quarta-feira, junho 02, 2021

Publicações da Global Media acusam administração de Marco Galinha de interferência editorial “ilegítima”

 

Conselhos de Redação do “Diário de Notícias” e “Jornal de Notícias” acusam presidente da Global Media de tentar condicionar as escolhas dos colaboradores na área da opinião e de ter passado a figurar como administrador da página de Facebook das marcas do grupo. Administração rejeita existência de qualquer interferência editorial

Os Conselhos de Redação (CR) do “Jornal de Notícias” (JN) e do “Diário de Notícias” (DN) estão a acusar a administração da Global Media – e em particular o presidente do conselho de administração, Marco Galinha – de interferências “ilegítimas” em competências “exclusivamente editoriais” das publicações do grupo. Em causa está o facto de a administração da Global Media ter dado ordens relativas às escolhas dos colaboradores na área da opinião e de Marco Galinha ter passado a figurar como administrador da página de Facebook das marcas da Global Media.

Contactada pelo Expresso, a diretora de comunicação do grupo Bel, Helena Ferro de Gouveia, rejeita as acusações de interferência editorial. Recorde-se que o grupo Bel controla 29,75% da Global Media – dona do “Jornal de Notícias”, “Diário de Notícias”, TSF e “O Jogo”, além de algumas revistas –, mas tem acordos para assumir a maioria.

De acordo com os comunicados divulgados internamente pelos CR do JN e do DN esta segunda e terça-feira, respetivamente, e a que o Expresso teve acesso, as direções dos dois jornais receberam ordens da administração da Global Media para terminar o pagamento de crónicas a políticos, sob a justificação de que é “expressamente proibido pagar a pessoas expostas politicamente”.

O CR do JN “considera ilegítimas aquelas ordens”, sublinhando que constituem “uma interferência da administração em matéria da competência exclusiva da diretora nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º da Lei de Imprensa”. E apela a Marco Galinha para “cessar imediatamente quaisquer instruções de condicionamento das escolhas de colaboradores na área da opinião”.

O órgão representativo dos jornalistas em questões deontológicas e profissionais recorda que “às empresas, portanto às administrações, está vedado determinar a exclusão nomeadamente de autores em espaços de opinião, uma vez que as suas criações fazem parte integrante do conteúdo da publicação, que é, insiste-se, da competência exclusiva do diretor”. Caso contrário, “estaria a ser ostensivamente violada a garantia constitucional (Cfr. Art.º 38.º, n.º 2, al. a), primeira parte, e n.º 4, primeira parte) da independência dos meios de informação perante o poder económico – leia-se os proprietários e gestores – com o evidente condicionamento da escolha e/ou manutenção de cronistas que outras experiências mostram não ser tolerado”.

Já o CR do DN acrescenta que a escolha dos colunistas para os espaços de opinião do jornal “é parte fundamental do valor editorial da publicação e do seu posicionamento no mercado face à concorrência”.

A diretora de comunicação do grupo Bel rejeita as acusações de interferência editorial imputadas à administração da Global Media. "Nunca a administração vai tentar determinar conteúdos, impor convites ou indicar nomes", explica Helena Ferro de Gouveia. "O que foi pedido foi para serem terminados todos os pagamentos a pessoas politicamente expostas. Isto não impede que os convites lhes sejam feitos, podem continuar a escrever."

INTRUSÃO NAS REDES SOCIAIS E CONTAGEM DE PRESENÇAS

Os dois jornais referem ainda que o presidente da Global Media passou a ser administrador da página de Facebook das marcas do grupo. Enquanto a diretora do DN, Rosália Amorim, disse não ter autorizado nem ter tido conhecimento prévio dessa alteração nas plataformas de redes sociais, a diretora do JN, Inês Cardoso, terá sido informada por Marco Galinha de que este tinha pedido “apenas para ter acesso às redes sociais do grupo, não sendo sua intenção interferir nos respetivos conteúdos”.

Ainda assim, o CR do JN salienta, “em todo o caso, que o presidente da Administração deveria ter acordado tal pedido previamente com a Diretora, designadamente quanto aos limites no nível de acesso às referidas contas”.

Tanto o DN como o JN recordam que os espaços dos jornais em ambiente digital são “extensões editoriais” das marcas. “Lembramos que as redes sociais são uma extensão da marca editorial e a competência total para determinar que conteúdos são esses e de que forma são geridos pertence aos responsáveis editoriais, designadamente ao Diretor, cujo estatuto está determinado de forma clara no artigo 20º da Lei de Imprensa”, evidencia o DN. Ou seja, este acesso às redes sociais é considerado pelos dois jornais como uma intromissão na área editorial.

