Além da união em
prol das causas, há outros laços que reforçam o funcionamento dos órgãos do
PAN. A teia é complexa: há irmãos, maridos e mulheres no mesmo órgão e até
assalariados do partido no meio dessas ligações familiares. Este panorama não
agrada a todos os militantes e foi alvo de uma moção, mas a tentativa de
limitar estas relações levou um chumbo no Congresso do PAN. Ainda assim, marcou
o final da manhã. Luís Teixeira foi a voz da proposta para impedir relações
pessoais de primeiro grau ou de interdependência financeira dentro do mesmo
órgão no partido, mas não conseguiu contrariar a hegemonia de delegados que
estão ao lado da direção do PAN.
A proposta de alteração de Estatutos recebeu apenas 12 votos, contra os mais de 100 da proposta da nova direção que, entre outros, reforça os poderes de suspensão de militantes. Mas foi suficiente para suscitar uma troca de argumentos entre os militantes do PAN. Ainda que o principal alvo fosse aparentemente Bebiana Cunha — que volta a contar com a companhia do marido Albano Lemos Pires na nova direção — este está longe de ser o único caso de relações familiares no PAN. Há um enredo à volta de membros destacados do partido que integram a Comissão Política Nacional. E não só.
Desde logo, a
futura porta-voz Inês Sousa Real, familiares tem dois familiares nos dois
principais órgãos partidários. O marido, Pedro Soares, integra a atual Comissão
Política Nacional ao seu lado. É um facto que não integra os lugares efetivos
da lista que sairá deste Congresso, mas se agora é membro cessante, em março
assegurou a liderança da concelhia de Lisboa do PAN, cargo deixado vago por
Inês Sousa Real. A concelhia de Lisboa ficou, literalmente, em casa. Ao longo
dos anos que dedicaram ao partido têm mantido uma alternância entre os vários
órgãos internos, com especial destaque para a concelhia e a distrital de
Lisboa.
Inês Sousa Real,
em entrevista ao Observador, rejeita qualquer incompatibilidade no facto de o
marido liderar uma das mais importantes concelhias do país e frisa que “ambos
tomaram parte de diferentes órgãos do partido” ao longo dos mais de 10 anos de
envolvimento ativo no PAN. “Fizemos o nosso caminho separadamente e o meu
marido não perdeu os seus direitos políticos pelo facto de estar casado comigo.
Ainda para mais, dá-se o caso de ele estar na concelhia e eu estar na
distrital. Não estamos sequer no mesmo órgão. Mas, ainda que estivéssemos, parece-me
que mal seria se o meu marido perdesse os seus direitos políticos por minha
causa”, justificou Sousa Real ainda que atualmente coincida com Pedro Soares na
Comissão Política Nacional (que cessa funções neste Congresso).
Sousa Real garante
ainda que “jamais” nomearia para um cargo remunerado “ou tiraria qualquer
benefício pessoal em torno da relação matrimonial” que têm: “E, evidentemente,
eu própria jamais iria aceitar uma situação dessas. Aliás, nunca trabalhei para
o partido — nem eu, nem o meu marido. Todo o trabalho que fizemos ao longo de
uma década foi sempre em regime de voluntariado. Por isso, não me parece que
faça qualquer sentido excluí-lo da vida política interna só por ser casado
comigo”.
Mas não é apenas o
marido de Inês Sousa Real que a acompanha no partido. Segundo apurou o
Observador, o irmão, Jorge Sousa Real, presidiu durante pelo menos dois
mandatos ao Conselho de Jurisdição Nacional, órgão a quem compete “zelar, a nível
nacional, pelo cumprimento das disposições constitucionais, legais,
estatutárias e regulamentares”. Atualmente, não é possível verificar se a
situação se mantém porque o PAN não divulga publicamente os nomes dos membros
do Conselho de Jurisdição Nacional.
Mas há mais casos.
Nelson Silva, que ocupará o lugar de André Silva no Parlamento e integra a
próxima Comissão Política Nacional, é casado com Alícia López. Alícia López não
ocupa nenhum lugar na nova direção do partido, mas é assessora do PAN na Assembleia
Municipal de Loures e está ao lado de Nelson na concelhia de Odivelas.
Ainda na nova
direção do partido, Susana Santos é casada com Alfredo Vaz, o primeiro suplente
da distrital do PAN em Faro (onde Susana Santos também figura como suplente).
