"A segurança social não tem dinheiro para
pagar as pensões. Mesmo com a reforma de Vieira da Silva, que ajusta a idade de
aposentação à esperança média de vida, o sistema continua a não ter fundos
suficientes para pagar aos actuais pensionistas. A culpa, dizem, é porque
vivemos cada vez mais anos e nascem cada vez menos crianças, o que faz com que
sejam cada vez menos os trabalhadores no activo a contribuir para cada vez mais
reformados. Na actual conjuntura, é justo dizê-lo, o desemprego também ajuda a
desequilibrar o sistema, já que são menos os trabalhadores a descontar. E mais
dinheiro é exigido à Segurança Social que, além das pensões, tem mais encargos
com as prestações sociais. Mas esta explicação está longe de contar a história
toda. A falência do actual modelo é muito por culpa dos sucessivos governos
que, ao longo dos anos, foram despejando para a Caixa Geral de Aposentações os
fundos de pensões de empresas públicas e da banca. O esquema é conhecido e já é
usado desde 1996 quando Sousa Franco passou o fundo de pensões do BNU para o
Estado. A ideia é sempre a mesma: as empresas entregam ao Estado os activos dos
seus fundos de pensões (obrigações, acções e ‘cash') e o Estado usa esse
dinheiro para pagar dívidas no curto prazo e para baixar artificialmente o valor
do défice. Em contrapartida, a CGA fica responsável pelo pagamento, durante
décadas, das reformas desses trabalhadores.
Vítor
Gaspar também usou este esquema em 2011, quando transferiu 5,993 mil milhões
das pensões dos bancários para a Segurança Social. O Governo usou uma grande
parte do dinheiro para pagar dívida das empresas públicas, das autarquias e dos
hospitais públicos. Mas assumiu a obrigação de pagar a 27 mil pensionistas,
durante os próximos dez a 12 anos, qualquer coisa como 500 milhões por ano. Por
isso é que este ano introduziu a Contribuição Extraordinária de Solidariedade
(que vai render 420 milhões) e, por isso, é que no próximo ano quer substituir
a CES pela polémica Contribuição de Sustentabilidade (que também vai render 436
milhões ao ano).
No
ano anterior, Teixeira dos Santos também já tinha transferido quase dois mil
milhões do fundo de pensões da PT para baixar o défice e pagar a compra de dois
submarinos. Na altura, a UTAO alertava não só para assunção de um nível de
despesa pública com pensões permanentemente mais elevado no futuro, como para a
transferência do risco do acréscimo das responsabilidades com essas pensões
resultante, por exemplo, de aumentos na esperança média de vida dos
beneficiários, de uma empresa privada para o Estado.
Além
da banca e da PT, vários outros fundos foram transferidos para a CGA no
passado: CTT, RDP, CGD, ANA, NAV, INCM. Resultado desta política: segundo um
relatório do Tribunal de Contas do ano passado, o fundo dos CTT já se esgotou,
o da CGD vale metade do que valia em 2004 e o da PT desvalorizou 12% logo no
primeiro ano sob gestão do Estado.
Há
um exercício relativamente fácil de se fazer. Se considerarmos os 67 mil
pensionistas que passaram para o Estado vindos da banca e das empresas, e
considerando que cada um terá uma reforma ligeiramente superior a mil euros,
estamos a falar de um encargo adicional de cerca de mil milhões de euros por
ano. É sensivelmente o mesmo valor que o Governo quer ir buscar com as três
novas medidas anunciadas por Passos Coelho para reformar o sistema de pensões:
a convergência, a nova taxa sobre as pensões e o aumento da idade de reforma
para os 66 anos.
Se
continuarmos a torrar o dinheiro dos pensionistas a pagar dívidas e a comprar
submarinos, não há sistema de Previdência que aguente. E não me venham dizer
que a culpa é das crianças que não nascem, dos reformados que não morrem e dos
desempregados que não têm trabalho"
(texto
de Pedro Sousa Carvalho, Económico, com a devida vénia)