que podem, ao mesmo tempo, ocupar lugares na direção do partido os subscritores da proposta questionaram a isenção de quem depende financeiramente de outra pessoa. “Num dia vão discordar do que está a ser feito pela direção e no dia seguinte são despedidos e ficam sem rendimento? Não me parece”, questionou Luís Teixeira que fez a defesa da proposta perante o Congresso.

Luís Teixeira bem que fez um esforço para tentar deixar claro que “não estava a lançar suspeitas sobre ninguém”, mas as respostas chegaram precisamente de um dos casais que seria visado caso a proposta tivesse vencido.

Naquela que foi a primeira intervenção de Bebiana Cunha no Congresso, a futura líder parlamentar pediu a palavra para dizer que “não se podem coartar direitos políticos porque há uma relação conjugal“. Uma espécie de defesa pessoal e posicionamento da futura direção do partido. Não se trata apenas de um pormenor sobre aquilo que tem acontecido no partido, mas continuará.

Respondeu Bebiana Cunha que havia uma “confusão de conceitos”. “Alguém que é democraticamente eleito e tem os seus direitos, essa vontade tem de ser respeitada”, outra coisa seria alguém “nomear um familiar direto”, clarificou.

Mais duro foi o marido, Albano Lemos Pires, que, com uma declaração de interesses inicial explicou que é judeu e as propostas dos críticos para evitar ‘familygates’ internos lhe fazem lembrar “as leis de Nuremberga”, pelo que viu aqui um “trigger”: “Começando a progredir, onde é que estas leis vão parar? Como judeu, choca-me muito”.

“Se houver alguém com o coração a bater, já é suspeito de corrupção…”, ironizou em resposta a Luís Teixeira. “Estão aqui pessoas que são militantes, que dão o seu trabalho, e queres penalizá-los por se apaixonarem? Queres destruir a estrutura concelhia do partido. A maioria dos núcleos começaram com maridos e mulheres, irmãos… Ninguém põe num jornal da terra “procuram-se filiados para o PAN”. Horas depois, na entrevista ao Observador, Inês Sousa Real lembraria esta ode à paixão de Albano Lemos Pires: “Como já aqui se brincou um bocadinho hoje, nada temos contra que as pessoas se apaixonem e possam ter relações dentro do partido.”

Outro dos assuntos que gera incómodo num pequeno segmento do partido é o controlo que Inês Sousa Real vai conquistando. Depois de nos últimos anos ter controlado, em alternância com o marido, a concelhia de Lisboa, com a candidatura à liderança do partido deixou Pedro Soares com a liderança da concelhia de Lisboa, mas a influência que tem vai além disso.

Isabel do Carmo presta assessoria ao grupo municipal do PAN em Lisboa, em regime de assessoria externa, de acordo com a informação disponível nas páginas do partido. Joana Guerreiro, atual assessora do PAN foi também assessora de Inês Sousa Real na autarquia lisboeta durante vários anos e Paula Nicolau, que também faz parte da nova concelhia de Lisboa já foi assessora no Parlamento.

Sabe o Observador que nos corredores do partido estas relações são vistas como um marcar de posição de Inês Sousa Real que, assim, consegue dominar uma das concelhias mais importantes do partido. Caso diferente enfrenta Sousa Real em Setúbal, onde teve dificuldades em conseguir encontrar um nome para a lista da Comissão Política depois de o distrito ter colocado entraves à formação da lista liderada pela única candidata a líder, por estar em desacordo com a líder. Em causa a crescente centralização de poder na futura líder do PAN.

Era precisamente este tipo de relações que a proposta de alteração aos estatutos queria travar, mas esteve longe de conseguir convencer os delegados ao Congresso da sua pertinência. A moção contra um familygate no partido, recorde-se, teve apenas 12 votos (Observador, texto da jornalista RITA PENELA)

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