Já Catarina Pinto,
que é funcionária do PAN no Porto e membro da concelhia política de Espinho, é
também ela casada com um dos membros da nova CPN, Ernesto Morais. Note-se que
além das relações familiares de primeiro grau, na proposta de estatutos que
gerou maior inquietação no Congresso os filiados queriam também vedar as dependências
económicas entre membros dos órgãos no partido.
Exemplificando com
assessores que podem, ao mesmo tempo, ocupar lugares na direção do partido os
subscritores da proposta questionaram a isenção de quem depende financeiramente
de outra pessoa. “Num dia vão discordar do que está a ser feito pela direção e
no dia seguinte são despedidos e ficam sem rendimento? Não me parece”,
questionou Luís Teixeira que fez a defesa da proposta perante o Congresso.
Luís Teixeira bem
que fez um esforço para tentar deixar claro que “não estava a lançar suspeitas
sobre ninguém”, mas as respostas chegaram precisamente de um dos casais que
seria visado caso a proposta tivesse vencido.
Naquela que foi a
primeira intervenção de Bebiana Cunha no Congresso, a futura líder parlamentar
pediu a palavra para dizer que “não se podem coartar direitos políticos porque
há uma relação conjugal“. Uma espécie de defesa pessoal e posicionamento da
futura direção do partido. Não se trata apenas de um pormenor sobre aquilo que
tem acontecido no partido, mas continuará.
Respondeu Bebiana
Cunha que havia uma “confusão de conceitos”. “Alguém que é democraticamente
eleito e tem os seus direitos, essa vontade tem de ser respeitada”, outra coisa
seria alguém “nomear um familiar direto”, clarificou.
Mais duro foi o
marido, Albano Lemos Pires, que, com uma declaração de interesses inicial
explicou que é judeu e as propostas dos críticos para evitar ‘familygates’
internos lhe fazem lembrar “as leis de Nuremberga”, pelo que viu aqui um
“trigger”: “Começando a progredir, onde é que estas leis vão parar? Como judeu,
choca-me muito”.
“Se houver alguém
com o coração a bater, já é suspeito de corrupção…”, ironizou em resposta a
Luís Teixeira. “Estão aqui pessoas que são militantes, que dão o seu trabalho,
e queres penalizá-los por se apaixonarem? Queres destruir a estrutura concelhia
do partido. A maioria dos núcleos começaram com maridos e mulheres, irmãos…
Ninguém põe num jornal da terra “procuram-se filiados para o PAN”. Horas
depois, na entrevista ao Observador, Inês Sousa Real lembraria esta ode à
paixão de Albano Lemos Pires: “Como já aqui se brincou um bocadinho hoje, nada
temos contra que as pessoas se apaixonem e possam ter relações dentro do
partido.”
Outro dos assuntos
que gera incómodo num pequeno segmento do partido é o controlo que Inês Sousa
Real vai conquistando. Depois de nos últimos anos ter controlado, em
alternância com o marido, a concelhia de Lisboa, com a candidatura à liderança
do partido deixou Pedro Soares com a liderança da concelhia de Lisboa, mas a
influência que tem vai além disso.
Isabel do Carmo
presta assessoria ao grupo municipal do PAN em Lisboa, em regime de assessoria
externa, de acordo com a informação disponível nas páginas do partido. Joana
Guerreiro, atual assessora do PAN foi também assessora de Inês Sousa Real na
autarquia lisboeta durante vários anos e Paula Nicolau, que também faz parte da
nova concelhia de Lisboa já foi assessora no Parlamento.
Sabe o Observador
que nos corredores do partido estas relações são vistas como um marcar de
posição de Inês Sousa Real que, assim, consegue dominar uma das concelhias mais
importantes do partido. Caso diferente enfrenta Sousa Real em Setúbal, onde
teve dificuldades em conseguir encontrar um nome para a lista da Comissão
Política depois de o distrito ter colocado entraves à formação da lista
liderada pela única candidata a líder, por estar em desacordo com a líder. Em
causa a crescente centralização de poder na futura líder do PAN.
Era precisamente
este tipo de relações que a proposta de alteração aos estatutos queria travar,
mas esteve longe de conseguir convencer os delegados ao Congresso da sua
pertinência. A moção contra um familygate no partido, recorde-se, teve apenas
12 votos (Observador, texto da jornalista RITA PENELA)
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