É por isso que o JN conclui que “o presidente da Administração deve abster-se de quaisquer atos nas redes sociais que possam configurar uma intromissão na área editorial”.

Sobre este ponto, Helena Ferro de Gouveia diz que a presença de Marco Galinha nas redes sociais das marcas do grupo se prende "com uma questão de gestão, para visualizar métricas e estatísticas", sublinhando que "não há gestão sem métricas" e que esta é uma prática comum. E garante que o presidente da Global Media "não vai interferir com o conteúdo editorial".

A redação do DN critica ainda uma prática de contagem de presenças no espaço físico das redações, alegadamente a pedido da administração da Global Media.

“O Conselho de Redação manifesta a sua estupefação perante esta prática e pede esclarecimentos ao Presidente do Conselho de Administração sobre os propósitos da mesma”, escreve, recordando que vigora até 13 de junho a obrigatoriedade de teletrabalho sempre que possível, no contexto de combate à pandemia. “É condição essencial da prática jornalística a sua mobilidade e liberdade de movimentos. Deve ser estimulada, e não coartada, a capacidade dos jornalistas deste jornal (ou de qualquer outro) em sair da redação atrás de uma notícia, de uma reportagem, de uma fonte. O exercício do Jornalismo e a vida de uma empresa jornalística não se coadunam com práticas de contagem de presenças no espaço físico de uma redação.”

A diretora de comunicação do grupo Bel explica o facto com a reestruturação em termos de espaço físico no edifício, que levou a uma redução do número de andares. Esta contagem, esclarece, pretende "apenas perceber quantas pessoas estão presentes diariamente, para organizar fisicamente o espaço e cumprir com as normas e segurança da Direção-Geral de Saúde".

JORNALISTAS RECORDAM “GRITANTE ESCASSEZ” DE RECURSOS HUMANOS

Os jornalistas do DN alertam, ainda, a administração para “a gritante escassez de recursos no corpo redatorial, sem paralelo em qualquer outro título do grupo ou da concorrência”. Solicitando a marcação de uma reunião, realçam que no mais recente despedimento coletivo da Global Media em outubro – no âmbito do qual foram despedidos 81 trabalhadores, 17 dos quais jornalistas –, foram dispensados sete jornalistas do DN, quase um terço “de uma redação que já era subdimensionada”.

“Ouvimos o Presidente do CA, em comissão parlamentar, anunciar a iminente entrada de ‘20 dos melhores alunos de jornalismo’ e a aposta num futuro que passa pela digitalização”, escrevem. “Esta anunciada retoma na aposta do digital e a desejável injeção de sangue novo não podem deixar de incluir o know-how e a experiência dos jornalistas desta redação que passaram por estes processos de transformação.”

Na sua perspetiva, o caminho de valorização e investimento anunciado “não se coaduna com a realidade de cortes sucessivos que conhecemos nos anos recentes e que deixam o Diário de Notícias cada vez mais fragilizado, sem que se vislumbre uma inversão desta realidade”.

Já o grupo garante que os investimentos anunciados por Marco Galinha são para manter e que a contratação destes jovens jornalistas serve para reforçar a redação, rejeitando a existência de despedimentos adicionais.

Recorde-se que recentemente a Global Media decidiu recuar na decisão de recorrer ao Regime de Apoio à Retoma Progressiva da Atividade, segundo avançou ao Expresso a diretora de comunicação do Grupo Bel, Helena Ferro de Gouveia. A adesão da Global Media – na qual o grupo Bel controla 29,75% mas tem acordos para assumir a maioria – a este regime tinha sido anunciada em abril, na sequência da quebra na faturação ocorrida nos meses de janeiro e fevereiro.

“Não vamos recorrer aos planos de apoio, uma vez que já não é necessário”, disse na altura ao Expresso Helena Ferro de Gouveia. “Houve uma alteração da situação ao nível dos resultados e das vendas. Os primeiros três meses do ano não foram fáceis, mas agora a situação está a melhorar.”

A responsável justificou ainda os atrasos no pagamento faseado da indemnização aos trabalhadores que foram alvo do mais recente despedimento coletivo com “questões técnicas”. Sobre os atrasos nos pagamentos aos colaboradores ou colunistas avençados, Helena Ferro de Gouveia reconheceu alguns desses atrasos, mas garantiu que estava “tudo a ser resolvido” (Expresso, texto da jornalista Maria João Bourbon)

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