Conselhos de
Redação do “Diário de Notícias” e “Jornal de Notícias” acusam presidente da
Global Media de tentar condicionar as escolhas dos colaboradores na área da
opinião e de ter passado a figurar como administrador da página de Facebook das
marcas do grupo. Administração rejeita existência de qualquer interferência
editorial
Os Conselhos de Redação (CR) do “Jornal de Notícias” (JN) e do “Diário de Notícias” (DN) estão a acusar a administração da Global Media – e em particular o presidente do conselho de administração, Marco Galinha – de interferências “ilegítimas” em competências “exclusivamente editoriais” das publicações do grupo. Em causa está o facto de a administração da Global Media ter dado ordens relativas às escolhas dos colaboradores na área da opinião e de Marco Galinha ter passado a figurar como administrador da página de Facebook das marcas da Global Media.
Contactada pelo
Expresso, a diretora de comunicação do grupo Bel, Helena Ferro de Gouveia, rejeita
as acusações de interferência editorial. Recorde-se que o grupo Bel controla
29,75% da Global Media – dona do “Jornal de Notícias”, “Diário de Notícias”,
TSF e “O Jogo”, além de algumas revistas –, mas tem acordos para assumir a
maioria.
De acordo com os
comunicados divulgados internamente pelos CR do JN e do DN esta segunda e
terça-feira, respetivamente, e a que o Expresso teve acesso, as direções dos
dois jornais receberam ordens da administração da Global Media para terminar o
pagamento de crónicas a políticos, sob a justificação de que é “expressamente
proibido pagar a pessoas expostas politicamente”.
O CR do JN
“considera ilegítimas aquelas ordens”, sublinhando que constituem “uma
interferência da administração em matéria da competência exclusiva da diretora
nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 20º da Lei de Imprensa”.
E apela a Marco Galinha para “cessar imediatamente quaisquer instruções de
condicionamento das escolhas de colaboradores na área da opinião”.
O órgão
representativo dos jornalistas em questões deontológicas e profissionais
recorda que “às empresas, portanto às administrações, está vedado determinar a
exclusão nomeadamente de autores em espaços de opinião, uma vez que as suas
criações fazem parte integrante do conteúdo da publicação, que é, insiste-se,
da competência exclusiva do diretor”. Caso contrário, “estaria a ser
ostensivamente violada a garantia constitucional (Cfr. Art.º 38.º, n.º 2, al.
a), primeira parte, e n.º 4, primeira parte) da independência dos meios de
informação perante o poder económico – leia-se os proprietários e gestores –
com o evidente condicionamento da escolha e/ou manutenção de cronistas que
outras experiências mostram não ser tolerado”.
Já o CR do DN
acrescenta que a escolha dos colunistas para os espaços de opinião do jornal “é
parte fundamental do valor editorial da publicação e do seu posicionamento no
mercado face à concorrência”.
A diretora de
comunicação do grupo Bel rejeita as acusações de interferência editorial
imputadas à administração da Global Media. "Nunca a administração vai
tentar determinar conteúdos, impor convites ou indicar nomes", explica
Helena Ferro de Gouveia. "O que foi pedido foi para serem terminados todos
os pagamentos a pessoas politicamente expostas. Isto não impede que os convites
lhes sejam feitos, podem continuar a escrever."
INTRUSÃO NAS REDES
SOCIAIS E CONTAGEM DE PRESENÇAS
Os dois jornais
referem ainda que o presidente da Global Media passou a ser administrador da
página de Facebook das marcas do grupo. Enquanto a diretora do DN, Rosália
Amorim, disse não ter autorizado nem ter tido conhecimento prévio dessa
alteração nas plataformas de redes sociais, a diretora do JN, Inês Cardoso,
terá sido informada por Marco Galinha de que este tinha pedido “apenas para ter
acesso às redes sociais do grupo, não sendo sua intenção interferir nos
respetivos conteúdos”.
Ainda assim, o CR
do JN salienta, “em todo o caso, que o presidente da Administração deveria ter
acordado tal pedido previamente com a Diretora, designadamente quanto aos
limites no nível de acesso às referidas contas”.
Tanto o DN como o
JN recordam que os espaços dos jornais em ambiente digital são “extensões
editoriais” das marcas. “Lembramos que as redes sociais são uma extensão da
marca editorial e a competência total para determinar que conteúdos são esses e
de que forma são geridos pertence aos responsáveis editoriais, designadamente
ao Diretor, cujo estatuto está determinado de forma clara no artigo 20º da Lei
de Imprensa”, evidencia o DN. Ou seja, este acesso às redes sociais é
considerado pelos dois jornais como uma intromissão na área editorial.
É por isso que o
JN conclui que “o presidente da Administração deve abster-se de quaisquer atos
nas redes sociais que possam configurar uma intromissão na área editorial”.
Sobre este ponto,
Helena Ferro de Gouveia diz que a presença de Marco Galinha nas redes sociais
das marcas do grupo se prende "com uma questão de gestão, para visualizar
métricas e estatísticas", sublinhando que "não há gestão sem métricas"
e que esta é uma prática comum. E garante que o presidente da Global Media
"não vai interferir com o conteúdo editorial".
A redação do DN
critica ainda uma prática de contagem de presenças no espaço físico das
redações, alegadamente a pedido da administração da Global Media.
“O Conselho de
Redação manifesta a sua estupefação perante esta prática e pede esclarecimentos
ao Presidente do Conselho de Administração sobre os propósitos da mesma”,
escreve, recordando que vigora até 13 de junho a obrigatoriedade de teletrabalho
sempre que possível, no contexto de combate à pandemia. “É condição essencial
da prática jornalística a sua mobilidade e liberdade de movimentos. Deve ser
estimulada, e não coartada, a capacidade dos jornalistas deste jornal (ou de
qualquer outro) em sair da redação atrás de uma notícia, de uma reportagem, de
uma fonte. O exercício do Jornalismo e a vida de uma empresa jornalística não
se coadunam com práticas de contagem de presenças no espaço físico de uma
redação.”
A diretora de
comunicação do grupo Bel explica o facto com a reestruturação em termos de
espaço físico no edifício, que levou a uma redução do número de andares. Esta
contagem, esclarece, pretende "apenas perceber quantas pessoas estão
presentes diariamente, para organizar fisicamente o espaço e cumprir com as
normas e segurança da Direção-Geral de Saúde".
JORNALISTAS
RECORDAM “GRITANTE ESCASSEZ” DE RECURSOS HUMANOS
Os jornalistas do
DN alertam, ainda, a administração para “a gritante escassez de recursos no
corpo redatorial, sem paralelo em qualquer outro título do grupo ou da
concorrência”. Solicitando a marcação de uma reunião, realçam que no mais
recente despedimento coletivo da Global Media em outubro – no âmbito do qual
foram despedidos 81 trabalhadores, 17 dos quais jornalistas –, foram
dispensados sete jornalistas do DN, quase um terço “de uma redação que já era
subdimensionada”.
“Ouvimos o
Presidente do CA, em comissão parlamentar, anunciar a iminente entrada de ‘20
dos melhores alunos de jornalismo’ e a aposta num futuro que passa pela
digitalização”, escrevem. “Esta anunciada retoma na aposta do digital e a
desejável injeção de sangue novo não podem deixar de incluir o know-how e a
experiência dos jornalistas desta redação que passaram por estes processos de
transformação.”
Na sua perspetiva,
o caminho de valorização e investimento anunciado “não se coaduna com a
realidade de cortes sucessivos que conhecemos nos anos recentes e que deixam o
Diário de Notícias cada vez mais fragilizado, sem que se vislumbre uma inversão
desta realidade”.
Já o grupo garante
que os investimentos anunciados por Marco Galinha são para manter e que a
contratação destes jovens jornalistas serve para reforçar a redação, rejeitando
a existência de despedimentos adicionais.
Recorde-se que
recentemente a Global Media decidiu recuar na decisão de recorrer ao Regime de
Apoio à Retoma Progressiva da Atividade, segundo avançou ao Expresso a diretora
de comunicação do Grupo Bel, Helena Ferro de Gouveia. A adesão da Global Media
– na qual o grupo Bel controla 29,75% mas tem acordos para assumir a maioria –
a este regime tinha sido anunciada em abril, na sequência da quebra na
faturação ocorrida nos meses de janeiro e fevereiro.
“Não vamos
recorrer aos planos de apoio, uma vez que já não é necessário”, disse na altura
ao Expresso Helena Ferro de Gouveia. “Houve uma alteração da situação ao nível
dos resultados e das vendas. Os primeiros três meses do ano não foram fáceis,
mas agora a situação está a melhorar.”
A responsável
justificou ainda os atrasos no pagamento faseado da indemnização aos
trabalhadores que foram alvo do mais recente despedimento coletivo com
“questões técnicas”. Sobre os atrasos nos pagamentos aos colaboradores ou
colunistas avençados, Helena Ferro de Gouveia reconheceu alguns desses atrasos,
mas garantiu que estava “tudo a ser resolvido” (Expresso, texto da jornalista
Maria João Bourbon)
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